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Ventosaterapia possui eficácia comprovada?


- Atualizado no dia 13 de janeiro de 2024 -

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         Durante os jogos das Olimpíadas de 2016, algo bastante curioso foi notado em alguns atletas, incluindo o tão prestigiado Michael Phelps: manchas vermelhas circulares espalhadas pelo corpo. Essas manchas nada mais são do que o efeito colateral de um tratamento muito popular no Oriente e cada vez mais disseminado no Ocidente chamado de Ventosaterapia. Fazendo parte da medicina tradicional chinesa, esse tratamento está ganhando cada vez mais adeptos fora da Ásia, os quais buscam práticas médicas alternativas para o tratamento de diversas enfermidades, especialmente o controle de dores no corpo. Mas qual é o suporte científico relativo à efetividade dessa terapia tão peculiar?


Atletas Olímpicos após uso da ventosaterapia. Foto: Google Images

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           A ventosaterapia (Hijama, em Árabe) têm sido praticada por várias culturas desde a antiguidade: na China, registros mais antigos datam da Dinastia Han (206 a.C. até 220 d.C) e registros ainda mais antigos são encontrados no Antigo Egito, em torno de 3500 a.C (Ref.2, 26). A técnica original dessa terapia passou por diversas modificações ao longo da história, mas, basicamente, um objeto circular em forma de copo, feito de plástico, bambu ou vidro, tem o ar em seu interior aquecido com uma chama e é, então, colocado sobre a pele do paciente. Com o ar aquecido, o volume desse último aumenta e empurra grande parte dos gases anteriormente presentes ali para fora. Quando o copo com o ar aquecido, e agora com menos moléculas gasosas, é colocado sobre a pele e vai se esfriando, um vácuo parcial é criado ali dentro, e acaba puxando a superfície da pele para o seu interior, funcionando como uma ventosa. Essa sucção é comumente realizada de duas formas: seca ou molhada. Na sucção seca, o "copo-ventosa" apenas puxa a pele. Na molhada, antes de se colocar o copo, a superfície da pele é furada com agulhas, fazendo com que sangue seja drenado para fora durante a sucção. Em ambos os tipos, uma mancha vermelha acaba emergindo por causa da danificação de vasos e capilares sanguíneos (como se fosse um 'chupão'). 

Método tipicamente utilizado para a ventosaterapia, onde ar aquecido é usado para gerar pressão negativa. Mas é importante mencionar que existem vários tipos de ventosaterapia (seca, molhada, móvel, pulsátil, etc.); na China, existem 7 principais modalidades para a técnica. Geralmente os copos são feitos de vidro ou de plástico, mas materiais como bambu, cerâmica, metal e silicone também são usados. Fotos: Google Images


         O espectro de enfermidades alegadamente beneficiadas pela ventosaterapia é grande, e inclui amenização de dores crônicas, hipertensão, artrite reumatoide, problemas de circulação sanguínea, herpes-zórtes, celulite, fibromialgia, síndrome do túnel Carpal, obesidade,  diabetes, asma, entre outros. Porém, a realidade é que ainda não sabemos nem os mecanismos de ação dessa terapia no corpo humano. Segundo a tradição milenar, a ventosaterapia interfere com o Qi da pessoa, aquela energia meio espiritual que supostamente corre no nosso corpo. Claro que tal energia não faz sentido biológico, e, nesse sentido, diversos pesquisadores que advogam a favor da ventosaterapia tentam encontrar uma explicação científica para os resultados terapêuticos positivos associados à terapia. Entre as hipóteses mais debatidas, fatores como melhora na circulação sanguínea e liberação de sinalizadores na área sugada são os mais explorados (!).  

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(!)  Os mecanismos fisiológicos de ação da ventosaterapia permanecem obscuros. É proposto que a pressão negativa da ventosaterapia pode causar redistribuição de oxigênio no local do copo e nos tecidos vizinhos, induzindo efeito terapêutico ao aumentar o fluxo sanguíneo regional. O processo também pode induzir mudanças metabólicas, imunomodulação e neuromodulação. Para quem estiver interessado em mais informações sobre as hipóteses relativas aos possíveis mecanismos de ação da ventosaterapia, acesse os estudos de revisão indicados nas Ref.4 e Ref.5.
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Ventosaterapia molhada (à esquerda) e seca ( à direita). Fotos: Google Images


          Devido ao fato da ventosaterapia ser amplamente usada na cultura folclórica Chinesa, a técnica acabou sendo herdada pela medicina moderna da China. Na década de 1950, a eficácia clínica da ventosaterapia foi "confirmada" por autoridades de saúde na China em colaboração com acupunturistas da ex-União Soviética, sendo então estabelecida como uma prática terapêutica oficial em hospitais de todo o território Chinês.

