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Acidez dos solos e cor das hortênsias!



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        Quem lida com agricultura ou jardinagem sabe muito bem que o pH do solo é um dos principais fatores que influenciam no crescimento das plantas. Parte da capacidade das plantas em absorver nutrientes vai variar com o nível desse pH, sendo importante monitorá-lo e manipulá-lo para otimizar ao máximo a saúde das plantações. Mas um dos fatos mais curiosos sobre esse assunto é a capacidade das hortênsias em mudarem a cor das suas 'flores' dependendo do valor do pH!

       O pH é uma medida química de acidez. Ele é medido em uma escala que vai de 0 a 14, onde quanto mais próximo do 0, mais ácido estará o meio. Antes de 7, dizemos que o meio está ácido. Depois de 7, dizemos que está básico. E, em 7, consideramos neutro. O termo ácido, em uma visão tradicional (1), é usado para indicar a quantidade de prótons (cátions do hidrogênio, H+) disponíveis no sistema analisado. Esses prótons se originam de substâncias ácidas, como ácido sulfúrico, ácido clorídrico, ácido acético, etc. Quanto menos ácido for o meio, menos prótons existirão, aumentando a quantidade de hidroxilas (OH-), estas as quais reagem com os prótons, eliminado-os para a formação de água (H20). No valor neutro, a quantidade de prótons e hidroxilas se tornam iguais. Depois de 7, as hidroxilas passam a dominar o meio. As substâncias doadoras de hidroxila são chamadas de 'base'. Todas essas reações química descritas ocorrem nos solos. Mas o que isso tudo tem a ver com as cores da hortênsia?

Escala do pH e o seu oposto, o pOH (usado para medir a concentração de hidroxilas do meio aquoso)

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        Originárias da China e do Japão, e com uma variedade somando cerca de 600 tipos, as plantas da espécie Hydrangea macrophylla - chamada popularmente de 'Hortênsia' - florescem durante os meses que vão de fevereiro a outubro. A beleza e cores das flores dessas plantas enfeitam onde quer que estejam. E existem duas curiosidades sobre elas. A primeira é que suas cores não vêm das suas flores e, sim, de folhas modificadas. As suas reais flores ficam no meio dessas flores modificadas, sendo, normalmente, brancas. A segunda curiosidade é que a cor dessas folhas especiais variam do branco ao roxo, com predomínio do rosa e azul, e são determinadas, principalmente, pela acidez do solo (2)!

         Diferente do que muitos pensam, não existem hortênsias rosas, hortênsias azuis ou hortênsias brancas. Quase todas as hortênsias podem adquirir essas colorações, porque as cores são definidas com a biodisponibilidade de alumínio para essa espécie. E essa biodisponibilidade é diretamente proporcional ao aumento da acidez nos solos. Assim, quando mais ácido o solo, mais fácil fica para o sistema de absorção da hortênsia capturar o alumínio. Quanto mais alumínio biodisponível, mais azul a hortênsia tende a ficar, podendo adquirir até a coloração roxa. Quanto menos alumínio, mais rosa ela tende a ser, ficando mais clara à medida que as quantidades do íon desse metal absorvido vão diminuindo, podendo chegar ao completo branco.

À direita, uma hortênsia típica de solos ácidos; no meio, as folhas modificadas em início de amadurecimento e coloração ao redor das reais flores; à esquerda, uma hortênsia típica de solos básicos

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        Portanto, de modo geral, se o solo é ácido a hortênsia varia no azul. Se o solo é básico, a hortênsia varia no rosa. Com essa informação em mãos, é possível, então, modificar a cor das suas hortênsias da forma que você quiser! Existem três modos para você fazer isso. A primeira é controlando o pH através da adição de matéria orgânica no solo ou adicionando, por exemplo, sais básicos no mesmo. Com a adição de matéria orgânica (folhas, cascas de árvores, turfa, musgo, pó de serra, e outros compostos vegetais) ocorre decomposição dela por bactérias do solo, as quais produzem, como subproduto, ácidos orgânicos e inorgânicos. Mais ácido, mais azul. Já os sais básicos, como o óxido de cálcio (cal virgem) e hidróxido de cálcio (cal extinta), fornecem hidroxilas para o solo, tornando-o mais básico. Mais básico, mais rosa. Existem também adubos especialmente preparados para deixar o solo no pH desejado.

