Mistério resolvido: Como a primeira fotografia colorida foi feita?
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Em 1848, o Físico Francês, Edmond Becquerel, foi o responsável por criar a primeira fotografia colorida: uma paleta de cores em uma placa de prata, capturando o espectro solar. No entanto, seu processo foi puramente empírico, nunca explicado e rapidamente abandonado. E desde então permanecia o mistério: como diabos Edmond conseguiu tirar fotos coloridas? Agora, em um estudo publicado no periódico Angewandte Chemie International Edition (Ref.1), pesquisadores do Museu Nacional de Historia Natural (CNRS/Muséum National d'Histoire Naturelle/Ministère de la Culture), na França, parecem ter finalmente conseguido decifrar o enigma: distribuição qualitativa e quantitativa de nanopartículas metálicas de prata na superfície das fotos.
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PRATA, LUZ E COR
Avanços na Física da luz durante o século XIX, liderados principalmente pelo cientista James Clark Maxwell (1831-1879), ajudaram no desenvolvimento de vários processos para a produção de fotos coloridas a partir de 1850. Notavelmente, ainda na primeira metade do século XIX, em 1848, no Museu Nacional de História Natural em Paris, o Físico Francês Edmond Becquerel (1820-1891) conseguiu produzir uma fotografia colorida do espectro solar de forma totalmente empírica. Essa e outras fotografias subsequentes, as quais ele chamou de 'imagens fotocromáticas', são consideradas as primeiras fotografias coloridas do mundo (I). Poucas delas sobreviveram devido ao fato de serem muito sensíveis à luz - as cores só persistem se mantidas conservadas em total escuridão - e porque muito pouco delas foram produzidas. De fato, foi necessário a introdução de outros processos para as fotografias coloridas se tornarem populares na sociedade.
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(I) Por causa do método usado [imagens fotocromáticas] ser pouco conhecido, muito limitado, não-entendido e rapidamente abandonado, vários autores consideram o Francês Louis Ducos du Hauron, em 1869, como o primeiro criador das fotografias coloridas usando um processo de três cores que ele cunhou de 'heliocromia' a partir de pigmentos de carbono - e uma técnica ainda base das atuais fotos digitais. Porém, alguns outros autores atribuem o crédito de pioneirismo ao Norte-Americano e pastor Batista Levi Hill, em 1850 - algo bastante contestado pelo fato das cores em suas fotografias serem muito fracas e dramaticamente inferiores às cores nas fotografias de Ducos du Hauron.
Ainda menos reconhecido, está outro inventor, também Francês, que expôs o mesmo método de Ducos du Hauron - mas de forma independente - em 7 de maio de 1869, diante da Sociedade Francesa de Fotografia: o poeta Charles Cros. Porém, Cros acabou se desviando para processos teóricos de aperfeiçoamento do método e visando projetos de novos métodos, enquanto Ducos du Hauron investiu bastante na feitura de fotos com o método tradicional, ficando mais conhecido pelas fotos coloridas.
O notório Físico James Maxwell também é um dos pioneiros na produção das primeiras fotografias coloridas na década de 1860.
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Mas o mais curioso dessa história toda é que por mais de 170 anos, a natureza das cores nas fotografias de Edmond tem sido fervorosamente debatida na comunidade científica, e sem resolução. O processo usado nessas fotografias baseava-se nos trabalhos anteriores de Thomas Seebeck e John Herschel sobre cloreto de prata, e várias hipóteses têm sido propostas desde o final do século XIX para explicá-lo. Enquanto alguns cientistas propunham a ocorrência de reações químicas oxidativas e redutivas foto-catalisadas - gerando pigmentos a partir de complexos metálicos ou diferentes sais na superfície sensibilizada pela luz - outros defendiam um fenômeno interferencial (o mesmo que produz cores nas asas de insetos e penas de aves devido a certos padrões microestruturais na superfície).
