Por que as zebras e os pandas possuem padrões pretos e brancos tão únicos?
- Atualizado no dia 29 de maio de 2025 -
Desde plantas até os animais, as cores corporais são usadas para inúmeras funções, incluindo comunicação social e interação com parasitas, predadores e ambiente físico, e até mesmo como fator direto de proteção, como o pigmento melanina que, na nossa espécie em especial, protege a pele da ação dos raios ultravioletas do Sol (Melanina e UV).
O estudo das cores nos seres vivos é muito explorado no meio acadêmico, especialmente no campo evolucionário. Entender os fatores genéticos, epigenéticos e ecológicos por trás dos vários padrões de cores encontrados na natureza é essencial para a melhor compreensão do mundo natural. Nesse sentido, dois grandes mistérios da ciência têm persistindo desde a introdução da Teoria Evolutiva no século XIX: por que as zebras e pandas possuem seus distintos padrões preto e branco de coloração?
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ZEBRA E SUAS LISTRAS
Desde que os biólogos Alfred Russel Wallace e Charles Darwin primeiro debateram o porquê do padrão de listras pretas e brancas tão notável das zebras, há mais de 130 anos, muitas hipóteses foram propostas para explicá-lo: seria uma forma de camuflagem? Uma estratégia para confundir os predadores? Um mecanismo de controle de temperatura corporal? Um repelente natural de moscas? Um sinalizador social (acasalamento, identificação, etc.)?
Em 2016, o famoso pesquisador e ecologista evolucionário Timothy M. Caro - comumente referenciado como Tim Caro e professor na Universidade de Bristol, Reino Unido- publicou um livro intitulado Zebra Stripes (Listras das Zebra, na tradução), onde detalhou, passo a passo, o fascinante caminho que percorreu em suas pesquisas para encontrar a solução para esse mistério científico. Os resultados da sua pesquisa foram primeiro publicados em 2014 no periódico Nature Communications (Ref.1). Caro testou todas as hipóteses acumuladas ao longo das décadas no seu "habitat" de estudo na Tanzânia, África. E muitas das suas metodologias foram muito criativas e excêntricas:
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Tim Caro, em sua "fantasia" de zebra |
- criou modelos de tamanho real e feitos de madeira de espécies de equinos pintadas com diferentes padrões de cores para estudar efeitos de camuflagem;
- aproximava de bandos de zebras a pé para registrar seus comportamentos de fuga;
- e, em momentos de "normalidade científica", usou câmeras termográficas para medir o calor emanado de diferentes espécies.
Além dos estudos experimentais, o time de pesquisa liderado por Caro fez uma ampla revisão da literatura acadêmica explorando estudos que abordavam o comportamento e as características gerais das sete espécies de equídeos ainda existentes:
- Equus burchelli, E. zebra, E. grevyii (todas as três com proeminentes listras brancas e pretas - em outras palavras, as zebras);
- Burro-Africano-cinza - E. africanus - (possui finas listras na parte inferior das pernas);
- E. kiang, E. hemionus, E. ferus przewalskii (todas as três asiáticas e sem listras, com coloração cinza ou marrom);
- Subespécies também foram avaliadas e apresentaram também considerável variação de padrões de listras no corpo. Já o cavalo domesticado (E. ferus caballus) não foi considerado, por causa, obviamente, da intensa seleção artificial a qual foi submetido.
E dois fatos importantes já previamente estabelecidos na literatura acadêmica:
- humanos, em específico, acham objetos listrados em movimento difíceis de mirar com boa acuracidade em uma tela de computador;
- moscas tsé-tsé, moscas da família Tabanidae, entre outras, tendem a pousar menos em superfícies listradas de branco e preto do que em outras superfícies. Moscas que mordem são atraídas aos seus alvos pelo odor, temperatura, visão e movimentos, mas na hora do pouso, a visão parece ter grande importância. Mas o porquê delas evitarem listras brancas e pretas é incerto e era algo, até o estudo de Caro, não testado em animais.
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À direita, uma mosca-de-cavalo e, à esquerda, uma mosca tsé-tsé |
Com os resultados obtidos do seu trabalho de campo e uma revisão comparativa da literatura científica mostrando que as espécies e subespécies de equídeos listrados ocorriam onde moscas eram numerosas, Caro não teve dúvidas: as zebras exibem listras pretas e brancas porque esse padrão de coloração reduz as mordidas de moscas, como mutucas (família Tabanidae) e as moscas tsé-tsé (gênero Glossina). Nas duas figuras abaixo, esse achado fica mais claro.
Todas as outras hipóteses foram testadas e falharam, incluindo a noção que as listras poderiam confundir os predadores (como leões). Aliás, em relação à hipótese do controle de temperatura corporal, um estudo publicado em 2018 de forma independente na Scientific Reports aparentemente havia desbancado a potencial função termorreguladora (Ref.11). Essa hipótese defende que o distinto padrão de listras das zebras serviria para resfriar o corpo desses animais quando expostos diretamente ao Sol, onde o maior aquecimento sobre as listas pretas e menor aquecimento sobre as listras brancas (menor ou maior reflexão da luz solar) gerariam áreas de baixa e alta pressão do ar sobre a pele, levando à criação de pequenos vórtex de ar. O ar circulante a partir desses vórtex ajudaria, então, a baixar a temperatura sobre a pele das zebras. Porém, no estudo de 2018, os pesquisadores simularam diversas superfícies com diferentes padrões de cores, incluindo o padrão de listas das zebras, e as expuseram à radiação solar. Resultado? Nenhuma diferença de temperatura foi registrada além do aquecimento normal das partes brancas e pretas (!).