         Os outros dois modos não envolvem mundança de pH e, sim, variação nas quantidades de alumínio biodisponível para a sua hortênsia. Quanto mais alumínio, maior a absorção desse metal e quanto menos, menor a sua absorção. Isso é obtido com a adição direta de compostos de alumínio (algo que também aumenta o pH do solo), como o sulfato de alumínio, ou pela adição de adubos que contenham substâncias que diminuam a absorção do alumínio naturalmente presente no solo, como a adição de adubos com alta quantidade de fósforo, este o qual limita a absorção do íon metálico pela hortênsia. Mas, de qualquer forma, é preciso prestar atenção no pH do solo, pois ele ainda irá influenciar bastante na história independentemente da quantidade de alumínio no local.

Variando a biodisponibilidade de alumínio, ou pH, no solo, as hortênsias adquirem uma ampla gama de cores

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         Brincando com o pH da terra onde sua hortênsia está plantada, é possível obter variados tipos de cores, até mesmo composições multicoloridas! Mas se você quiser variar as cores em diferentes épocas de uma única planta, é preciso podar quase todas as suas folhas para cada coloração desejada, ação que diminui drasticamente o alumínio acumulado em sua estrutura. Seria quase como um 'reboot' vegetal. O resto fica ao gosto do freguês!

É possível até obter hortênsias multicoloridas

OBSERVAÇÃO 1: Os ácidos 'clássicos' são moléculas ou sais que, quando dissolvidas em água, liberam H+. As bases são sais que, dissolvidos em água, fornecem hidroxilas. Aliás, a biodisponibilidade de alumínio é influenciada pelo pH porque quanto mais hidroxilas no solo, menos complexos solúveis do íon desse metal e mais sais sólidos (hidróxido de alumínio) são formados, com estes últimos não conseguindo entrar pelas raízes das hortênsias por não se dissolverem em água. Os íons de alumínio que conseguem entrar na planta modificam a estrutura dos pigmentos rosas, transformando-os em pigmentos azuis.

Um exemplo de molécula ácida; nesse caso, uma molécula de ácido acético, quando misturada com água, doa seu átomo de hidrogênio na forma de íon para as moléculas de água, formado hidrônios

OBSERVAÇÃO 2: Dependo da força de ácidez ou basicidade do meio, os valores podem ultrapassar o intervalo de 0 a 14 na escala de pH. As substâncias denominadas 'superácidos' conseguem marcar números bem negativos. A medição de pH é feita através de indicadores químicos ou montagens eletroquímicas, denominadas pHmetro.

À direita, um pHmetro; à esquerda, uma fita de pH composta de um material que muda de cor de acordo com o nível de acidez do sistema a ser medido (no caso dessa fita, ela consegue medir de 1 a11 na escala)

(1) OBSERVAÇÃO 3
: Em química orgânica, a definição de ácidos e bases vai muito além de 'doadores' de prótons ou hidroxilas. Diversos íons metálicos e complexos diversos também atuam como ácidos e bases nas reações orgânicas. Desse ponto de vista, eles são classificados como ácidos/bases duros e ácidos/bases moles, e são a base de mecanismo dos catalisadores usados na Orgânica.

(2) OBSERVAÇÃO 4: Entre as 600 variedades, existem algumas que possuem outras cores, como amarelo e laranja, as quais não dependem do pH ou disponibilidade de alumínio do solo.

Um exceção à regra: hortênsia amarela

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. http://www.usna.usda.gov/Gardens/faqs/hydrangeafaq2.html
  2. https://www.ndsu.edu/pubweb/chiwonlee/plsc211/student%20papers/articles09/haylee%20a%20wax/pH%20affects%20on%20hydrangea%20-hw.html
  3. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12668772
  4. http://www.tnstate.edu/faculty/ablalock/documents/Hydrangea.pdf