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É verdade que todo diamante naturalmente vira grafite?

             
- Atualizado no dia 12 de julho de 2023 -

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         O diamante é uma forma alotrópica (1) do carbono. Isto significa que tanto o grafite (sim, o mesmo do seu lápis) quanto o diamante são produzidos pela mesma matéria-prima, ou, melhor, pelos mesmos átomos: carbono (C). A única diferença entre grafite e diamante é a forma estrutural (ordenamento dos átomos de carbono). Aliás, aquela história do Superman apertar, com as mãos,  um pedaço de carvão com extrema força e transformar parte dele em diamante, portanto, não é ficção científica (bem, exceto pela parte do Superman, obviamente)! O grafite é relativamente muito parecido com o carvão, apesar desse último possuir uma concentração menor de carbono, sendo este material, portanto, um "diamante" em essência - mas longe do ideal para a produção direta de um diamante sintético por causa da grande quantidade de impurezas (ex.: metais pesados).


Cenas de Superman III, onde o Homem de Aço faz um diamante surgir do carvão para repor o anel de noivado da Lana. Aliás, também é verídico pessoas que usam o cabelo para produzir diamante, a partir do abundante carbono na estrutura proteica capilar (cerca de 5-8 g de cabelo já fornece material necessário para a síntese laboratorial de diamante). No mesmo sentido, é possível usar as cinzas de um corpo cremado para produzir diamante: o corpo humano possui em torno de 18% da massa constituída de carbono. Ref.2

          Apesar de ambos ocorrerem na natureza, a síntese de diamantes a partir de grafite não foi realizada com sucesso até meados do século XX. A transformação de grafite em diamante pode ser feita sob diferentes condições sintéticas, como alta pressão, alta temperatura com ou sem um catalisador, e choque explosivo. A transformação grafite-para-diamante é governada pela formação de interfaces nanoescalares coerentes (nucleação de diamante) a qual, sob compressão estática, avança no sentido de consumir o grafite remanescente (crescimento do diamante) (Ref.3).

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           Mas o mais interessante dessa história toda é que, em condições ambientais, diamante está continuamente se transformando em grafite! A escala de dureza dos materiais vai de 0 até 10. O diamante é o material conhecido mais duro do mundo, com dureza de valor 10, e, nesse sentido, é usado até mesmo nas brocas de perfuração de solos mais profundos, principalmente pelas indústrias petroquímicas de exploração. Por outro lado, o grafite é muito macio, com dureza de 1-2. Apesar de toda a imponência do diamante em termos de resistência mecânica, a estrutura carbônica desse material, sob pressão e temperatura ambiente, tende a se transformar em grafite ao longo do tempo, liberando energia no processo! 


          Essa tendência de transformação do diamante em grafite é devido ao fato do grafite ser termodinamicamente mais estável do que o diamante a pressão ambiente e temperatura de até 400 K (<127°C) (Ref.4). Em outras palavras, diamantes não duram para sempre e buscam voltar para as suas origens "grafíticas" (configuração de mais baixa energia). Porém, esse processo de transformação espontânea sob condições ambientes (temperatura em torno de 25°C e pressão de 1 atm) demoraria centenas de milhões de anos ou mais de 1 bilhão de anos para ser concluída. Existe uma significativa barreira de energia cinética que os átomos de carbono precisam superar na estrutura do diamante para alcançar o estado de menor energia (grafite) - a transformação é termodinamicamente favorável, mas não cineticamente favorável. Portanto, não é preciso ficar preocupado com a possibilidade do caríssimo diamante no seu anel se transformar em uma ponta de lápis do dia para a noite. Por outro lado, quando diamante é aquecido no vácuo a temperaturas acima de 1200°C, uma transformação alotrópica para grafite ocorre em um curto espaço de tempo (algumas horas ou mesmo minutos).


