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Gases estufas, vapor de água e o GWP

> Esse artigo faz parte de uma discussão mais ampla sobre Mudanças Climáticas, Paleoclimatologia, efeito estufa atmosférico e evidências da ação humana (antropogênica) no atual processo de Aquecimento Global. Para saber mais, acesse: Aquecimento Global: Uma Problemática Verdade.

- Atualizado no dia 20 de setembro de 2020 -

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           Apesar do público em geral achar que apenas o dióxido de carbônico e o metano são os responsáveis pelo efeito estufa (1), diversos outros gases na atmosfera contribuem para o aquecimento geral do planeta, inclusive um bem conhecido e um dos mais poderoso deles: a água. A água, na forma de vapor na atmosfera, contribui com algo entre 36% e 72% para o aquecimento do globo, variando de região para região, e com uma média global geralmente aceita em torno de 50% (2). O gás carbônico contribui com algo entre 9% e 26%, com uma média global em torno de 20%. O metano, entre 4 e 9%. E o gás ozônio, entre 3 e 7%. Entre outros gases que barram fortemente o calor sendo transmitido pela superfície terrestre  podemos citar os óxidos de nitrogênio (N2O, NO2, NO), CFCs (clorofluorcarbonos), HCFCs (hidroclorofluorcarbonos), tetrafluometano, hexafluoreto de enxofre, trifluoreto de nitrogênio, hexafluometano, entre vários outros. Além disso, partículas dispersas na atmosfera (fuligem, aerossóis de maiores dimensões, matéria orgânica diversa, etc.) também são potentes agentes estufas, por espalharem a luz solar e também absorverem calor no visível e infravermelho.  Como estes últimos exemplos não estão presentes em quantidade significativa na troposfera, geralmente são ignorados, apesar de uma maior preocupação recente com o hexafluoreto de enxofre.

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(1) Para entender como os gases estufas atuam na promoção do aquecimento global, acesse: Quais os mecanismos do efeito estufa atmosférico?

(2) Por exemplo, em cima de massas florestais, o total de vapor d´água é muito grande devido à evapotranspiração das plantas. Já em regiões desérticas a quantidade de vapor/umidade no ar é bem baixa, gerando grandes variações de temperatura durante o dia: à noite, sem um significativo efeito estufa da água atmosférica, o calor é perdido rapidamente pelo solo aquecido pelo Sol, causando quedas de 50°C para valores abaixo de 0°C facilmente.
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          Os principais gases estufas de produção antropogênica, com exceção do vapor de água, possuem longo tempo de vida na atmosfera (décadas a séculos), algo que torna possível uma mistura quase homogênea (~3 semanas em uma dada faixa de latitude, ~3 meses hemisfericamente, 1-2 anos globalmente) a partir de diferentes pontos de emissão na superfície terrestre. Variações nas concentrações desses gases ao longo do globo variam em menos de 10%. Devido às robustas variações de temperatura ao longo da superfície (-40°C a +35°C), a pressão parcial de equilíbrio do vapor de água varia por um fator de 400, e quando o alcance é estendido para a temperatura da tropopausa (-63°C), um fator a mais de 20. Variações significativas do CO2 global também ocorrem ao longo das estações devido ao maio ou ao menor crescimento da massa vegetativa (fotossíntese).

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             Levando tudo isso em consideração, os principais gases estufas da atmosfera são o vapor d´água, dióxido de carbono (ou 'gás carbônico'), metano e o ozônio. Entre os gases mencionados, o gás carbônico e o metano são os principais alvos das discussões no âmbito do aquecimento global por serem amplamente produzidos ou liberados pelas atividades humanas. O gás carbônico é gerado pela queima de combustíveis fósseis, carvão vegetal e do próprio metano, da produção de cimento, além da respiração aeróbica dos seres vivos e oxidação geral da matéria orgânica quando o oxigênio está envolvido, pela oxidação de gases diversos na atmosfera e pelas atividades vulcânicas. Já o metano é oriundo principalmente da decomposição anaeróbica de matéria orgânica, especialmente em pântanos e lixões a céu aberto, dos bolsões de gás natural junto à extração de petróleo; durante o transporte e produção de gás natural, petróleo e carvão mineral; e do "arroto" de bois e vacas (devido à digestão da matéria vegetal dentro do estômago desses animais por bactérias em relação simbiótica). Existem outras fontes para ambos, mas essas são as majoritárias. 