Trabalhos mais recentes, reproduzindo o método de Edmond, mostraram que a camada sensibilizada - a qual é colorida durante a exposição à luz - é feita de nanopartículas de prata metálica dispersas em uma matriz de grãos de cloreto de prata. Nesse sentido, emergiu também a hipótese defendendo o fenômeno da ressonância plasmônica superficial (SPR) produzido pela interação da luz com diferentes tipos de nanopartículas de prata.
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JOGANDO LUZ NA FOTO
Para tentar elucidar de vez a questão e descobrir qual - ou nenhuma - das hipóteses é a correta, os pesquisadores no novo estudo usaram uma série de métodos analíticos modernos (EDX, HAXPES, EXAFS, SEM e STEM) visando explicar as propriedades das imagens fotocromáticas (absorção no UV-visível, baixa perda de EELS e padrões espectroscópicos).
HIPÓTESE DOS PIGMENTOS
Seriam as diferentes cores formadas por produtos diferenciados de oxidação e redução? Formação de complexos de cobre (contaminante)? Diferentes razões de sais de cloreto de prata (AgCl) e de um suposto "subcloreto de prata" (Ag2Cl)?
Para testar as sugestões englobadas pela hipótese dos pigmentos, os pesquisadores usaram as técnicas de espectroscopia de energia dispersiva de raios-X (EDX) e espectroscopia fotoeletrônica dura de raios-X (HAXPES) via luz síncrotron (II) para determinar possíveis variações químicas ao longo da superfície colorida nas fotografias (reproduzidas) de Edmond. O resultado das análises mostrou que todas as amostras com diferentes cores tinham a mesma composição, e nenhum traço de cobre foi detectado.
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(II) Leitura recomendada: Acelerador de partículas Sirius: Orgulho Brasileiro!
Na técnica de HAXPES, os espectros de banda de valência de diferentes superfícies com diferentes cores se mostraram os mesmos, variando picos idênticos e dependentes apenas da espessura das camadas analisadas. Isso fortemente corrobora que não existem variações na composição química entre as cores, derrubando as hipóteses baseadas na presença de pigmentos.
HIPÓTESE DA INTERFERÊNCIA
Seriam as cores das imagens fotocromáticas formadas por uma série de planos fotolíticos de prata espaçados paralelamente e periodicamente - criando padrões de interferência de ondas e consequentes cores?
Para testar essa hipótese, os pesquisadores analisaram morfologicamente a estrutura (plano e secção-cruzada) de fotografias produzidas com o método de Edmod, através das técnicas de microscopia de varredura de elétrons (SEM) e microscopia de varredura de transmissão eletrônica (STEM), as quais permitem ver mínimos e nanométricos detalhes topográficos da amostra alvo. Os resultados das análises revelaram que a superfície dessas fotografias é constituída por nanopartículas de prata de tamanhos variando de alguns poucos nanômetros (nm) até 150 nm dispersos em uma matriz micrométrica de grãos de cloreto de prata.
Essas nanopartículas estavam localizadas nas margens, nas fronteiras e nos volumes gerais dos grãos de cloreto de prata. Porém, a distribuição dessas nanopartículas não formavam nenhuma estrutura periódica, nem nas camadas coloridas da superfície, nem no volume total dessas camadas. Além disso, como mostrado na figura abaixo, o espectro de absorção do UV-visível de diferentes amostras coloridas dessas fotografias revelou buracos de absorbância nos comprimentos de onda expostos, os quais indicam que as cores são, de fato, o resultado de um processo de absorção de radiação eletromagnética (fótons).
Esses resultados descartaram, portanto, a hipótese de interferência.
HIPÓTESE PLASMÔNICA
Realizando uma análise ainda mais detalhada com a técnica de STEM, os pesquisadores encontraram que a orientação e a distribuição de formas das nanopartículas de prata eram as mesmas para todas as amostras coloridas. Porém, a localização e a distribuição de tamanhos dessas nanopartículas de prata diferiram, e essas diferenças estavam positivamente associadas com as diferentes cores.
