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Qual é a relação entre acidez do solo, alumínio e cor das hortênsias?


- Atualizado no dia 3 de dezembro de 2024 -

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        Quem lida com agricultura ou jardinagem sabe muito bem que o pH do solo é um dos principais fatores que influenciam no crescimento das plantas. Parte da capacidade das plantas em absorver nutrientes vai variar com o nível desse pH, sendo importante monitorá-lo e manipulá-lo para melhorar a saúde das plantações. E, no caso das hortênsias, o pH não apenas afeta a saúde da planta como também é um dos fatores ambientais que determinam a cor das suas flores.

       O pH é uma medida química de acidez. Ele é medido em uma escala que vai de 0 a 14, onde quanto mais próximo do 0, mais ácido estará o meio. Antes de 7, dizemos que o meio está ácido. Depois de 7, dizemos que está básico. E, em 7, consideramos neutro. Tradicionalmente (1), o termo ácido é usado para indicar a quantidade de prótons (cátions do hidrogênio, H+) disponíveis no sistema analisado. Esses prótons se originam de substâncias ácidas, como ácido sulfúrico, ácido clorídrico, ácido acético, etc. Quanto menos ácido for o meio, menos prótons estarão disponíveis, aumentando a quantidade de hidroxilas (OH-), que reagem com os prótons, neutralizando-os para a formação de água (H2O). No valor neutro, a quantidade de prótons e hidroxilas se tornam iguais. Depois de 7, as hidroxilas passam a dominar o meio. As substâncias doadoras de hidroxila são chamadas de bases. Todas essas reações química descritas ocorrem constantemente nos solos. Mas o que isso tudo tem a ver com as cores da hortênsia?

Figura 1. Escala do pH e o seu oposto, o pOH (usado para medir a concentração de hidroxilas do meio aquoso)

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        Originárias da China e do Japão e pertencente à família  Saxifragaceae, existem mais de 500 cultivares e variedades reconhecidas de hortênsias (espécie Hydrangea macrophylla). Essas plantas florescem durante os meses que vão de fevereiro a outubro, e crescem em climas temperado e subtropical. A beleza e a a diversidade de cores da hortênsia chamam a atenção do público e também da comunidade científica. Nesse ponto, existem dois importantes esclarecimentos sobre  hortênsia: 

- as cores diversas (rosa, azul, roxo) não vêm das flores e, sim, de folhas modificadas (sépalas); as reais flores (inflorescência) ficam no meio do cálice (conjunto de sépalas), e são, normalmente, brancas;

- a cor das sépalas variam do branco ao roxo, com predomínio do rosa e azul, e são determinadas, principalmente, pela acidez do solo (2) em vários cultivares.

           O cultivo de variedades azuis de hortênsia pode ser alcançado ao alterar condições externas; especificamente, mudar o pH ou adicionar alumínio (íon Al3+) exógeno podem facilmente mudar a cor de um número de variedades dessa planta. Essa mudança de cor é afetada principalmente pelo quantidade de (Al3+) nas sépalas - formando complexos com o pigmento antocianina - e de ácidos 5-O-acilquinícos como aparentes estabilizadores ou complexantes. Estresse com íons Al3+ parece também mudar a expressão de genes relacionados à cor das sépalas, incluindo aqueles envolvidos com a biossíntese de antocianinas (Ref.6). Todas as variedades de hortênsia tendem a ficar com o cálice azulado em solos ácidos ricos em (Al3+). Em solos neutros ou alcalino, a hortênsia é tipicamente rosa-vermelha, devido à tendência do Al3+ precipitar sob a forma de Al(OH)3 (hidróxido de alumínio), tornando esse íon menos biodisponível para a planta.