Um dos principais emissores de metano para a atmosfera; pesquisadores da Pennsylvania State University recentemente (2017) descobriram que alimentar o gado com o composto 3-nitrooxypropanol (3NOP) diariamente, reduz as emissões de metano em 30%! A substância age inibindo a metil-coenzima-M redutase, uma enzima usada durante a fermentação bacteriana e a qual está ligada à produção do metano por elas. Mais testes serão feitos antes de liberarem a substância para uso. Outras pesquisas do tipo já vêm sendo feitas há um bom tempo, mas o 3NOP é o que apresentou melhor rendimento, não prejudicando a saúde bovina e não sendo danoso ao meio ambiente (Foto: Google Images)

          Esclarecido quais são os gases estufas mais importantes no fenômeno de aquecimento global na superfície terrestre, precisamos esclarecer um ponto que é crucial no entendimento das mudanças climáticas, e que geralmente é alvo de muita confusão e distorção.


  METANO E O GWP

            Muitos já devem ter ouvido falar que o metano é um gás estufa em torno de 28-30 vezes mais potente do que o gás carbônico no sentido de "aprisionar o calor" na atmosfera. Essa alegação, no entanto, é apenas parcialmente verdade. Existe um termo chamado de GWP (Global Warming Potential, ou Potencial de Aquecimento Global, na tradução) e é ele quem define o quão 'poderoso' é o gás estufa, mas sem isso estar ligado, necessariamente, à capacidade intrínseca da molécula de absorver mais energia térmica. O GWP é medido levando-se em consideração diferentes períodos de análise (em anos). Assim, teremos o GWP20, GWP100 e o GWP500 como os principais representantes. O GWP20, por exemplo, compreende um período de análise de 20 anos, e o mesmo raciocínio vale para o resto. Para medir o potencial de aquecimento de cada gás, é levado em consideração:

1. A absorção no infravermelho de cada gás;

2. A localização, no espectro, do comprimento de onda absorvido;

3. O tempo de degradação do gás na atmosfera.

            Assim, mesmo um gás que consiga absorver de forma efetiva mais calor em alguma banda de absorção de radiação infravermelha (faixa onde o efeito estufa é promovido), especialmente aquela emitida-refletida pela superfície do planeta, seu potencial estufa (força radiativa positiva, aquecimento) pode ser muito menor do que de outro gás que possua uma absorção menos efetiva. Por exemplo, a água absorve bandas muito largas e em várias faixas do espectro do infravermelho, sendo muito eficiente em absorver vários comprimentos de onda no infravermelho longo. Porém, produção antropogênica de vapor de água não é alvo de preocupação imediata (3). Independentemente ou não de estarmos produzindo mais vapor de água em indústrias, agricultura e afins, o tempo de vida desse gás na atmosfera é muito curto, de apenas 9 dias, devido ao ciclos da água (chuva, neve e outros mecanismos que fazem com que a água na atmosfera volte novamente para a superfície). A concentração de vapor de água na atmosfera é dependente da temperatura média global, não da produção antropogênica ou natural.

              O ozônio não é uma preocupação direta porque o ser humano não o produz de forma significativa. Porém, na troposfera, sua concentração vem subindo por causa do aumento de metano, o qual é um percursor químico da produção de ozônio na atmosfera. Já o dióxido de carbono está sendo produzido em larga escala pela atividade humana, e apesar de estar continuamente sendo dissolvido nos mares e lagos (4), e sendo fixado pelas plantas/algas/fitoplâncton através da fotossíntese, existe ainda um excesso que está se acumulando na atmosfera, fruto de um desbalanço não-natural. Com o metano, ocorre o mesmo, onde sua produção humana só vem crescendo, fruto dos vazamentos de tubos de gás natural, explorações diversas dos combustíveis fósseis, alagamento de áreas florestais e à crescente criação de gado. 

