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Físicos estão construindo um laser capaz de rasgar até mesmo o espaço vazio


- Atualizado no dia 29 de dezembro de 2023 -

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            Em um laboratório em Shangai, China, o Físico Ruxin Li e colaboradores estão quebrando recordes com um recente novo sistema de laser, o Shangai Superintense Ultrafast Laser Facility (SULF) - "Instalação de Laser Super-intenso e Ultrarrápido de Shangai" -, o qual é composto de um único cilindro de safira dopada com titânio com uma diâmetro em torno de 25 cm. Após o excitamento do cristal dopado e produção de intensa luz, esta é direcionada para um sistema de lentes e espelhos, resultando em um laser com uma potência que alcança os 5,3 milhões de bilhões de Watts (petawatts, PW)! Isso foi em 2016, mas apesar do poder estrondoso desse laser, este é muitíssimo breve, durando menos do que um trilionésimo de segundo. Independentemente disso, os cientistas chineses querem agora bater o último recorde, liberando um tiro de laser de 10 PW! E isso não acaba aí. Eles planejam também construir futuramente um laser disparando 100 PW! E esse tiro pode fazer um estrago até no próprio vácuo!

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    O QUE É UM LASER?

          A palavra 'laser' é uma abreviatura para o termo 'Light Amplification by the Stimulated Emission of Radiation' - "Amplificação da luz pela Emissão Estimulada de Radiação". Inventado na década de 1960, um laser é um dispositivo no qual uma coleção de átomos ou moléculas, um semicondutor, ou outro sistema quântico, é segurado entre espelhos e energizado, com o intuito de excitar algo no sistema, como um elétron. Quando os elétrons, por exemplo, estão excitados, eles tendem a retornar para seu estado inicial de mais baixa energia. Quando o fazem, geralmente liberam o excesso de energia na forma de fótons - as partículas que constituem as radiações no espectro eletromagnético, como a luz visível.

          Em uma situação normal, esses fótons seriam emitidos em direções aleatórias, mas em um laser alguns dos fótons interagem com os outros elétrons excitados e os estimulam a perder energia e liberar ainda mais fótons na mesma direção dos fótons originais. A luz gerada ali dentro vai aumentando de intensidade em uma efeito cascata à medida que os fótons vão sendo refletidos pelos espelhos na cavidade onde estão sendo produzidos Se essa amplificação, ou ganho, ultrapassa a perda de luz quando os fótons são absorvidos por elétrons não excitados ou vazam para outros lugares,  uma porção dessa quantidade extra de fótons acumulados pode ser canalizada para fora do sistema de espelhos para fazer um fluxo de fótons chamado de 'feixe de laser'. A maioria dos lasers produzem luz visível de uma específica cor (uma única frequência) ou uma estreita faixa de cores similares. Podem também englobar outras faixas do espectro eletromagnético, como a radiação ultra-violeta (UV).



          Os lasers possuem uma propriedade chamada de 'coerência', significando que os picos e direção das ondas de luz estão emparelhados e viajando juntas como soldados em marcha. Por causa dessa coerência, a luz do laser pode ser focada em pontos muito pequenos ou colimadas em um feixe que se espalha muito pouco à medida que viaja longas distâncias, como da Terra à Lua (aliás, é assim que os astronautas sabem a distância exata do nosso planeta até o nosso satélite natural, medindo o tempo que o laser leva para chegar lá, ser refletido e voltar). Hoje, os lasers são usadas em uma ampla variedade de tecnologias e pesquisas, desde o funcionamento do seu aparelho de DVD/Blu-ray até para 'paralisar' átomos e íons com o intuito de resfriá-los até muito próximo do zero absoluto de temperatura. Servem até mesmo para serem usados como instrumentos precisos de corte para diamantes e grossos metais.

