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"Elefantes marinhos": Moluscos gelatinosos, transparentes e com tromba

Figura 1. Molusco da espécie Pterotrachea coronata. (Fotos: @turisaitama/X)

 
          Em habitats marinhos epipelágicos - zona superficial do oceano até uma profundidade de 200 metros -, onde a maior parte da luz visível existe, vários predadores (ex.: peixes) dependem da visão para a caça. Para evitar detecção por predadores e presas, várias estratégias são utilizadas por organismos para esconder seus corpos. Alguns macroplânctons, como água-vivas e salpas (tunicados da família Salpidae), frequentemente exibem corpos transparentes e gelatinosos como estratégia de defesa. Além disso, alguns desses animais possuem nanoestruturas na superfície corporal que potencialmente reduzem a reflexão da luz sobre o corpo transparente.

          Porém, como corpos transparentes transmitem não apenas luz visível, mas também a perigosa radiação ultravioleta (UV), existe um balanço entre benefícios e prejuízos para esse fenótipo. Somando-se a isso, é difícil tornar alguns órgãos transparentes, mesmo em representantes do zooplâncton. Por exemplo, o revestimento e os conteúdos estomacais são geralmente opacos (amarronzados ou às vezes azulados) e frequentemente conspícuos em um background iluminado no caso de salpas. Esses órgãos opacos são geralmente menores comparados com o corpo inteiro, e essa redução de tamanho da massa opaca em animais transparentes pode reduzir o risco de detecção por predadores e/ou presas com um sistema visual.

           Por fim, superfícies espelhadas são outra estratégia para esconder órgãos ou corpos opacos: à medida que o campo de luz sob a água é aproximadamente homogêneo ao eixo vertical, a intensidade de luz refletida por um espelho vertical não é muito diferente da intensidade por trás do espelho. De fato, reflexão de luz sobre uma superfície espelhada esconde tecido abaixo do espelho.

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            Reunindo todas essas características de camuflagem, temos espécies do gênero Pterotrachea, este o qual pertence à superfamília de moluscos gastrópodes Pterotracheoidea. Esses moluscos são carnívoros e flutuam ou nadam lentamente ao mover a nadadeira no mar aberto. Seus corpos são tão transparentes que animais predados no trato alimentar podem ser facilmente identificados fora do corpo, em especial porque são engolidos inteiros sem mastigação. A mais conhecida e descrita espécie desse gênero é a Pterotrachea coronata (Fig.1-2), distribuída principalmente nas camadas epipelágicas das águas tropicais e subtropicais.

Figura 2. Espécime vivo de Pterotrachea coronata. (A) Corpo inteiro com uma escala (= 1 mm). (B) Visão ampliada do núcleo visceral (vn); an = ânus; at = trato alimentar; e = olhos; mo = boca; ta = cauda; vf = nadadeira ventral (Barra de escala = 1 mm).  Lenta digestão e longo intestino parecem ser uma adaptação dessa espécie permitindo maior chance de sobrevivência no ambiente marinho epipelágico. Ref.3-4

          

           Assim como outras espécies do gênero, o P. coronata possui um núcleo visceral excepcionalmente opaco (Fig.2). Esse órgão possui o formato de um cone e está localizado na porção final do trato alimentar; células de glândulas digestivas marrom-avermelhadas cercam esse trato, e o ânus abre no ápice do cone. O P. coronata geralmente nada com o lado ventral virado para cima, com o núcleo visceral mantido na vertical. Isso reduz a visibilidade do órgão quando visto por presas ou predadores olhando de cima ou de baixo. Além disso, a notável superfície com cor prateada-metálica do núcleo visceral funciona também como um efetivo espelho de alto índice refrativo, reduzindo sua visibilidade na superfície oceânica (Ref.4).


REFERÊNCIAS

  1. https://www.noaa.gov/jetstream/ocean/layers-of-ocean
  2. https://bioone.org/journals/american-malacological-bulletin/volume-38/issue-2/006.038.0201/Species-Abundance-Spatial-and-Vertical-Distributions-and-Eye-Size-Trends/10.4003/006.038.0201.short
  3. https://www.jstage.jst.go.jp/article/pbr/18/4/18_P180402/_article/-char/ja/
  4. Sakai et al. (2022). Stack of cellular lamellae forms a silvered cortex to conceal the opaque organ in a transparent gastropod in epipelagic habitat. PeerJ. https://doi.org/10.7717/peerj.14284