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É seguro usar sal iodado para irrigação nasal?


           Soluções de irrigação - ou ducha - nasal são amplamente usadas para o tratamento da sinusite e para a remoção de secreções nasais, detritos e crostas após cirurgia nasal. As soluções de irrigação contêm diferentes minerais e produtos químicos, e podem ser feitas de forma caseira ou com o uso de preparações comerciais. A forma mais comum de irrigação utiliza solução salina, a qual pode ser isotônica ou hipertônica, e sendo realizada com baixa pressão positiva através de uma garrafa de esguicho ou via spray, ou através de simples ação gravitacional com o auxílio de um pote com bico. Mas em relação específica ao soluto para a solução salina, uma dúvida comum é frequentemente levantada: posso usar sal de cozinha (iodado)?

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   IRRIGAÇÃO NASAL

          A rinossinusite crônica (RSC), definida como uma condição inflamatória na mucosa do seio paranasal que persiste por mais de 12 semanas, é uma doença comum em todo o mundo, com prevalência entre 6% e 27% (Ref.1). A RSC está associada a uma qualidade de vida significativamente comprometida e configura problemas substanciais para a saúde. Portanto, a aplicação e a popularização de regimes terapêuticos simples e eficazes são muito procuradas. O mesmo é válido para a rinite alérgica, uma das mais comuns doenças em crianças, e afetando 10-30% das crianças e adultos em países industrializados (Ref.2).

           A irrigação nasal é um método comum e seguro de tratamento adjuvante nesse sentido, considerada uma terapia auxiliar simples e eficaz no tratamento de uma variedade de doenças nasossinusais, recomendada pela Nasal Dysfunction Clinic da UCSD (Universidade da Califórnia, San Diego) e por otorrinolaringologistas em todo o mundo. Existe inclusive evidência limitada para o tratamento auxiliar de infecções do trato respiratório envolvendo as vias aéreas superiores (nariz, sinos, laringe e faringe), incluindo resfriado comum, gripe, rinite, sinusite, laringite, faringite, tonsilite e otite média (Ref.3) e até mesmo COVID-19 (Ref.4).

          Soluções salinas são as mais usadas para a irrigação nasal, e podem ser injetadas pelo nariz em grande volume usando jarros e esguichos, ou em pequenos volumes através de dispositivos de spray. Soluções salinas isotônicas (concentração de 0,9% de cloreto de sódio) e hipertônicas (concentração maior do que 0,9% de cloreto de sódio, tipicamente de 2 até 3%) são as mais empregadas. Teoricamente, irrigação salina hipertônica exerce maior pressão osmótica e, nesse sentido, é esperada exibir maior eficácia em reduzir edema na mucosa nasal e na remoção de alérgenos aéreos e de mediadores de inflamação. De fato, vários estudos clínicos e de revisão nos últimos anos têm sugerido que o uso de solução salina hipertônica é terapeuticamente mais efetivo, em especial em termos de limpeza mucociliar, e sem maiores efeitos adversos (Ref.5-6).


Uso de um jarro Jala-neti para a irrigação nasal. O recipiente possui um bico angulado (Figura A) e é enchido com suficiente quantidade de água salina para a irrigação. Antes de iniciar a prática, o bico é trazido para a narina, selando a abertura dessa última. O passo seguinte é inclinar a cabeça para deixar a gravidade arrastar o líquido para dentro da passagem nasal (Figura B), entrando em uma narina e saindo pela outra. Durante a prática, a respiração deve mudar do nariz para a boca, no sentido de evitar engasgo e aspiração da água salina. Seguindo a prática, uma postura com a cabeça abaixada ou deitada de lado pode ser adotada para facilitar a evacuação da água retida. Panta et al., 2021

Além do jarro Jala-neti, existem também irrigadores que permitem a aplicação de uma pequena pressão positiva para a produção de um jato de solução salina para dentro do nariz. Esse método pode utilizar desde uma simples seringa até garrafas planejadas para facilitar a aplicação da solução salina (Figura C). O procedimento geralmente segue o mesmo usado para o Jala-neti (Figura D), mas uma posição "nariz-para-o-teto" também é uma opção.

De acordo com estudos cadavéricos e de modelos 3D, o fluído entrando por uma narina primeiro atravessa o etmoide e a nasofaringe, então os sinos esfenoide e maxilar ipsilateral, seguido pelo sino frontal e então o lado oposto do sino maxilar.