          Como potência (Watts) equivale à energia dividida (Joules) pelo tempo, existem dois modos básicos de maximizar um laser: ou aumentando a energia do sistema ou encurtando a duração dos pulsos de luz liberados. Usando ambos os parâmetros, pode-se construir lasers muito poderosos, especialmente quando no ano de 1983 cientistas descobriram que um curto pulso de laser poderia ser esticado em duração - portanto, tornando-o menos intenso - por uma rede de difração que espalha o pulso em suas cores constituintes, e após serem seguramente amplificadas - sem destruir o amplificador - para maiores energias, a luz pode então ser recompressada com uma segunda rede de difração, resultando em um pulso muito mais poderoso e que não danifica o sistema produzindo-o.

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   SUPER-LASERS

          Este ano, Li e seus colegas pretendem começar a construir um laser de inacreditáveis 100 PW - equivalendo ao poder de toda a rede elétrica hoje do mundo multiplicado por mais de 1000! - conhecido como Station of Extreme Light (SEL) - "Estação da Luz extrema". Até 2023, os pulsos desse poderoso laser podem estar sendo lançados em uma câmara de 20 metros no subsolo, submetendo os alvos a extremas pressões e temperaturas não encontradas hoje na Terra, sendo algo que interessa muito aos astrofísicos e cientistas de materiais (como a matéria se comporta nesses extremos?).


          Para alcançar tal feixe, os cientistas na China estão utilizando lasers com pulsos de curtíssima duração e a amplificação do feixe de fótons a partir de cristais de safira dopados com titânio, os quais produzem luz com uma faixa larga de frequências. Em uma câmara espelhada, esses pulos gerados podem ser cancelados e reforçados de forma a gerar um fluxo de fótons com apenas algumas dezenas de femtosegundos. E quando esses pulsos são alimentados com algumas centenas de joules de energia, você consegue retirar dali valores de 10 PW de potência. Porém, para alcançar os almejados 100 PW ou mais, isso não será suficiente, porque aumentar a alimentação energética do pulso de algumas centenas de joules para alguns milhares de joules não é algo suportado pelo sistema.

         Uma estratégia encontrada é tentar juntar vários pulsos menores, de 30 PW ou 15 PW em sistemas de amplificadores especiais, gerando um poderoso pulso combinado. Mas como precisamente sobrepor esses pulsos não é uma tarefa nada fácil. Quaisquer variações de temperatura ou vibrações no sistema pode impedir a combinação dos pulsos de laser, considerando suas curtíssimas durações.

          Mas após resolvido esse problema, outro surge: como fazer esse poderoso feixe de laser convergir no menor foco possível? Muitos cientistas se importam mais em ternos de intensidade - a energia por unidade de área - do que o número total de petawatts. Se um pulso de 100 PW puder ser focado em um ponto medindo apenas 3 micrômetros de diâmetro - como Li planeja fazer com o SEL - a intensidade daquela minúscula área será de surpreendentes 1024 Watts por centímetro quadrado (W/cm2) - cerca de 25 ordens de magnitude maior ou 10 trilhões de trilhões de vezes mais intenso do que a luz solar atingindo a superfície da Terra!

          Nesse sentido, os chineses não estão sozinhos nessa disputa. Outros países também estão em uma corrida para a construção do mais poderoso laser nos próximos anos. Na Rússia, os cientistas já possuem um projeto para a construção de um laser de incríveis 180 PW conhecido como Exawatt Center for Extreme Light Studies (XCELS), enquanto os cientistas Japoneses já colocaram em movimento propostas de laser inicialmente com 30 PW. Nos EUA, existem planos para a construção de um laser de 75 PW, o Optical Parametric Amplifier Line (OPAL).


 
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   RASGANDO O VÁCUO

          Com o desenvolvimento desses poderosos lasers, podemos ser capazes de literalmente rasgar o vácuo e também demonstrar um novo modo de acelerar partículas. Eletrodinâmica quântica é uma das mais bem testadas teorias em Física, e uma das suas primeiras predições é a presença de pares partículas-antipartículas que flutuam para dentro e para fora de existência no vácuo quântico. Com poderosos lasers, o mais esperado é a possibilidade de poder arrancar elétrons e suas anti-partículas associadas (pósitrons) do espaço vazio (vácuo) antes que elas colidam novamente. Por serem compostos de fótons, os quais são partículas-ondas eletromagnéticas, o feixe de laser gera um campo elétrico variante no espaço.