Sob temperatura de 1500°C, a transformação de diamante em grafite ocorre em 45 min. Em temperatura de 1500°C até 1900°C, a transformação ocorre após 5 a 10 min. O grande aquecimento fornece energia cinética suficiente para os átomos de carbono quebrarem as ligações covalentes no grafite e retornarem ao estado termodinamicamente mais estável de grafite. Em condições ambientes, a degradação do diamante em grafite é muito lenta e praticamente desprezível em um curto espaço de tempo. Ref.5-6

          Apesar de não ser um fator relevante no uso como joia, a degradação do diamante em grafite possui importante implicação prática no setor industrial. Por exemplo, durante uso do diamante em brocas de perfuração, se a temperatura se eleva muito durante a atividade perfurante, a broca será degradada em grafite e começará a quebrar, especialmente na presença de ferro (Fe) - aliás, catalisadores baseados em ferro são usados também na síntese industrial ou laboratorial de diamante a partir de grafite sob alta pressão e alta temperatura (Ref.7). 

           Note também que existe elevada pressão no interior da Terra (camadas abaixo da crosta terrestre). Nessa escala de pressão, diamante é a configuração mais estável do carbono puro e não o grafite. Por essa razão, diamantes naturalmente se formam no nosso planeta e geralmente não degradam em grafite em grandes profundidades do subsolo. Porém, é relevante apontar que compressões não-hidrostáticas muito elevadas - e subsequentes descompressões - são capazes de transformar diamante em grafite (Ref.8-9). Além disso, diamantes naturais parcialmente ou completamente transformados em grafite têm sido reportados em diferentes formações geológicas - possivelmente durante processos catalisados e sob alta pressão e temperatura (Ref.9). 

          Interessante também apontar que como diamante é feito de carbono, alta temperatura na presença de oxigênio molecular (O2; ex.: ar atmosférico) promove literal combustão desse material em dióxido de carbono (CO2), como se estivéssemos queimando carvão.

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(1) As formas alotrópicas de um elemento químico (átomo) são as diferentes conformações estruturais que ele pode assumir na forma pura*. O carbono, por exemplo, é encontrado na natureza nas formas alotrópicas de grafite, nanotubos, diamante, grafeno e fulereno. Recentemente, uma possível forma alotrópica de carbono foi proposta (cálculos teóricos), chamada de pentadiamante e constituída de uma rede covalente de anéis pentagonais (Ref.12). Em 2019, pesquisadores confirmaram experimentalmente o alótropo ciclocarbonoPrimeiro anel só de carbono é criado

(!) Essa dramática diferença de dureza é explicada pela distinta conformação estrutura dos dois materiais. Como observado na imagem acima, cada átomo de carbono no diamante é ligado de forma covalente (ligação química muito forte) a quatro átomos de carbono adjacentes localizados nos ápices de um tetraedro (uma pirâmide de três lados). As quatro ligações covalentes de cada carbono possuem a mesma força em todas as direções, resultando na alta dureza do diamante. Já no grafite, temos lâminas de átomos de carbono realizando três ligações covalentes em um plano; essas lâminas são presas juntas por ligações químicas fracas, chamadas de forças de van der Waals. Como essas forças são fracas, as lâminas podem facilmente escorregar umas sobre as outras, "desmanchando" o material (e por isso o grafite é utilizado para a escrita em papel). 

> O carbono - elemento químico de massa atômica 12 e 6 prótons/elétrons - possui vários alótropos devido à sua habilidade de realizar várias ligações através de hibridizações orbitais (envolvendo os quatro elétrons na camada de valência). O grafite e o diamante possuem hibridizações sp2 (presença de ligações duplas) e sp3 (presença apenas de ligações simples), respectivamente.

> O alótropo de carbono com maior densidade é o diamante, aproximadamente 3,52 g/cm3 (Ref.13). Em 2016, pesquisadores reportaram uma forma de diamante (nanobarras agregadas de diamante) que possui densidade de 3,53 g/cm3 (Ref.14). O grafite, por sua vez, possui densidade em torno de 2,27 g/cm3. Aliás, o diamante também possui a maior densidade em termos de número de átomos por unidade de volume entre os materiais conhecidos (Ref.13). O grafeno é o material bidimensional (2D) com a maior densidade conhecida. A fase líquida do carbono é mais densa do que o diamante (Ref.15).