          Os mecanismos terapêuticos da irrigação com solução salina não foram ainda totalmente elucidados. Quando a irrigação nasal com solução salina limpa a cavidade nasal de secreções e antígenos, ela impulsiona fisiologicamente a camada gelatinosa superficial, aumenta a hidratação da camada periciliar, melhora a função mucociliar e possivelmente dificulta o crescimento bacteriano. Além disso, a irrigação nasal com solução salina parece remover mediadores inflamatórios, resultando assim em melhor controle dos sintomas nasais adversos. No geral, as soluções de irrigação nasal limpam as cavidades nasais, melhoram sintomas rinológicos e proporcionam uma respiração mais confortável (Ref.7-8).

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IMPORTANTE: Sempre consulte um médico antes de adotar novos procedimentos terapêuticos. Relevante reforçar que a irrigação nasal com solução salina é uma terapia complementar, e não deve substituir o tratamento primário indicado por um médico responsável. E apesar de segura, esse tipo de irrigação nasal possui algumas contraindicações, incluindo trauma facial em processo de recuperação e certos problemas neurológicos ou musculoesqueléticos que aumentam o risco de aspiração acidental. 

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   COM OU SEM IODO?

           Para a prática da irrigação nasal com solução salina realizada de forma caseira, recomenda-se o uso de água de torneira ou filtrada esterilizada (ex.: fervura por pelo menos 5 minutos seguida de resfriamento ou exposição à luz UV por pelo menos 45 segundos) e aplicação da solução morna no nariz. Além disso, é importante a desinfecção do recipiente de irrigação de forma periódica para prevenir o acúmulo de detritos e proliferação de patógenos; especialistas recomendam idealmente esterilização no micro-ondas por pelo menos 1 minuto e 30 segundos antes e após o uso (Ref.9). 

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> Uso de água não-esterilizada na irrigação nasal, especialmente de torneira, pode inclusive expor o indivíduo à perigosa ameba Naegleria fowleri, a qual pode causar um letal quadro de meningoencefalite amébica. Sugestão de leitura: Ameba comedora de cérebros e o aquecimento global antropogênico

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           Em muitos trabalhos na literatura acadêmica, o uso de sal de cozinha comum (iodado) não é recomendado devido à presença de aditivos suspeitos de prejudicar a mucosa sinonasal. O sal de cozinha comum contém 97% a 99% de cloreto de sódio (NaCl) e com o restante (1-3%) constituído, essencialmente, de íons iodeto (15-40 mg/kg) e pequenas quantidades de antiaglomerantes (sílica sintética amorfa: E 551). Porém, evidência científica suportando essa recomendação aparentemente não existe. Tipicamente são usadas 2-3 gramas de sal para uma solução salina de 200 mL, o que envolve <0,1 grama de iodeto e uma quantidade muito pequena de E 551. Em relação ao E 551, este não está associado com toxicidade local ou sistêmica após exposição oral - de fato, é usado na alimentação humana. Por fim, a maior parte da solução salina durante e após a irrigação nasal é expulsa da cavidade sinonasal, expondo a região a quantidades muito pequenas dos aditivos [não-tóxicos] presentes na solução.

           Nesse sentido, um estudo clínico piloto publicado em 2019 no periódico American Journal of Rhinology & Allergy (Ref.12) resolveu investigar a questão. Um total de 34 voluntários (adultos saudáveis com idade média de ~23 anos) foram incluídos, os quais aleatoriamente receberam irrigação nasal com solução salina usando sal iodado e irrigação nasal com solução salina não-iodada (controle) em dias distintos. Em cada solução, foram adicionados 2,8 gramas de sal e 1,7 grama de bicarbonato de sódio (!) - com pH ajustado para 8,2. Cada participante recebeu 100 ml de solução salina em cada narina por dois dias (um dia com solução iodada e, no outro, com solução não-iodada, mas sem o participante saber qual estava sendo aplicada). Após 20 minutos da irrigação, mudanças no transporte mucociliar foram avaliadas com o teste da sacarina (SCT).

           Surpreendentemente, o transporte mucociliar mostrou ser menos eficiente após uso da solução-controle (sal não-iodada). O tempo médio de SCT foi de 9,06 minutos para o sal iodado e de 9,68 minutos para o sal não-iodado - e ambos significativamente inferiores ao tempo de SCT antes da irrigação nasal. Não houve diferença em termos de desconforto ou efeitos adversos entre as soluções salinas.