Figura 2. À esquerda, uma hortênsia típica de solos ácidos; no meio, as folhas modificadas em início de amadurecimento e coloração ao redor das reais flores; à direita, uma hortênsia típica de solos básicos. Dependendo da variedade de hortênsia, quanto maior a concentração de Al3+ na segunda camada das sépalas, a coloração tende a ser azulada - caso existe alta concentração de ácidos neoclorogênico e 5-O-p-coumaroíla quínico. Para mudar as sépalas de rosa para azul, é necessário uma concentração mínima de 40 μg Al/g de sépala fresca. Um solo ácido torna esse íon solúvel, permitindo sua absorção pelas raízes e transporte até as sépalas. Sulfato de alumínio é comumente adicionado em solo ácido no sentido de mudar a cor da hortênsia para azul. No entanto, a mudança de cor das sépalas não é imediata, frequentemente levando um ano ou mais para se tornar permanente. Ref.5

Figura 3Variedades azul (A, cultivar Narumi) e rosa (B, cultivar Kasterin) de hortênsias. (C) Mistura de protoplasto das sépalas azuis. (D) Mistura de protoplasto das sépalas rosas. Cor roxa tende a aparecer quando a concentração de Al3+ é intermediária entre os dois extremos de cor. Barra de escala = 50. Ref.7-8
 
Figura 4. O cátion flavílio da antocianina delfinidina-3-glicosídeo forma um complexo azul com o alumínio Al3+ - associado em especial à emergência do ânion da base quinoidal azul da delfinidina (A). Esse complexo é tradicionalmente proposto como responsável pela cor azul nas sépalas da hortênsia. Mas evidência mais recente também sugere o envolvimento de complexos contendo ácidos 5-O-acilquinícos (B). A capacidade das sépalas de ficarem azuladas está positivamente correlacionada com a proporção de delfinidina-3-glicosídeo entre as antocianinas: quanto maior, maior a capacidade de azular. Ref.9-10

Figura 5. Inflorescências com sépalas inicialmente rosas do cultivar Blauer Zwerg mergulhado em água (à esquerda), em solução aquosa com 0,01 M de citrato de alumínio em pH = 6 (centro), e em solução aquosa com 0,05 M de citrato de alumínio em pH = 6 (à direita) por dois dias. Ref.7

          Portanto, de modo geral, se o solo é ácido a hortênsia varia no azul. Se o solo é básico, a hortênsia varia no rosa. Com essa informação em mãos, é possível, então, modificar a cor das suas hortênsias da forma que você quiser! Existem dois modos práticos para esse fim: 

- Controle do pH através da adição de matéria orgânica no solo ou adicionando, por exemplo, sais alcalinos. Com a adição de matéria orgânica (folhas, cascas de árvores, turfa, musgo, pó de serra, e outros compostos vegetais) ocorre decomposição dela por bactérias do solo, as quais produzem, como subproduto, ácidos orgânicos e inorgânicos. Mais ácido, mais azul. Já os sais básicos, como o óxido de cálcio (cal virgem) e hidróxido de cálcio (cal extinta), fornecem hidroxilas para o solo, tornando-o mais básico. Mais básico, mais rosa. Existem também adubos especialmente preparados para deixar o solo no pH desejado.

- Aumentar a biodisponibilidade de alumínio no solo. Quanto mais alumínio, maior a absorção desse metal e quanto menos, menor a sua absorção. Isso é obtido com a adição direta de compostos de alumínio (algo que também aumenta o pH do solo), como o sulfato de alumínio, ou pela adição de adubos que contenham agentes que diminuam a absorção do alumínio naturalmente presente no solo, como a adição de adubos com alta quantidade de fósforo, que limita a absorção de Al3+. Mas é preciso prestar sempre atenção no pH do solo, pois ele ainda irá influenciar de forma crítica, independentemente da quantidade de alumínio no solo.

Figura 6. Variando a biodisponibilidade de alumínio, ou pH, no solo, as hortênsias adquirem uma ampla gama de cores.

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         Brincando com o pH da terra onde sua hortênsia está plantada, é possível obter sépalas de diferentes cores, até mesmo composições multicoloridas (Fig.7). Mas se você quiser variar as cores em diferentes épocas de uma única planta, é preciso podar quase todas as suas folhas para cada coloração desejada, ação que diminui drasticamente o alumínio acumulado em sua estrutura. Seria quase como um reboot vegetal.

