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Por que as tartarugas conseguem viver tanto tempo?


- Atualizado no dia 30 de abril de 2022 -

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          Entre os animais terrestres e complexos, as tartarugas terrestres se destacam por possuírem a bênção de longevidade. Enquanto nós custamos a chegar aos 80, muitas espécies passam fácil dos 100 anos e em boas condições de saúde. Aqui no Brasil, usamos comumente o termo 'Jabuti' para nos referirmos às tartarugas terrestres; na ordem dos quelônios (Testudines) temos as tartarugas (aquáticas), os cágados (semi-aquáticos) e os jabutis (exclusivamente terrestres). Esses últimos é que englobam as espécies terrestres às quais normalmente atribuímos vida muito longa. Tartarugas e cágados vivem em ambientes aquáticos (os cágados ainda desfrutam bastante do chão firme) e possuem médias de longevidade mais baixas, mas, mesmo assim, bem altas quando comparadas com as dos outros animais.
       
           As tartarugas terrestres são animais que podem atingir tamanho gigantescos, chegando a alcançar mais de 200 quilos e os quase 2 metros de comprimento. Nas ilhas Galápagos, estas variações gigantes são comuns - conhecidas popularmente como 'tartarugas-gigantes' (família Testudinidae) - e muitas vivem por mais de 150 anos.  Uma tartaruga-gigante de Galápagos chamada de Harriet chegou a viver mais de 170 anos. Em 2006, o famoso jabuti de nome Adwaita morreu em um zoológico da Índia, depois de ter vivido por aproximadamente 255 anos! O mais velho jabuti ainda vivo - aliás, o mais velho animal terrestre ainda vivo - é Jonathan, uma Tartaruga-Gigante-de-Seychelles (Aldabrachelys gigantea hololissa) macho, o qual completou 190 anos este ano (Ref.8-9). Jonathan nasceu em 1832 e foi trazido para a ilha Britânica de Santa Helena, no Oceano Atlântico Sul, em 1882.




          Ainda é incerto todas as causas conjuntas que permitem as tartarugas terrestres viverem tanto tempo, mas algumas hipóteses são propostas para tentar explicar o fenômeno, as quais provavelmente agem sinergicamente para a elucidação do problema.

Jabutis das Ilhas de Galápagos/Google Images

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          É sabido pelos cientistas que quanto menor o metabolismo no ser vivo, maior tende a ser a sua expectativa de vida. E isso é uma das características de grande parte dos quelônios, especialmente do jabuti. Esses animais possuem, em geral, sangue frio (ou seja, não produzem energia em excesso, só o necessário para a sobrevivência), e, boa parte deles são bem lentos, crescem muito lentamente na fase adulta - apesar dos filhotes crescerem bem rápido - e possuem baixíssimo metabolismo, podendo resistir bastante tempo sem comida (tartarugas-gigantes em Galápagos conseguem resistir até 1 ano sem alimento!). Somando-se a isso, muitas espécies de tartarugas também passam por um período sazonal similar a uma hibernação no fundo de lamas oriundas de lagos ou de poças, e usam ainda menos energia para se manterem vivas nesse período. Muitos especialistas acreditam que a baixa produção de radicais livres devido a menor taxa de consumo de combustível alimentar e atividades físicas seja o fator decisivo, já que essas espécies químicas são os principais agentes danificadores da integridade celular e podem contribuir para o processo de envelhecimento (1).


     
       
         A segunda hipótese recai sobre fatores reprodutivos. Os jabutis normalmente vivem em ambientes muito perigosos para a sobrevivência, e uma vida maior dada como presente pela evolução aumentaria as chances destes animais, por proporcionar mais crias. Mesmo se muitos  morrem, os poucos que sobrevivem conseguem gerar bastante herdeiros por um bom tempo. Além disso, esses animais possuem uma dura casca de proteção corporal - carapaça óssea, com exceção da tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) -, protegendo-os de grande parte dos predadores, e permitindo que eles mantenham diversas características corporais ao longo do trajeto evolucionário que aumentam a longevidade sem prejuízos.



          Existe também uma hipótese menos corroborada que tem relação direta com o que a sociedade humana vem discutindo nos anos recentes: estilo de vida saudável. Os jabutis possuem uma dieta muito equilibrada, ingerindo sempre alimentos saudáveis, principalmente vegetais. Ainda no quesito estilo de vida, eles são criaturas calmas e pacíficas, sofrendo bem pouco com o estresse, algo que vem matando muitos humanos ultimamente.

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   FATORES GENÉTICOS

          Um estudo publicado recentemente na Nature (Ref.7), forneceu as primeiras análises mais robustas sobre o genoma das tartarugas-gigantes. Para isso, os pesquisadores investigaram o icônico último membro da espécie Chelonoidis abingdonii - conhecido como Lonesome George - e um indivíduo da espécie Tartaruga-Gigante-de-Aldabra (Aldabrachelys gigantea). Ao comparar o genoma dessas espécies com outras espécies de vertebrados (entre aves, anfíbios, répteis e mamíferos, incluindo nossa espécie), os pesquisadores encontraram variantes de linhagem-específica afetando os genes de reparação de DNA, mediadores inflamatórios e genes relacionados ao desenvolvimento de cânceres, todos os quais estão associados ao processo de envelhecimento.