          Mas nesse último ponto, por que o metano é bem mais poderoso do que o gás carbônico?

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(4) Leitura recomendada: Gás carbônico e acidez dos mares

(5) Mas em um planeta cada vez mais quente, futuramente a quantidade de vapor de água na atmosfera pode aumentar bastante, seguindo em proporção a elevação média de temperatura no globo (maior capacidade da atmosfera de reter o vapor de água). Nessa situação, previsões da NASA mostram que o efeito dessa quantidade extra de vapor pode ser devastador, com o potencial de aumentar o efeito estufa em uma intensidade tão grande quanto o dobro do aquecimento gerado apenas pelo dióxido de carbono nas próximas décadas (caso o aquecimento global permaneça no atual ritmo).
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              Se observamos o gráfico abaixo, iremos ver que o metano absorve eficientemente o infravermelho em regiões totalmente distintas daquelas absorvidas pelo gás carbônico. Em segundo lugar, a concentração do metano é muito menor do que a de gás carbônico na atmosfera. Em terceiro lugar, as faixas de absorção efetiva do dióxido de carbono coincidem com faixas de alta absorção da água na atmosfera. Nesse sentido, radiação infravermelha emitida pela superfície terrestre se torna muito menos disponível para quantidades extras de dióxido de carbono emitidas, devido ao fato da absorção nessas faixas já estar mais próxima da saturação. Portanto, é preciso uma alta quantidade de gás carbônico para capturar, significativamente, mais do restante de infravermelho longo disponível. Já as faixas de comprimento absorvidas de forma eficiente pelo metano estão muitos mais disponível, sendo também aproveitadas apenas parcialmente pelo vapor de água e por pequenas quantidades de óxido nitroso. Portanto, qualquer quantidade de metano lançado na atmosfera possui muito mais energia térmica livre disponível - transmitida por infravermelho - para "aproveitar" em relação ao dióxido de carbono.

Aqui, podemos ver, claramente, que o metano absorve, preferencialmente, uma faixa bem distinta da do gás carbônico (Fonte: NASA) 

            É como se houvesse dois quartos cheios de comida. Em um deles está cheio de pessoas comendo a comida ofertada e, no outro, existe também muita comida, mas apenas algumas poucas pessoas comendo. Se mais duas pessoas entrarem no quarto cheio, menor quantidade da comida estará disponível e será mais difícil alcançá-la tendo em vista a super lotação. Ou seja, esse acréscimo de duas pessoas não fará muita diferença para reduzir a quantidade de comida ofertada. Esse quarto é uma analogia à atividade estufa do gás carbônico na atmosfera terrestre. Já no quarto com pouca gente, bastante comida ainda estará disponível e o acesso a ela será bem mais fácil, fazendo com que mais duas pessoas que entrem comam bastante e com folga, reduzindo de forma significativa a comida ofertada. Esse quarto é uma analogia à atividade estufa do metano na atmosfera. Mesmo se todas as pessoas comerem da mesma forma e tiverem o mesmo apetite, a quantidade de comida individual consumida não será igual em um quarto em relação ao outro.

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              O motivo acima explicado é principal do porquê o metano é tão "mais poderoso" em termos quantitativos  no processo de absorção da energia térmica na forma de infravermelho. Na verdade, se analisarmos qualquer espectro de absorção do dióxido de carbônico, veremos que esse gás possui bandas bem mais largas de absorção e em grande intensidade, sendo mais eficiente em absorver energia da radiação infravermelha. Ou seja, não é porque o metano absorve 30 vezes mais infravermelho e, sim, como ele absorve essa energia. E outro mal entendido: o metano só possui esse fator de '30' porque estamos citando o GWP100. Se considerarmos o GWP20, o metano é cerca de 85 vezes mais poderoso do que o gás carbônico por igual período de tempo! Isso é devido ao fato de que o tempo de vida médio de uma determinada quantidade de metano na atmosfera é algo próximo de 12 anos, onde ao longo desse prazo essa mesma quantidade eventualmente acaba sendo totalmente degradada em água e gás carbônico via oxidação promovida, principalmente, por radicais hidroxilas na alta atmosfera (gerados pela ação da radiação ultravioleta nas moléculas de água).