> Um estudo publicado em 2022 propôs um novo alótropo teórico de carbono - apelidado de P2221-C8 - que possui densidade maior do que o diamante (~3,58 g/cm3) e dureza similar (Ref.16). Porém, até o momento, nenhum grupo de pesquisa reportou a síntese efetiva desse alótropo para confirmar suas propriedades físicas teoricamente previstas.

> Grafite é um nome derivado de graphos, que significa em Grego "escrever". Diamante é derivado da palavra adamas, que significa em Grego "invencível". Ref.10

CURIOSIDADE: Em um estudo publicado em 2018 na Nature, pesquisadores conseguiram finalmente descobrir porque alguns diamantes são azuis, revelando também um provável caminho geoquímico entre a superfície terrestre e o manto inferior. Para mais informações, acesse: Cientistas revelam a origem dos raros diamantes azuis

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*É válido lembrar que nenhuma porção de substância na natureza - ou seja, fora de um modelo "desenhado" -  é totalmente pura, nem mesmo teoricamente. De qualquer forma, em certos modelos práticos, podemos considerar o grafite e o diamante como substâncias puras. E é fato que uma estrutura de diamante será transformada em grafite na natureza, sob condições ambientes padrões, espontaneamente, por ser mais estável termodinamicamente. Sugestão de leitura: É possível obter uma substância totalmente pura?

Artigo Relacionado: Dá para explicar, cientificamente, o sopro gelado do Superman?


REFERÊNCIAS 
  1. Físico-química - Vol. 1 e 2 - 9ª Ed. 2012 Atkins,P.w. / Paula, Julio de
  2. https://everdear.co/diamond-made-from-hair
  3. Luo et al. (2022). Coherent interfaces govern direct transformation from graphite to diamond. Nature 607, 486–491. https://doi.org/10.1038/s41586-022-04863-2
  4. White et al. (2020). Relative Thermodynamic Stability of Diamond and Graphite. Angewandte Chemie International Edition. https://doi.org/10.1002/anie.202009897
  5. https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-642-50195-1_144
  6. https://royalsocietypublishing.org/doi/abs/10.1098/rspa.1964.0020
  7. https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2023/ce/d2ce01202b
  8. Gogotsi et al. (1999). Transformation of diamond to graphite. Nature 401, 663–664. https://doi.org/10.1038/44323
  9. O'Bannon et al. (2020). The transformation of diamond to graphite: Experiments reveal the presence of an intermediate linear carbon phase. Diamond and Related Materials, Volume 108, 107876. https://doi.org/10.1016/j.diamond.2020.107876
  10. https://www.enmu.edu/about/general-information/local-events-and-info/arts-and-culture/miles-mineral-museum/diamond-graphite
  11. https://www.wtamu.edu/~cbaird/sq/2013/12/17/why-do-diamonds-last-forever/
  12. Felix et al. (2022). Mechanical properties of 3D-printed pentadiamond. Journal of Physics D: Applied Physics 55, 465301. https://doi.org/10.1088/1361-6463/ac91dc
  13. Zhu et al. (2011). Denser than diamond:Ab initiosearch for superdense carbon allotropes. Physical Review B, 83(19). https://doi.org/10.1103/PhysRevB.83.193410
  14. Dubrovinskaia et al. (2005). Aggregated diamond nanorods, the densest and least compressible form of carbon. Applied Physics Letters, 87(8), 083106. https://doi.org/10.1063/1.2034101
  15. Yang et al. (2022). Melting diamond in the diamond cell by laser-flash heating. High Pressure Research, Volume 43, Issue 1. https://doi.org/10.1080/08957959.2022.2160246
  16. Wang et al. (2022). P2221-C8: A novel carbon allotrope denser than diamond. Scripta Materialia, Volume 212, 15 April 2022, 114549. https://doi.org/10.1016/j.scriptamat.2022.114549