O que são as Síndromes de Ehlers-Danlos?
As síndromes de Ehlers-Danlos (SED) são desordens hereditárias que afetam o tecido conectivo e estruturas de colágeno no corpo. Essas síndromes são caracterizadas por hipermobilidade das articulações (!), hiperextensibilidade da pele e fragilidade de tecidos (ex.: vasculatura). Existem atualmente 13 subtipos reconhecidos de SED, com o subtipo hipermóvel sendo o mais comum e provavelmente representando mais de 90% dos casos (Ref.2). Essas síndromes causam sintomas patológicos diversos - como hemorragias, disfagia, disfonia e refluxo ácido - que podem ser facilmente confundidos com outras condições.
Até 50% dos pacientes com síndrome de Ehlers-Danlos conseguem tocar a ponta do nariz com a língua (sinal de Gorlin) e não parece ser incomum a ausência do frênulo lingual nos pacientes (Ref.5). Para comparação, o "sinal de Gorlin" está presente naturalmente em 8 a 10% da população em geral (Ref.6-7). Mas é incerto se a ausência do frênulo lingual (Fig.3) contribui para presença do sinal de Gorlin. Por exemplo, algumas pessoas com língua hipermóvel idiopática - capazes de tocar o nariz com a língua - possuem um frênulo lingual normal mas esticável (Ref.8). Ausência do frênulo labial inferior parece ser também uma ocorrência comum nos pacientes (Ref.5).
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> Síndromes de Ehlers-Danlos são historicamente reportadas de afetar 1 em cada 5 mil pessoas, mas essa estimativa provavelmente está subestimando a real prevalência. Ref.10
> Pessoas com síndromes de Ehlers-Danlos são predispostas a ter dificuldade em engolir alimentos e bebidas (disfagia) e podem engasgar com maior facilidade devido a anomalias anatômicas ou disfunções na nasofaringe, cavidade oral e articulação temporomandibular. Nesse mesmo sentido, os pacientes são também mais suscetíveis a problemas vocais (ex.: fatiga vocal, com perda frequente de voz). Ref.11
> Crianças afetadas por essas síndromes apresentam maior risco de desenvolver perda auditiva, rinite alérgica, sinusite aguda e apneia obstrutiva do sono, possivelmente devido a disfunções imunológicas. Manifestação precoce de periodontite é também observada em uma variedade de pacientes. Defeitos estruturais no colágeno ou proteínas associadas ao colágeno - e ligadas ao sistema imune inato - podem aumentar a suscetibilidade de degradação por patógenos bacterianos. Ref.6, 12
> Pacientes com SED também parecem ter um risco aumentado para problemas oftalmológicos, incluindo miopia. Ref.13
> O nome e o reconhecimento dessas síndromes são atribuídos a Edward Ehlers, um dermatologista dinamarquês, e a Henry Alexander Danlos, um dermatologista francês, que relataram casos em 1901 e 1908, respectivamente.
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O colágeno é a proteína mais abundante em mamíferos e é secretado principalmente pelas células do tecido conjuntivo. Cerca de 20 formas identificáveis de colágeno têm sido descritas, sendo os tipos I, II, III, V e XI presentes nos tecidos conjuntivos. Os colágenos constituem a maior parte da matriz extracelular nas estruturas orofaciais (esqueleto craniofacial e osso alveolar, articulações temporomandibulares, dentes e tecidos moles orais). Nesse sentido, alterações na estrutura molecular de diferentes tipos de colágeno, causadas por mutações nos genes responsáveis, resultam em propriedades mecânicas alteradas dos tecidos conjuntivos e fenótipo anormal, dependendo da natureza da proteína afetada.
De fato, a maioria dos subtipos de SED é causada por mutações em genes que codificam os colágenos tipo I, III e V e enzimas envolvidas em modificações desses colágenos no corpo. E três padrões de herança são ligados a vários desses subtipos: dominante autossômico, recessivo autossômico e herança ligada ao cromossomo X (forma mais rara). Pacientes com SED estão, por exemplo, associados com fibrilas de colágeno enfraquecidas (Ref.14).
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> Existem hoje estabelecidos 13 subtipos de SED, causados por mutações em 20 genes que alteram a biossíntese, organização e/ou agrupamento supramolecular de fibrilas de colágeno na matriz extracelular. Ref.15
> O subtipo vascular responde por menos de 5% dos casos e está associado com mutações no gene COL3A1, responsável pela síntese da cadeia alfa 1 do colágeno III. Esse colágeno constitui o tecido conectivo encontrado dentro de todos os órgãos, fornecendo força tênsil para órgãos que precisam resistir a contínuas dilatações causadas por flutuações na pressão, como vasos sanguíneos. Portanto, o subtipo vascular tipicamente é caracterizado por rápido e progressivo desenvolvimento de aneurismas arteriais (Fig.3), ruptura ou dissecação arterial, perfuração intestinal e fragilidade uterina. Ainda sem tratamento, expectativa de vida para pacientes é de 48 a 50 anos. Ref.16-18
> Pacientes do sexo feminino com o subtipo vascular são geralmente desencorajadas a engravidar, devido ao risco elevado de várias complicações graves durante a gestação e o parto, incluindo intensa hemorragia pós-parto, insuficiência cervical e ruptura prematura de membranas. Porém, evidência retrospectiva recente sugere que a gravidez pode ocorrer sem maiores problemas em grande parte das mulheres afetadas e que recomendações nesse sentido precisam considerar análises médica e genética de cada caso (Ref.19).