               Ou seja, dentro de 20 anos, o metano age, na maior parte do tempo, como gás estufa na forma de 'metano'. Depois da sua degradação, ele passa a ter papel estufa como dióxido de carbono, gás com potencial estufa bem menor (a água gerada na oxidação não é relevante, porque existe um limite na concentração de vapor de água na atmosfera dependente da temperatura; mais à frente isso será explicado). Assim, quando fazemos uma média ao longo de 100 anos, o metano acaba ganhando 'força estufa' de 30. Mas se considerarmos um período de 20 anos, ele é bem mais poderoso. Se diminuirmos ainda mais o tempo, para 10 anos, por exemplo, podem ter certeza que o seu potencial de aquecimento frente ao gás carbônico é muito maior do que 85. Aliás, muitos cientistas na área reclamam do GWP100 ser o mais utilizado como base de análise e de painéis climáticos na maior parte das vezes, porque isso maquia o efeito estufa do metano. Segundo eles, mudanças climáticas estão acontecendo em intervalos de tempo muito curtos e 100 anos é um período de projeção muito longo.

          Sabendo disso, é fácil entender, por exemplo, porque existem aquelas torres de fogo nos depósitos de lixo e nas plataformas de petróleo. Os gases emanados nesses lugares são compostos basicamente de metano. Queimando as torrentes de metano, produzimos dióxido de carbono, o qual, como já explicado, possui um menor potencial estufa (6). Se você consegue captar este metano indesejado, como nos biodigestores, é mais lucrativo usá-lo como combustível, cuja queima produzirá o gás carbônico e energia de movimento mecânico.

          Porém, o metano dos gases emanados pelo gado é impossível de ser controlado, o que preocupa muito por causa da demanda cada vez crescente de carne bovina pelo mundo. Os ruminantes, incluindo as vacas, se alimentam exclusivamente de folhas e capim. E para quebrar a parede celular vegetal, composta dos polissacarídeos celulose e hemi-celulose, esses animais contam com a ajuda de bactérias em simbiose presentes no seu estômago. Nesse órgão, elas quebram os polissacarídeos, produzindo ácidos graxos e liberando outros nutrientes presentes no interior das células vegetais, os quais nutrem o animal. Mas neste processo é gerado metano como subproduto, o qual é liberado junto ao arroto do boi/vaca.

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(6) Existe um mito de que a baixa troposfera já estaria saturada de dióxido de carbono, e que mais quantidades desse gás não mais contribuiria para o efeito estufa. Uma maior concentração de dióxido de carbono de fato está nas baixas camadas da troposfera, porém, mesmo se esse gás estivesse capturando todo o infravermelho longo (nas suas faixas de absorção) sendo emitido pela superfície terrestre, é preciso lembrar que esse infravermelho será irradiado novamente em todas as direções pelas moléculas de CO2. Portanto, dióxido de carbono acima dessa camada saturada de CO2 continuaria sendo capaz de absorver uma grande quantidade desse calor. Quanto mais dióxido de carbono ou outros gases estufas, maior a concentração desses gases em diferentes altitudes e maior o efeito estufa.
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    METANO EM ASCENSÃO

          Pântanos são a principal fonte natural de metano, via ação anaeróbica de micro-organismos. O metano ali produzido é liberado na atmosfera via difusão, transporte através dos tecidos de plantas e liberação episódica de bolhas de gás. Vulcões e manifestações geotérmicas são duas fontes geológicas importantes de metano. No entanto, as emissões antropogênicas no pós-industrial superam e muito as fontes naturais. Um estudo mais recente publicado no periódico Nature (Ref.8) reportou uma estimativa de emissão em torno de 177 ± 37 teragramas (1 teragrama = 1 milhão de toneladas) de CH4 a partir de fontes antropogênicas durante o período de 2003 até 2012, com o uso de combustíveis fósseis representando 30% da emissão global (fontes naturais e antropogênicas) e quase metade das fontes antropogênicas. E essa taxa está cada vez mais acelerada.

