YouTube

Artigos Recentes

Espécie de levedura usada na indústria de alimentos causa doenças em humanos


Compartilhe o artigo:



          Em um estudo publicado esta semana no PLOS Pathogens (1), liderado pelo pesquisador Alexander Douglass da University College Kublin, na Irlanda, mostrou que uma levedura bastante comum e antes consideradas não-patogênica é, na verdade, da mesma espécie da Candida krusei, uma das principais causas de infecções no mundo e resistente aos medicamentos anti-fúngicos tradicionais.

- Continua após o anúncio -



   QUATRO NOMES

          As espécies patogênicas de Candida são leveduras ascomicetas que causam mais de 46 mil infecções invasivas apenas nos EUA, com uma taxa de mortalidade de 30%. A C. albicans é a mais comum e a mais extensivamente estudada, mas infecções não-albicans estão também se tornando cada vez mais comuns. As cinco espécies que mais causam candidíase no mundo - em ordem de prevalência - são a C. albicans (52% das infecções), C. glabrata (21%), C. tropicalis (14%), C. parapsilosis (9%) e C. krusei (2%). Entre essas espécies, a C. krusei é a menos estudada. Apesar de não ser comum na flora microbiana humana, essa espécie é às vezes carregada no intestino de indivíduos saudáveis, sendo já registrada em grande prevalência populacional (>30%) em uma comunidade Ameríndia, provavelmente adquirida a partir de alimentos ou do ambiente selvagem.



          Em 1980, alguns pesquisadores propuseram que a C. krusei seria a forma assexuada (anamorfa) de uma espécie cuja forma sexual (teleomorfa) seria a Pichia kudriavzevii, fazendo os dois nomes sinônimos. Essa proposta foi inicialmente feita com base em reassociação de DNA e testes de acasalamento, e mais tarde confirmada quando as sequências das regiões D1/D2 do DNA ribossômico 26S das cepas de C. krusei e P. kudriavzevvi foram descobertas de serem idênticas. Quando a P. kudriavzevii foi primeiro formalmente descrita em 1960, descobriu-se que ela era incapaz de conjugar ou esporular. A partir daí, diferentes cepas isoladas acabaram recebendo diferentes nomes na literatura científica de distintas espécies, com um já obsoleto (Issatchenkia orientalis) - mas sendo ainda usado por alguns laboratórios -,  P. kudriavzevii (cepa CBS5147) e C. krusei (cepa CBS573).

          Cepas isoladas da P. kudriavzevii são amplamente distribuídas na natureza. Elas são frequentemente encontradas em fermentações espontâneas e a espécie é usada para produzir vários alimentos tradicionalmente fermentados. Importante, essa levedura não é considerada um patógeno, sendo reconhecida em geral como segura pelo FDA (Agência de Drogas e Alimentos dos EUA) pelo fato de ser usada há séculos para a produção de produtos alimentares como cacau e mandioca fermentados na África, leite fermentado no Tibet e no Sudão, e bebidas alcoólicas na Colômbia. É usado também em culturas iniciais como fermento de pão e na produção de vinagre na China a partir do trigo, e possui potencial como probiótico. A P. kudriavzevii é excepcionalmente tolerante a estresses e têm crescido em importância no setor de biotecnologia para a produção de bioetanol, e ácido succínico - um reagente de alto valor subproduto da fermentação alcoólica. Também é utilizada para a produção industrial de glicerol, sob o nome de Candida glycerinogenes desde sua descoberta por Zhuge em 1973 e utilização em escala industrial na China - mais um nome, completando quatro distintos nomes para um fungo o qual claras evidências científicas já mostravam pertencer a uma única espécie.

          Aliás, é provável que os nomes P. kudriavzevii, I. orientalis ou C. glycerinogenes estão sendo utilizados nas últimas décadas pelo único motivo de que usar o nome de um patógeno para aplicações industriais que englobam o setor de alimentos traria uma carga negativa de segurança e confiança. E, coincidentemente, poucas investigações genéticas tinham sido levantadas até o momento para que se pudesse, conclusivamente, definir se essas são espécies diferentes, ou apenas uma única sob vários nomes (mais provável). Até o momento tinham sido conduzidas apenas sequenciamentos isoladas e incompletos de cepas da P. kudriavzevii e de uma cepa clínica isolada da C. krusei.

- Continua após o anúncio -



   QUATRO NOMES, UMA ESPÉCIE

          Nesse sentido, Douglass e colaboradores sequenciaram o genoma de 32 cepas clínicas (20 isoladas) e selvagens (12 isoladas) dessas desse fungo, englobando representantes das supostas quatro espécies. Os resultados mostraram, de forma conclusiva, que todas as cepas pertencem à mesma espécie, com os genomas das duas principais espécies supostamente distintas distintas - P kudriavzevii e C. krusei - possuindo 99,6% de sequências idênticas de DNA, virtualmente não existindo distinção genética entre elas. Além disso, todas as cepas mostraram níveis similares de resistência a drogas anti-fúngicas, incluindo a fluconazol - amplamente utilizada em todo o mundo -, flucitosina, anfotericina B e micafungina. Os achados fortemente sugerem que as cepas de P. kudriazevii usadas na indústria de alimentos e no setor de pesquisas possuem o potencial de causar doenças em humanos, e que muito cuidado precisa ser tomado ao usá-las para esses fins.

          Nesse sentido, os pesquisadores afirmam que o nome 'P. kudriavzevii' deveria ser o único nome que deve ser usado no futuro para esse fungo, este o qual mostrou pertencer ao gênero Pichia e à família Pichiaceae.



        Ainda de acordo com os pesquisadores, pode ser aconselhável considerar o uso de espécies não patogênicas do gênero Pichia como possíveis alternativas para algumas aplicações industriais e/ou limitar substancialmente o uso da P. kudriazevii no setor de alimentos. Trabalhadores e mesmo consumidores nesses setores podem estar expostos perigosamente a esses microrganismos.

       "Se eu sugerisse usar a Candida albicans resistente a drogas anti-fúngicas para fazer comida, eu seria imediatamente barrado," disse o Professor Ken Wolf, principal investigador do estudo. "Mas com a Candida krusei ninguém fala nada porque os fabricantes de alimentos dão um nome diferente para essa espécie."


(1) Publicação do estudo: PLOS Pathogens

Referência adicional: PLOS ONE (Magazine)