Nas superfícies com cores azuis, por exemplo, o número geral de nanopartículas aumentava, especialmente na faixa indo de 5 nm até 30 nm. Para as amostras amarelas, o número de nanopartículas na faixa 5-25 nm aumentava mas o número na faixa 25-45 nm diminuía. Para as amostras vermelhas, apareciam nanopartículas menores do que 25 nm, mas desapareciam nanopartículas na faixa de 30-45 nm. Além disso, para citar dois exemplos, nanopartículas em geral incrustadas nos grãos (volume) desapareciam nas amostras amarelas, e a maioria das variações de grãos nas margens desapareciam para as amostras vermelhas.
Nesse sentido, os pesquisadores propuseram uma explicação corroborando a hipótese plasmônica. A visualização de cores na superfície das imagens fotocromáticas seria devido à perda de nanopartículas de prata de algumas faixas específicas de tamanho (ex.: 30-45 nm para o vermelho) e à localização (a maior parte de nanopartículas nas marges dos grãos), resultando em um buraco de absorção localizado ao redor do comprimento de onda exposto (ex.: ao redor de 676 nm para a cor vermelha). No mesmo sentido, o aumento de absorção na região do visível - exceto ao redor do comprimento de onda de exposição - seria devido ao aumento do número de nanopartículas fora dessas localizações e faixas de tamanho.
Com o auxílio da técnica de espectroscopia de baixa perda de energia eletrônica (EELS), os pesquisadores confirmaram os padrões energéticos esperados para os modos de SPR, cujas energias de ressonância dependem do tamanho, forma e ambiente associados às nanopartículas. Assim, a perda de certos tipos de nanopartículas resultam na perda de absorção em comprimentos de onda específicos (diferentes frequências de fótons constituindo diferentes radiações eletromagnéticas - cores - da luz visível).
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COMO AS IMAGENS FOTOCROMÁTICAS SÃO GERADAS?
Considerando a explicação plasmônica, os pesquisadores postularam que durante a exposição das camadas a serem sensibilizadas (produção da foto colorida), dois mecanismos co-existem.
Primeiro, quando camadas são expostas a luz suficientemente energética, o cloreto de prata é parcialmente fotolizado - quebrado via reação com os fótons da luz - em uma dispersão de nanopartículas de prata. Em seguida, nanopartículas de prata de localizações e faixas de tamanho específicas que absorvem a radiação incidente via SPR são modificadas pela exposição, ou seja, seus tamanhos podem ser reduzidos, deslocando seus picos de SPR no sentido de maior energia, e prata pode ser transferida para outras nanopartículas via coalescência, portanto aumentando seus tamanhos.
O resultado final é a diminuição do número de partículas absorvendo a radiação incidente e, portanto, a emergência de uma camada colorida exibindo um buraco de exposição ao redor do comprimento de onda exposto.
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CONCLUSÃO
As evidências geradas pelo novo estudo derrubam duas hipóteses (pigmento e interferência) e dão sólido suporte para a hipótese de ressonância plasmônica envolvendo variações na distribuição de tamanho e na localização de nanopartículas de prata na superfície das fotografias de Edmond. Quando expostas à luz da cena a ser fotografada, as nanopartículas de prata presentes na superfície da placa a ser sensibilizada se reorganizam: algumas se fragmentam outras se aglutinam. A nova configuração dá ao material a habilidade de absorver todas as cores de luz, com a exceção da cor (energia associada a fótons de comprimento de onda específico) que causou a nova configuração em determinada área da placa. Essa cor não absorvida é então a cor que nós vemos.
> Leitura recomendada pra um melhor entendimento do processo físico de geração de cores: Partícula na caixa unidimensional: a Quântica explicando a cor da cenoura
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- Seauve et al. (2020). Spectroscopies and Electron Microscopies Unravel the Origin of the First Colour Photographs. Angewandte Chemie. https://doi.org/10.1002/ange.202001241
- https://news.cnrs.fr/articles/the-birth-of-color-photography
- https://benbeck.co.uk/firsts/1_Technology/photo3t.htm