          À medida que a intensidade do laser aumenta, o campo elétrico associado também aumenta. Com uma intensidade de 1024 W/cm2, esse campo pode ficar forte o suficiente para começar a quebrar a atração mútua entre os pares de elétrons-pósitrons. O campo do laser, então, agitaria fortemente essas partículas, fazendo-as emitirem ondas eletromagnéticas - neste caso, raios gama (a faixa de maior frequência no espectro eletromagnético). Os raios gama, por sua vez, gerariam novos pares elétrons-pósitrons e assim por diante, culminando em uma avalanche de partículas e radiações que podem ser finalmente detectadas.




         Essa arrancada forçada de partículas virtuais do vácuo teria implicações importantes em várias áreas da Física Quântica e Relativística. Um exemplo é conseguir provar de uma forma diferente a famosa equação de Einstein E=mc2, ou seja, que massa e energia são equivalentes (um subproduto da Relatividade). Apesar das armas e usinas nucleares já provarem que isso é verdade (1), esses processos provam a equação do jeito mais fácil, ao mostrar massa se convertendo em energia. Porém, mostrar energia pura e não associada se convertendo em massa é algo mais complicado. Se esse experimento for um sucesso, significará que é, de fato, possível tirar algo do 'nada'.

        Na prática, uma forma de usar a extrema energia dos lasers para quebrar o vácuo seria focar um único feixe de laser em um espaço vazio dentro de uma câmara de vácuo. Outra forma mais fácil disso ser feito é colidindo dois feixes de laser, porque isso geraria momento (mv) suficiente para forçar a criação de massa de repouso dos elétrons e pósitrons.

          E, mais recentemente, os Físicos propuseram também que, além de pósitrons e elétrons, um tipo especial de radiação pode também ser arrancado do vácuo com o auxílio dos super-lasers.

       
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   RADIAÇÃO CHRENKOV

            Os cientistas sabem que um forte campo magnético pode polarizar as flutuações quânticas. Isso, por sua vez, pode mediar uma interação indireta entre um fóton emitido e esse campo, como se esse fótons se propagasse em um meio dielétrico. É também conhecido que uma partícula carregada se movendo através de um meio material pode emitir radiação Cherenkov. Esse efeito ocorre porque, em um meio com índice de refração n, a velocidade de fase da luz é reduzida (vp = c/n) - c a velocidade da luz no vácuo -, e, portanto, uma partícula viajando através desse meio com velocidade V > vp irá ultrapassar quaisquer ondas eletromagnéticas sendo emitidas por ela. Isso pode levar à emissão de radiação devido ao acúmulo de propagação de frentes-de-onda a partir da partícula, produzindo o tão bem conhecido "cone Cherenkov" de radiação por trás da partícula.


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> Descoberta em 1934, a radiação de Cherenkov é generalizada como uma partícula carregada ultrapassando a velocidade de fase da luz em um meio e emitindo um onda de choque eletromagnética (frequentemente observada como um brilho azul). Esse conceito geral requer que a velocidade da partícula alcance a velocidade de fase da luz ao longo da direção de propagação da partícula. O olho humano percebe a emissão radiativa mais no azul ou roxo porque a radiação de Cherenkov é mais intensa no espectro visível caracterizado por mais alta frequência e curto comprimento de onda. 

> Exemplo: a velocidade da luz é reduzida em 25% - em relação ao valor no vácuo - quando atravessa a água. Isso permite que partículas eletricamente carregadas e emitidas do combustível nuclear, como prótons e elétrons, se moverem mais rápido do que a luz na água de um reator nuclear. À medida que essas partículas carregadas perturbam moléculas de água no caminho, partículas de luz (fótons), são produzidas, criando uma "onda de choque" visível de luz azul ou violeta. É similar ao estrondo sônico quando objetos se movem mais rápido do que a velocidade do som na troposfera (!).