Figura 7. É possível até obter hortênsias multicoloridas

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Informações complementares:

- Os ácidos 'clássicos' são moléculas ou sais que, quando dissolvidas em água, liberam H+. As bases são sais que, dissolvidos em água, fornecem hidroxilas. Aliás, a biodisponibilidade de alumínio é influenciada pelo pH porque quanto mais hidroxilas no solo, menos complexos solúveis do íon desse metal e mais sais sólidos (hidróxido de alumínio) são formados, com estes últimos não conseguindo entrar pelas raízes das hortênsias por não se dissolverem em água. Os íons de alumínio que conseguem entrar na planta modificam a estrutura dos pigmentos rosas, transformando-os em pigmentos azuis.

Figura 8. Um exemplo de molécula ácida; nesse caso, uma molécula de ácido acético, quando misturada com água, doa seu átomo de hidrogênio na forma de íon para as moléculas de água, formado hidrônios

- Dependo da força de acidez ou basicidade do meio, os valores podem ultrapassar o intervalo de 0 a 14 na escala de pH. As substâncias denominadas 'superácidos' conseguem marcar números bem negativos. A medição de pH é feita através de indicadores químicos ou montagens eletroquímicas, denominadas pHmetro.

Figura 9. À direita, um pHmetro; à esquerda, uma fita de pH composta de um material que muda de cor de acordo com o nível de acidez do sistema a ser medido (no caso dessa fita, ela consegue medir de 1 a11 na escala)

(1) Em química orgânica, a definição de ácidos e bases vai muito além de 'doadores' de prótons ou hidroxilas. Diversos íons metálicos e complexos diversos também atuam como ácidos e bases nas reações orgânicas. Desse ponto de vista, eles são classificados como ácidos/bases duros e ácidos/bases moles, e são a base de mecanismo dos catalisadores usados na Orgânica.

(2) Entre as >500 variedades, existem algumas hortênsias que possuem outras cores, como amarelo e laranja, as quais não dependem do pH ou disponibilidade de alumínio do solo.

Figura 10. Uma das exceções à regra: hortênsia amarela


REFERÊNCIAS
  1. http://www.usna.usda.gov/Gardens/faqs/hydrangeafaq2.html
  2. https://www.ndsu.edu/pubweb/chiwonlee/plsc211/student%20papers/articles09/haylee%20a%20wax/pH%20affects%20on%20hydrangea%20-hw.html
  3. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12668772
  4. http://www.tnstate.edu/faculty/ablalock/documents/Hydrangea.pdf
  5. Schreiber et al. (2011). Role of aluminum in red-to-blue color changes in Hydrangea macrophylla sepals. Biometals 24, 1005–1015. https://doi.org/10.1007/s10534-011-9458-x 
  6. Chen et al. (2022). Integrative Transcriptomics and Proteomics Elucidate the Regulatory Mechanism of Hydrangea macrophylla Flower-Color Changes Induced by Exogenous Aluminum. Agronomy, 12(4), 969. https://doi.org/10.3390/agronomy12040969
  7. Ito et al. (2009). Chemical Studies on Different Color Development in Blue- and Red-Colored Sepal Cells ofHydrangea macrophylla. Bioscience, Biotechnology, and Biochemistry, 73(5), 1054–1059. https://doi.org/10.1271/bbb.80831
  8. Peng et al. (2021). Exploring the Molecular Mechanism of Blue Flower Color Formation in Hydrangea macrophylla cv. “Forever Summer”. Frontiers in Plant Science, Volume 12. https://doi.org/10.3389/fpls.2021.585665
  9. Yuan et al. (2023). Role of delphinidin-3-glucoside in the sepal blue color change among Hydrangea macrophylla cultivars. Scientia Horticulturae, Volume 313, 111902. https://doi.org/10.1016/j.scienta.2023.111902
  10. Ito et al. (2019). Direct mapping of hydrangea blue-complex in sepal tissues of Hydrangea macrophylla. Scientific Reports 9, 5450. https://doi.org/10.1038/s41598-019-41968-7