          Embora o estudo tenha avaliado efeitos a curto prazo - deixando incerto potenciais efeitos deletérios a longo prazo - e incluído apenas voluntários saudáveis (sem problemas sinonasais), os resultados preliminares contradizem as alegações contra o uso de sal de cozinha comum - o qual possui um custo muito inferior a produtos farmacêuticos (preparações pré-fabricadas ou sal farmacêutico), algo de especial importância para famílias menos favorecidas que fazem uso da irrigação nasal.

          Mais estudos clínicos de maior porte e de longo prazo são necessários para melhor esclarecer a questão. Nesse sentido, continua sendo recomendado o uso de sal farmacêutico para a irrigação nasal. Peça sempre orientação médica antes de mudar ingredientes em preparações terapêuticas. 

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(!) Bicarbonato de sódio [Na2(HCO3)2] é tipicamente adicionado às soluções de irrigação nasal sob a suposição de que uma solução ácida pode aumentar a viscosidade da mucosa. Além disso, alcalinidade têm mostrado melhorar sintomas quando comparado ao uso de soluções não-tamponadas. Porém, diferenças de pH - faixa variando de 6,2 até 8,4 - não parecem afetar a função mucociliar e não parecem ter efeitos adversos em pacientes com rinite alérgica (Ref.13).

> Soluções salinas - isotônicas ou hipertônicas - sem adição de bicarbonato de sódio são ácidas, com pH variando de 4,5 até 7,0. Soluções com NaCl acima de 3% não são recomendadas, devido ao risco de eventos adversos causados pela hipertonicidade excessiva - como sensação de dor, bloqueio nasal e rinorreia; apesar desses efeitos tipicamente emergirem quando as concentrações são iguais ou superiores a 5,4% (Ref.13).

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Liu et a. (2020). Eficácia da irrigação nasal com solução salina hipertônica na rinossinusite crônica: revisão sistemática e metanálise. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, 86(5). https://doi.org/10.1016/j.bjorl.2020.03.008
  2. Li et al. (2019). Effectiveness of Hypertonic Saline Nasal Irrigation for Alleviating Allergic Rhinitis in Children: A Systematic Review and Meta-Analysis. Journal of Clincial Medicine 8(1), 64. https://doi.org/10.3390/jcm8010064
  3. Ramalingam et al. (2019). A pilot, open labelled, randomised controlled trial of hypertonic saline nasal irrigation and gargling for the common cold. Scientific Reports 9, 1015. https://doi.org/10.1038/s41598-018-37703-3
  4. Panta et al. (2021). Do saline water gargling and nasal irrigation confer protection against COVID-19? EXPLORE, Volume 17, Issue 2, Pages 127-129. https://doi.org/10.1016/j.explore.2020.09.010
  5. Kanjanawasee et al. (2018). Hypertonic Saline Versus Isotonic Saline Nasal Irrigation: Systematic Review and Meta-analysis. American Journal of Rhinology & Allergy, Volume 32, Issue 4. https://doi.org/10.1177/1945892418773566
  6. Kurtaran et al. (2018). Efeito de diferentes soluções para irrigação nasal após septoplastia e radiofrequência das conchas nasais: estudo prospectivo e randomizado. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, 84 (2). https://doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.01.005
  7. King et al. (2015). Saline nasal irrigation for acute upper respiratory tract infections. Cochrane Database of Systematic Reviews.  https://doi.org/10.1002/14651858.CD006821.pub3
  8. Cabaillot et al. (2020). Saline nasal irrigation for acute upper respiratory tract infections in infants and children: a systematic review and meta-analysis. Paediatric Respiratory Reviews. https://doi.org/10.1016/j.prrv.2019.11.003
  9. Park et al. (2022). Clinical Practice Guideline: Nasal Irrigation for Chronic Rhinosinusitis in Adults. Clinical and Experimental Otorhinolaryngology, 15(1): 5–23. https://doi.org/10.21053%2Fceo.2021.00654
  10. https://www.cdc.gov/parasites/naegleria/sinus-rinsing.html
  11. https://www.fda.gov/consumers/consumer-updates/rinsing-your-sinuses-neti-pots-safe
  12. Sumaily et al. (2019). Impact of Nasal Irrigation With Iodized Table Salt Solution on Mucociliary Clearance: Proof-of-Concept Randomized Control Trial. American Journal of Rhinology & Allergy, 34(2), 276–279. https://doi.org/10.1177/1945892419892172
  13. Principi & Esposito (2017). Nasal Irrigation: An Imprecisely Defined Medical Procedure. International Journal of Environmental Research and Public Health, 14(5): 516. https://doi.org/10.3390%2Fijerph14050516