> Um estudo de 2018 mostrou que é possível acelerar elétrons com pulsos de laser ultrarrápidos que conseguem viajar mais rápido do que a luz em um pedaço de vidro, emitindo radiação de Cherenkov [espectro detectado de 300–700 nm) no processo. Ref.12

> Interessante também apontar que a radiação Cherenkov tem sido amplamente pesquisada para aplicações tecnológicas em múltiplos campos, desde microeletrônica até medicina (Ref.13-16). Aliás, essa radiação é comumente gerada durante radioterapia (Ref.16).
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          Como as flutuações no vácuo pode também reduzir a velocidade de fase da luz, o mesmo argumento implica que uma partícula de alta energia viajando através de fortes campo magnéticos deveriam emitir radiação Cherenkov, em adição à emissão de radiação síncrotron (1) causada pela aceleração no campo.


          Nesse sentido, Físicos em um estudo publicado recentemente no periódico Physical Review Letters (Ref.9) previram teoricamente que forçar a passagem de partículas carregadas - elétrons ou prótons - através de fortes pulsos de radiação eletromagnética - laser com potência em torno de ~1015 watts - seria capaz de produzir radiação Cherenkov do vácuo. Sob a influência de um forte campo eletromagnético, flutuações quânticas podem se tornar polarizadas, enchendo o vácuo com um índice refrativo anisotrópico e permitindo a possibilidade de radiação Cherenkov a partir do vácuo quântico.

          No entanto, as partículas carregadas se movimentando nesse sistema também produziriam muita radiação síncrotron, atrapalhando a observação da radiação Cherenkov. Segundo os autores do estudo, também seria possível ver a produção de radiação Cherenkov do vácuo quando prótons de alta energia passam através do intenso campo magnético de uma pulsar (estrela de nêutrons giratória), com a radiação  Cherenkov nesse caso sendo produzida em maior quantidade do que a radiação síncrotron, facilitando sua detecção. Aliás, observações astronômicas de sinais com excessos de fótons de alta energia podem ser oriundos desse fenômeno.

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   CONCLUSÃO

          Nessa disputa de quem faz o mais poderoso laser, quem sai ganhando é a ciência, especialmente no campo da Quântica e da Astronomia. E caso seja possível no futuro arrancar partículas e fótons do vácuo de forma controlada, isso pode revolucionar a tecnologia humana e aprofundar nosso conhecimento sobre os mistérios do Universo.


(1) Para conhecer mais o assunto, acesse: O que é uma Bomba de Hidrogênio?


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS 
  1. http://www.sciencemag.org/news/2018/01/physicists-are-planning-build-lasers-so-powerful-they-could-rip-apart-empty-space
  2. https://www.nist.gov/director/pao/what-laser
  3. https://spaceplace.nasa.gov/laser/en/
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25974538
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12779491
  6. http://www.sciencemag.org/news/2015/10/physicists-observe-weird-quantum-fluctuations-empty-space-maybe
  7. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5220366/
  8. https://www.astrosociety.org/publication/a-universe-from-nothing/
  9. https://arxiv.org/pdf/1810.05027.pdf
  10. https://journals.aps.org/prx/abstract/10.1103/PhysRevX.13.011002
  11. https://www.energy.gov/ne/articles/cherenkov-radiation-explained
  12. https://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.120.065001
  13. https://www.pnas.org/doi/abs/10.1073/pnas.2306601120
  14. https://www.nature.com/articles/s41467-023-37923-w
  15. Search for a new material for a medical Cherenkov radiation detector. DOI: https://doi.org/10.1016/j.nima.2023.169021
  16. https://www.futuremedicine.com/doi/abs/10.2217/fon-2022-0022