          Os resultados das análises indicaram seleções positivas para os genes AHSG e FGF19, cujos níveis de expressão estão ligados à longevidade humana, e para o gene TDO2, cuja inibição já foi proposta de proteger o corpo contra doenças associadas à idade. Somando-se a isso, os pesquisadores encontraram evidências para seleções positivas afetando vários genes envolvidos na modulação do sistema imune, como o MVK, IRAK1BP1 e o IL1R2.

          Ao analisarem 891 genes envolvidos em funções imunes, os pesquisadores encontraram duplicações genômicas (2) afetando genes de imunidade. Ambas as espécies e outras tartarugas mostraram possuir uma expansão genômica no gene PRFI (codificador de perforinas), enquanto aves e mamíferos geralmente só possuem uma cópia desse gene. Tanto a C. abingdonii quanto a A. gigantea possuíam 12 cópias desse gene. Outros genes ligados às defesas contra micróbios, fungos e parasitas, como o APOBEC1, CAMP, CHIA e o NLRP também foram afetados por duplicações genômicas. Essas expansões genéticas são esperadas de fortalecerem o armamento do sistema imune contra patógenos e cânceres.


          Expansão genética também foi vista no gene GAPDH, responsável pela produção de uma enzima glicolítica que possui papel crucial na produção de energia, assim como no reparo do DNA e na apoptose. Diversas outras distintas variações foram vistas em genes associados ao metabolismo energético desses répteis, o que explicaria a taxa metabólica tão lenta e única dos jabutis gigantes em relação a outros répteis.

          Mais expansões genéticas foram apontadas nas tartarugas em geral associadas com supressores de tumores em comparação com outros vertebrados, incluindo duplicações nos genes SMAD4, NF2, PML, PTPN11P2RY8. Nas tartarugas-gigantes em específico, duplicações afetaram dois proto-ocongenes putativos (MYCN e SET).

          Finalmente, alterações foram vistas em genes ligados à integridade do genoma - como o NEIL1 e o RM12- e também associados a maiores longevidades em diversas espécies de vertebrados. Aliás, o RM12 é duplicado nos jabutis. Ainda em mecanismos de reparo de DNA, as tartarugas-gigantes possuem variantes afetando o gene XRCC6, o qual codifica uma helicase ligada a funções no local p.K556R. Esse local é conservado em vários vertebrados, mas, notavelmente, é alterado nas tartarugas-gigantes e também no rato-toupeira-pelado (2), o roedor com maior longevidade hoje existente, sugerindo um processo de evolução convergente para a expressão de uma maior longevidade. Alterações em genes ligados ao desgaste do telômero (1) - outro fator intimamente relacionado ao envelhecimento - foram também encontradas, como nos genes DCLRE1B e o TERF2.


          Em outras palavras, a história evolutiva das tartarugas-gigantes parece ter sido marcada por fortes seleções de genótipos que privilegiaram a resistência a infecções, a luta contra tumores e fatores diversos diretamente associados à integridade genômica. Tudo isso pode explicar parte da grande longevidade desses répteis e dar suporte às três hipóteses anteriormente expostas.

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   CONCLUSÃO

          Apesar de ainda não compreendermos bem o porquê da notável longevidade das tartarugas gigantes terrestres, já temos várias pistas e hipóteses, as quais englobam desde fatores genéticos até estilo de vida. Provavelmente, todos esses fatores atuam em conjunto para otimizar a sobrevivência desses répteis. É preciso reforçar também que nem todos os representantes dos quelônios possuem uma grande longevidade, ou são lentos e calmos. As tartarugas-marinhas são bem ágeis dentro da água e a tartaruga-de-couro não possui nem mesmo sangue frio. Porém, essas que fogem da curva são exatamente aquelas que tendem a ter as menores longevidades.



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://askdruniverse.wsu.edu/2017/05/15/why-turtles-live-long/
  2. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/000632077490024X
  3. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960982211013765 
  4. https://www.geol.umd.edu/~jmerck/galsite/research/projects/metcalfe/landtortoises.html
  5. http://www.nmfs.noaa.gov/pr/pdfs/education/kids_times_turtle_loggerhead.pdf
  6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3396605/
  7. https://www.nature.com/articles/s41559-018-0733-x
  8. https://www.sainthelena.gov.sh/2019/public-announcements/new-stamp-issue-now-available-jonathan-the-worlds-oldest-animal-on-land/
  9. https://www.washingtonpost.com/lifestyle/2022/01/31/oldest-animal-tortoise-jonathan-/