         Em 2007, as quantidades de metano na atmosfera começaram a aumentar após um período de quase 7 anos de crescimento quase zero. Em 2014, um segundo aumento foi observado que continuou até o final de 2018, a uma taxa quase o dobro daquela observada em 2007 (Ref.2). Mais recentemente, Dados liberados recentemente pelo NOAA (US National Oceanic and Atmospheric Administration) apontaram que as concentrações de metano na atmosfera alcançaram 1900 ppb em 2021 (Ref.11). As razões para esse aumento ainda são debatidas, mas existem alguns suspeitos.

  

          Analisando os cinco maiores centros urbanos dos EUA (Washington, D.C., Baltimore, Maryland, Philadelphia, Pennsylvania, Providence, Boston e New York) - as quais concentram 12% da população do país -, um estudo publicado no periódico Geophysical Research Letters (Ref.3) encontrou que elas emitiam em conjunto cerca de 890 mil toneladas de metano anualmente, a maior parte do gás oriundo de vazamentos de metano das residências, empresas e infraestruturas de distribuição de gás. Essa quantidade é mais de duas vezes a estimada em 2016 pela EPA (Agência de Proteção ambiental) (~370 mil toneladas).

            Na análise mais recente, publicada em julho de 2020, pesquisadores em um estudo publicado no periódico Earth System Science Data (Ref.9) mostraram que nas últimas duas décadas (2008-2017) as emissões globais de metano aumentaram quase 10%, principalmente devido à agropecuária e à indústria de gás natural. A taxa média de emissão foi de 576 Tg CH4/ano, ~60% com origem atribuída a fontes antropogênicas.

          Já outros pesquisadores apontam para um possível mecanismo de feedback do aquecimento global antropogênico, fomentando a produção natural do metano por microrganismos em biomas diversos. Isso é suportado em especial por assinatura isotópica: metano atmosférico com carbono-13 não aumentou nos últimos 15 anos; metano oriundo de extração de combustíveis fósseis possui maior concentração de carbono-13 do que aquele produzido por atividade microbiana. Pelo contrário, a proporção de carbono-13 entre os átomos de carbono no metano atmosférico vem caindo desde 2007 (Ref.12). Por exemplo, microrganismos realizando metabolismo anaeróbico em biomas alagados (maiores fontes de gás metano na superfície do planeta) podem estar aumentando sua atividade com o crescente aumento da temperatura global.

 


          Por outro lado, é importante salientar que fontes antropogênicas ainda representam 62% das emissões anuais de metano atmosférico, considerando o período de 2007-2016. Extração de combustível fóssil e a criação de gado respondem por 265 milhões de toneladas de metano por ano.

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> Leitura recomendada: Em 2018, cientistas realizaram as primeiras observações diretas do papel do metano no efeito estufa da atmosfera terrestre. Para saber mais, acesse: Maior efeito estufa gerado pela crescente concentração de metano é diretamente observado na atmosfera


    ÁGUA E DIÓXIDO DE CARBONO

         Outro erro cometido por muitos nesse aspecto é a sugestão de que a absorção de infravermelho emanado pela superfície aquecida da Terra pelo dióxido de carbono é obscurecida pelo vapor de água na atmosfera, usando isso como um pseudo-argumento para justificar que o gás carbônico supostamente não possui papel significativo como gás de efeito estufa. Isso é absurdamente errado. Como mostrado no gráfico abaixo, o gás carbônico possui faixas de absorção mais intensas do que a água ou mesmo faixas não absorvidas pelo vapor de água. Nesse sentido, mesmo em faixas compartilhadas entre dióxido de carbono e água, o efeito estufa de um composto complementa o outro. Somando a isso, os gases atmosféricos ao absorverem infravermelho ou serem aquecidos pelo efeito estufa emitem também radiação do infravermelho longo em todas as direções, retro-alimentando o sistema em regiões onde o vapor de água pode estar em concentrações muito menores do que o dióxido de carbono, especialmente em um cenário de crescente concentração desse gás na atmosfera (!).