          De qualquer forma, a real eficácia terapêutica da ventosaterapia é ainda incerta, e os estudos clínicos de boa qualidade são ainda escassos, particularmente aqueles de alta qualidade (duplo-cego, randomizados, placebo-controlados), e efeitos de longo prazo não são investigados. Além disso, muitos dos estudos clínicos - a maior parte de baixa-moderada qualidade - são publicados em periódicos voltados para medicinas alternativas (ou medicina tradicional Chinesa), conduzidos por instituições que promovem terapias alternativas, e com resultados clínicos negativos geralmente não-reportados. Revisões sistemáticas ou meta-análises tipicamente são inconclusivas e/ou pedem por estudos clínicos mais rigorosos, padronizados e de melhor qualidade.

          Uma notável revisão sistemática publicada em 2010 no periódico BMC Complementary Medicine and Therapies (Ref.17) - um periódico especializado em terapias alternativas e complementares -, analisando 550 estudos clínicos na China publicados entre 1959 e 2008, concluiu que as evidências acumuladas não eram suficientes para permitir recomendação de uso clínico da ventosaterapia para o tratamento de qualquer etiologia em pessoas de qualquer grupo de idade. Apesar de ter sido encontrado potencial terapêutico para condições como dor, herpes-zóster, tosse ou asma, entre outras, os autores da revisão consideraram os estudos clínicos, em geral, muito limitados, incluindo baixa qualidade metodológica e pequeno porte de participantes.

          Uma revisão sistemática publicada em 2018 no periódico The Journal of Alternative and Complementary Medicine (JACM) (Ref.14) - outro periódico especializado em terapias alternativas e complementares - analisou 11 estudos clínicos randomizados englobando quase 500 participantes (atletas amadores e profissionais). Os autores da revisão concluíram que as evidências eram insuficientes para emitir recomendações contra ou a favor da ventosaterapia visando performance esportiva, e que mais estudos clínicos de boa qualidade eram necessários para esclarecer a questão. No geral, eles encontraram parcialidade nos estudos e alto risco de viés.           

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          Assim como observado para outras medicinas alternativas como a acupuntura, a ventosaterapia parece ter eficácia na redução de dor crônica, como dor crônica na lombar (Ref.19), algo que não necessariamente possui relação com mecanismos terapêuticos específicos dessas técnicas, mas sim com efeitos resultantes da relação entre o praticante e o paciente - e o contexto do ambiente terapêutico - e o tão famoso efeito placebo (!). Aliás, é incerto se existe real diferença entre aplicar falsa (sham) ventosaterapia (placebo) ou real ventosaterapia para os efeitos clínicos positivos observados (Ref.20). Inclusive um recente estudo de revisão sistemática e meta-análise publicado em um periódico especializado em terapias complementares e alternativas, analisando a eficácia da ventosaterapia para dores lombares, alertou para a necessidade dos estudos clínicos incluírem sham ventosaterapia como controle para melhor quantificar o efeito placebo, além de protocolos para avaliar os efeitos terapêuticos de longo prazo (Ref.38).
 


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(!) Aliás, o efeito placebo tem se mostrado tão eficiente quanto potentes fármacos analgésicos. Leitura recomendada para melhor entender essa questão: O que é o efeito placebo? E qual a relação entre vudu e nocebo?
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           Por exemplo, em um estudo clínico randomizado placebo-controlado (incluindo sham ventosaterapia) publicado em 2016 no periódico Scientific Reports (Ref.21), pesquisadores não encontraram suficiente evidência de eficácia para recomendar o uso de ventosaterapia no tratamento da síndrome de fibromialgia, uma condição caracterizada por dor crônica disseminada em combinação com fatiga, distúrbios cognitivos, transtornos de sono e pronunciado estresse psicológico e/ou somático. Outro estudo clínico randomizado placebo-controlado, publicado em 2021 no periódico Journal of Physiotherapy (Ref.22), não encontrou maior eficácia na ventosaterapia seca em comparação com ventosaterapia sham no tratamento de dor crônica não-específica na lombar. Um estudo clínico mais recente, publicado no periódico PLOS ONE (Ref.23), avaliando a ventosaterapia para o tratamento de quadros de dores não-específicas na lombar em 25 participantes, também encontrou percepções similares no alívio da dor quando real ou falsa ventosaterapia era aplicada; efeito terapêutico positivo parecia estar associado em especial à influência psicológica resultante do contexto terapêutico (empatia, conexão positiva entre terapeuta e paciente, respeito mútuo, suporte profissional, etc.) e ao efeito placebo.