> O tempo médio para o diagnóstico de síndromes de Ehlers-Danlos nos pacientes afetados é de 10-12 anos. Ref.20
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Os dois subtipos mais prevalentes de SED são a SED clássica (SEDc) e a SED hipermóvel (SEDh).
O subtipo clássico é uma doença autossômica dominante do tecido conjuntivo caracterizada por hiperextensibilidade da pele, cicatrização anormal de feridas e hipermobilidade articular. As manifestações cutâneas na SEDc podem incluir suscetibilidade a hematomas, cicatrizes atróficas e fragilidade de tecidos, enquanto a hipermobilidade articular pode levar a luxações ou subluxações recorrentes.
Mutações nos genes COL5a1 ou COL5a2, responsáveis pela codificação do colágeno tipo V, são observadas em mais de 90% dos casos de SEDc. O colágeno tipo V é um componente crucial da nucleação da fibrilogênese dos colágenos tipo I e III. Em casos raros, mutações no gene COL1A1, responsável pela codificação do colágeno tipo I, também são identificadas.
Curiosamente, o subtipo hipermóvel - de longe o mais prevalente - possui etiologia genética elusiva. Pacientes com SEDh frequentemente apresentam dor musculoesquelética generalizada (até 86-98% dos casos), disfunção autonômica, dismotilidade gastrointestinal e desregulação imunológica sistêmica (Ref.21), sugerindo uma etiologia multifatorial que vai além de anormalidades estruturais do tecido conjuntivo, ou seja, além de defeitos em colágenos. Com muitos sintomas similares ao Espectro de Desordem de Hipermobilidade (Ref.22), a SEDh é geralmente considerada a variação menos grave entre as síndromes, mas pode levar a complicações musculoesqueléticas significativas resultantes da hipermobilidade, disfunção da imunidade inata e da instabilidade articular, juntamente com outras comorbidades.
Um estudo publicado recentemente no periódico iScience (Ref.23) identificou mutações no gene KLK15 que parecem estar envolvidas com a manifestação da SEDh, apontando uma patogênese que inclui desregulação imune e proteolítica. Esse gene é responsável pela síntese de uma enzima protease, a qual é expressa em tecidos imunes e interage com componentes da matriz extracelular.
As desordens genéticas da SED são consideradas raras e aproximadamente 1,5 milhão de pessoas ao redor do mundo possuem um diagnóstico genético. No entanto, é estimado que 255 milhões de pessoas exibem características clínicas do subtipo hipermóvel, as quais não têm sido diagnosticadas devido à ausência de mutações genéticas identificáveis associadas à condição (Ref.24). Prevalência da síndrome em geral pode ser tão alta quanto 1 em cada 500 indivíduos. Aliás, um estudo publicado em 2024 no periódico European Journal of Human Genetics (Ref.25) descreveu uma nova forma de SED associada a uma mutação heterozigótica no gene THBS2 e que mistura elementos dos subtipos clássico e vascular (Fig.5). Isso sugere que até a quantidade de subtipos dessas síndromes está sendo subestimada.
(!) IMPORTANTE: Válido realçar que nem toda hipermobilidade articular é um sintoma patológico, assim como muitas pessoas sem anomalias genéticas patogênicas são capazes de tocar a ponta do nariz com a língua. Além disso, existem formas de hipermobilidade adquirida que podem estar presentes em bailarinos, ginastas, lutadores e outros atletas, onde a hipermobilidade é treinada e não indica necessariamente uma doença do tecido conjuntivo.
REFERÊNCIAS
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- Williams et al. (2023). Self-reported throat symptoms in Ehlers–Danlos syndromes and hypermobility spectrum disorders: A cross-sectional survey study. Laryngoscope Investigative Otolaryngology, Volume 8, Issue 5, Pages 1259-1264. https://doi.org/10.1002/lio2.1120
- Tulika & Kiran (2015). Ehlers-Danlos syndrome. Journal of Dental Research, 2:42-6.
- Hamonet et al. (2021). Ehlers-Danlos Syndrome (EDS) : A Common and often Disregarded Cause of Serious Gastrointestinal Complications in Children and Adults. Medical Research Archives Vol. 9, Issue 8.
- Mitakides & Tinkle (2017). Oral and mandibular manifestations in the Ehlers–Danlos syndromes. American Journal of Medical Genetics, Volume 175, Issue 1. https://doi.org/10.1002/ajmg.c.31541
- Kassam, K. (2014). Gorlin’s sign. BMJ, 348. https://doi.org/10.1136/bmj.g1786
- Sartori-Valinotti & Hand (2019). Oral Signs of Genetic Disease. In: Fazel, N. (eds) Oral Signs of Systemic Disease. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-030-10863-2_11
- Surendran et al. (2012). Hypermobile tongue. British Dental Journal 212, 55–56. https://doi.org/10.1038/sj.bdj.2012.54
- https://my.clevelandclinic.org/health/body/frenum-mouth-frenulum
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- Birchall et al. (2021). Throat and voice problems in Ehlers–Danlos syndromes and hypermobility spectrum disorders. American Journal of Medical Genetics, 187C:527–532. https://doi.org/10.1002/ajmg.c.31956
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