          E essa questão da sobreposição da bandas de absorção de água é outro ponto importante. Não podemos analisar os gases de efeito estufa como componentes isolados. Apesar da permanência, homogeneidade e formas físicas do dióxido de carbono na atmosfera, por exemplo, não dependerem das variações normais de temperatura atmosférica - suas moléculas permanecerão na forma de gás em uma grande faixa de temperatura por causa do seu baixíssimo ponto de ressublimação - as moléculas de água são altamente sensíveis à essas variações. Dependendo da temperatura e condições climáticas em geral, teremos mais ou menos chuvas (água líquida saindo da atmosfera), neve (água sólida saindo da atmosfera), vapor d´água (água gasosa na atmosfera) e nuvens em alta, média ou baixa altitudes (vapor de água se condensando em diferentes graus).

            Toda essa dinâmica da água na atmosfera interfere profundamente com o efeito estufa total. Por isso, mesmo gases como o dióxido de carbono e o metano estando em quantidades traços na atmosfera como um todo (7), mudanças climáticas trazidas pelo efeito estufa desses gases influenciam fortemente a dinâmica da água atmosférica, potencializando em muitas vezes o resultado final. Com uma maior temperatura trazida pela maior emissão de gás carbônico e metano, mais água tende a evaporar e ficar retida na atmosfera após um equilíbrio dinâmico, e como a água é o mais poderoso agente estufa de longe no nosso planeta, o aquecimento disparado inicialmente pelo CO2 acaba sendo amplificado várias vezes. Além de absorver ondas longas, a água na atmosfera também consegue absorver ondas curtas devido aos modos de rotação da sua molécula. Somando-se a isso, com um maior aquecimento, menor tende a ser a cobertura de gelo na superfície terrestre, aumentando a absorção de radiação solar e em consequente maior aquecimento e geração de mais ondas longas de infravermelho. Esses fatores extras configuram um feedback positivo no processo de aquecimento global.

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           Nesse sentido, fica bastante claro o porquê de não podermos subestimar as baixas quantidades relativas de certos gases estufas no total circulante de massa de ar. E as maiores temperaturas também levam a um maior derretimento das geleiras e diminuição da reflexão solar, ou seja, mais feedback positivo favorecendo o aquecimento global.

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(7) Só lembrando, a atmosfera é composta majoritariamente dos gases oxigênio (O2, 21%) e nitrogênio (N2, 78%). Porém, nenhum dos dois absorvem as faixas de infravermelho emitidas pela superfície terrestre e, portanto, não contribuem para o efeito estufa. No entanto, o oxigênio absorve faixas no ultravioleta, fazendo parte do ciclo de formação de ozônio (O3) na estratosfera.
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      GASES ESTUFAS DE GRANDE IMPACTO

              E é interessante mencionar que seguindo o modelo do GWP, outros gases estufas são verdadeiros monstros em termos de contribuição para o aquecimento global. O GWP100 do hexafluoreto de enxofre, por exemplo, é de 22800! Já o tetrafluormetano apesar de ter um GWP20/100/500 menor, fica circulando na atmosfera por 50 mil anos antes de ser degradado, causando um estrago até maior do que o hexafluoreto de enxofre a longo prazo. Mas como esses gases estão em quantidades ínfimas na atmosfera, ainda não são motivo de significativa preocupação. Veja uma lista dos principais:

O gás carbônico, por padrão, é considerado como GWP 1; e apesar dos outros gases além do metano e dióxido de carbono estarem em quantidades muito pequenas na atmosfera, eles também contribuem para o efeito estufa de forma significativa e, portanto, também precisam ter suas emissões controladas (Adaptado de: IPCC)