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          Por fim, um ponto importante de ser destacado refere-se à segurança da ventosaterapia. Apesar de eventos adversos associados à ventosaterapia serem considerados raros, existem vários reportes na literatura médica de complicações cutâneas secundárias ao tratamento, incluindo lesões equimóticas/vesiculares ou pústulas, hiperpigmentação e queloides, paniculite, infecção localizada e generalizada (!), formação de úlceras, e fenômeno de Koebner. Derrame hemorrágico também pode se desenvolver após aplicação dos copos na área cervical devido a um aumento agudo da pressão sanguínea. Esses eventos adversos são provavelmente causados por inadequada aplicação da ventosaterapia, inadequada desinfecção (incluindo casos de infecção viral com herpes) e aplicação dos copos em locais de alto risco. Queimaduras decorrentes dos copos aquecidos de forma inadequada também são comumente reportadas. No caso de ventosaterapia molhada, quadros de anemia têm sido reportados. 

           Nesse ponto, é preciso alertar que não existem recomendações oficiais de saúde e protocolos estabelecidos para a prática da ventosaterapia, e pacientes devem procurar profissionais reconhecidamente qualificados e com bom histórico clínico. E lembrando: vale a pena os riscos à saúde considerando que as evidências científicas de suporte para essa terapia são extremamente limitadas?

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(!) A quebra da barreira dérmica da pele, particularmente com a ventosaterapia molhada, aumenta o risco de infecções de pele e formação de abcessos, e vários eventos adversos infecciosos têm sido reportados após o procedimento. Um caso letal de fascite necrosante por infecção bacteriana foi reportado em 2021 (Ref.32). Em 2023, um caso de séria infecção disseminada com a bactéria Staphylococcus aureus foi reportado em uma mulher de 33 anos saudável após procedimento de ventosaterapia molhada (Ref.37).

> Sobre a fascite necrosante, sugestão de leitura: O que é uma "bactéria comedora de carne"?

> Especialistas recomendam que os copos não fiquem sobre a pele por mais de 5-10 minutos. As marcas residuais da ventosaterapia (manchas circulares vermelhas) tipicamente desaparecem em 1-10 dias (Ref.24).

> CONTRAINDICAÇÃO: A ventosaterapia não deve ser usada em pacientes com câncer, falha em órgãos, hemofilia ou desordens sanguíneas similares, e usuários de marcador cardíaco. Essa terapia não é recomendada para pacientes geriátricos, pediátricos ou mulheres grávidas ou no período de menstruação, e para aqueles com colesterol sanguíneo alto. Pacientes sendo tratados com anticoagulantes, experienciando infecção aguda, com certas doenças crônicas (ex.: doença cardiovascular) devem evitar a ventosa terapia.  Os copos NÃO devem ser aplicados em locais com trombose venosa profunda, ferida aberta, ou fratura óssea. A ventosaterapia NÃO deve ser feita diretamente sobre nervos, artérias, veias, veias de varicose, lesões de pele, orifícios corporais, nódulos linfáticos, olhos, ou áreas da pele com inflamação.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS   
  1. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2095754815000277
  2. Hasbani et al. (2021). Cupping (Hijama) in Rheumatic Diseases: The Evidence. Mediterranean journal of rheumatology, 32(4), 316–323. https://doi.org/10.31138/mjr.32.4.316
  3. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2005290111600010
  4. Al-Bedah et al. (2018). The medical perspective of cupping therapy: Effects and mechanisms of action. Journal of traditional and complementary medicine, 9(2), 90–97. https://doi.org/10.1016/j.jtcme.2018.03.003
  5. Tao et al. (2020). Key elements that determine the efficacy of cupping therapy: A bibliometric analysis and review of clinical studies. Journal of Traditional Chinese Medical Sciences, Volume 7, Issue 4, Pages 345-354. https://doi.org/10.1016/j.jtcms.2020.11.001
  6. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1744388116300032
  7. Kim et al. (2018). Is cupping therapy effective in patients with neck pain? A systematic review and meta-analysis. http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2017-021070
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  9. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3151529/
  10. http://www.hindawi.com/journals/ecam/2011/467014/abs/
  11. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S136085921500279X
  12. http://www.hindawi.com/journals/ecam/2016/7358918/abs/
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