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Ozônio e Óxidos de Nitrogênio: O tempo de existência do ozônio (O3) na troposfera varia com o local, ficando em uma faixa que vai de dias até 1 ano. Em altitudes maiores, esse gás costuma durar mais tempo. As fontes de óxidos de nitrogênio, como o óxido nitroso (N2O), vem do uso de compostos nitrogenados (como os nitratos) usados na agricultura e da queima de combustíveis fósseis (petróleo e carvão mineral). Com o aumento das lavouras, maior é a necessidade de nitrogênio para o bom crescimento das plantas e maior será a quantidade de óxidos de nitrogênio sendo lançados na atmosfera como subproduto*. O O3 é gerado via interferência antropogênica a partir de poluentes da queima de combustíveis fósseis e das mudanças no uso da terra, especificamente via oxidação fotoquímica de compostos contendo carbono reduzido como CH4 na presença de radicais reativos de óxidos de nitrogênio (NOx). Além de de ser um gás estufa (22% da força radiativa do CO2), diminuir o O3 atmosférico é importante para saúde humana: cerca de 1 milhão de mortes todos os anos são atribuídos à inalação desse composto (Ref.4).

Segundo um robusto estudo de análise isotópica em núcleos de gelo polares, publicado em 2019 na Nature (Ref.5), desde a segunda metade do século XX até o ano de 2005, houve um aumento substancial mas inferior a 40% na concentração de O3 na troposfera, o que bate com os modelos de simulação computacional de química atmosférica (25-50%), e uma contribuição extra na força radiativa (efeito estufa) de +0.33 W m-2, também corroborando os atuais modelos climáticos.

*Nas últimas duas décadas, as emissões de N2O têm aumentado globalmente devido ao uso cada vez crescente de fertilizantes nitrogenados voltados para a agricultura intensiva, especialmente no Leste da Ásia e na América do Sul. Entre 2000-2015 e 2010-2015, é estimado que houve um aumento global de  1.6 (1.4–1.7)TgN/ano nas emissões de N2O (aproximadamente 10% do total), com um expressivo aumento nas taxas de emissão observado a partir de 2009 (Ref.6).
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OBSERVAÇÃO.: Os gases estufas podem ter diversos outros efeitos diretos e indiretos na complexa química da atmosfera, os quais contribuem em várias extensões para as mudanças climáticas. Alguns, inclusive, podem até ajudar a esfriar o clima em certas situações. Para um estudo mais aprofundado sobre o assunto, sugiro a leitura do relatório do IPCC na Ref.7.

IMPORTANTEO dióxido de carbono (CO2), ou simplesmente 'gás carbônico', não é uma substância nociva, longe disso. Quase toda a base de vida do nosso planeta depende dele, na famosa fixação de carbono através da fotossíntese. Nossos blocos orgânicos (proteínas, DNA, carboidratos, etc.) vem do gás carbônico fixado pelos seres fotossintetizantes. Aliás, quando existe um aumento desse gás na atmosfera, até um certo limite, existe também um aumento na massa viva do planeta, por causa da maior quantidade de fotossíntese sendo realizada. O problema é o seu contínuo e crescente excesso na atmosfera.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1.  https://www.saberatualizado.com.br/2017/08/aquecimento-global-uma-problematica.html
  2. https://science.sciencemag.org/content/364/6444/932
  3. https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2019GL082635
  4. Malley, C. S. et al. (2017) Environ. Health Perspect. 125, 087021
  5. https://www.nature.com/articles/s41586-019-1277-1
  6. Schwartz, Richard D. (2012). GSA Today, v.22, no.1.
  7. https://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar5/wg1/WG1AR5_Chapter08_FINAL.pdf
  8. https://www.nature.com/articles/s41586-020-1991-8
  9. https://essd.copernicus.org/articles/12/1561/2020/
  10. https://gml.noaa.gov/ccgg/trends_ch4/
  11. https://www.nature.com/articles/d41586-022-00312-2