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(!) Porém, um estudo recente trouxe convincente evidência corroborando a hipótese da termorregulação. Mais à frente esse estudo será explorado.
> Aliás, sabia que as listras na pelagem das zebras são formadas por um sistema de reação-difusão teoricamente proposto por Alan Turing, o famoso herói da Segunda Guerra? Entenda: Quais são as contribuições teóricas de Turing na Biologia e na Química?
----------Além dos padrões de distribuição dos equídeos/moscas e rejeição das outras hipóteses, observações indiretas são também favoráveis à função "anti-mosca". Primeiro, a incidência de sangue de zebras nas moscas tsé-tsé é baixa, especialmente da espécie G. morsitans. Segundo, a incidência de tripanossomíase disseminada pelas tsé-tsé - manifestada em humanos como a Doença do Sono - é igual ou menor do que os outros mamíferos vivendo na mesma região, enquanto que os cavalos domesticados (sem listras) sofrem agressivamente dessa doença em várias partes da África.
Além disso, as zebras podem ter sido submetidas a uma maior pressão ambiental durante a evolução - no sentido de favorecer as listras - por causa das características dos pelos desses animais: são menos longos e grossos do que aqueles de outros equídeos, facilitando o ataque de moscas. E evitar um grande ataque de moscas pode carregar dois possíveis benefícios:
- Redução da perda de sangue: Nos EUA, cálculos mostram que, por dia, uma vaca pode perder entre 200 e 500 ml de sangue apenas pelas mordidas de moscas da família Tabanidae. Em um exemplo, na Pennsylvania, estudos já mostraram que o ganho de massa corporal é de quase 17 kg menor, na média, por vaca, após um período de 8 semanas na ausência de inseticidas prevenindo o ataque de moscas-do-chifre (Siphona), moscas-de-cocheira (Stomoxys) e moscas-de-cavalo (Tabanus). Já a perda de produção leiteira cai 139 kg por vaca anualmente no país apenas considerando a livre atividade das moscas-de-cocheira.
- Doenças: Certas doenças disseminadas pelas moscas que mordem, especialmente na África subsariana, como a influenza equídea, doença do cavalo africano, anemia equídea infecciosa tripanossomíase, são fatais e restritas aos equídeos. Considerando que as zebras são mais suscetíveis à transmissão dessas doenças, os padrões conspícuos e contrastantes das listras podem facilitar predação mas reduzir o risco de doenças letais, resultando no final um balanço positivo entre prejuízos e benefícios. Aliás, reforçando, esses equídeos exibem pelagem notavelmente curta, o que facilitaria o trabalho de moscas não fosse a aversão causada pelas listras.
Ambos os benefícios, ou apenas um deles, podem ter sido o fator ambiental determinante para a seleção das listras pretas e brancas cada vez mais proeminentes.
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> Atualmente, a vantagem evolucionária proposta (hipótese) com o mais robusto e amplo suporte científico para as listras das zebras é a redução do risco de mordida por moscas. Proteção contra moscas é provavelmente a função primária das listras. Aliás, o efeito das listras de repelir moscas já é hoje bem estabelecido. Por outro lado, o mecanismo ou causa exata para essa aversão das moscas em relação às listras não é ainda totalmente esclarecido.
> O efeito de repulsão das listras contra as moscas mais pronunciado ocorre a curta distância (<30 cm), mas a variação na largura das listras entre espécies distintas de zebras não parece influenciar nessa função. Essa variação interespecífica está potencialmente associada a outras pressões seletivas. Ref.15
> É altamente improvável que as listras das zebras servem como uma camuflagem contra predadores.
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MOSCAS DESORIENTADAS?
Um estudo publicado recentemente no periódico PLOS ONE (Ref.12), pesquisadores liderados pelo próprio Tim Caro analisaram as taxas de mordidas de moscas em três zebras e em nove cavalos monocromáticos vivendo em uma fazenda no Reino Unido. Nos cavalos monocromáticos, os pesquisadores também fizeram testes colocando ou uma cobertura ("pele" artificial) imitando o padrão de cores das zebras, ou uma cobertura totalmente branca, ou uma totalmente cobertura preta.
Os resultados do estudo mostraram que, curiosamente, as listras das zebras não afastavam as moscas mais do que os outros tipos de pelagem - tanto as zebras quanto os cavalos domésticos experienciaram a mesma taxa de moscas circulando em volta deles. Porém, quando o padrão preto-e-branco de listras estava presente, as moscas em geral falhavam em desacelerar, voando direto sobre o animal ou batendo neles.
De fato, as moscas estavam pousando na média 1/4 da taxa de pouso nos outros cavalos. E durante 5,3 horas de observação direta, os pesquisadores não viram nenhuma mosca da família Tabanidae pousando na pele das zebras, enquanto nos outros equídeos isso ocorreu 239 vezes durante um período de 11 horas de observação.
Além disso, nos testes envolvendo a cobertura artificial de cavalos com peles falsas pretas, brancas ou com listras pretas-e-brancas, apenas 5 mosquitos pousaram na pele de listras imitando as zebras, enquanto no mesmo período para as outras coberturas isso ocorreu 60 vezes. Já na cabeça descoberta dos cavalos, a taxa de pouso foi praticamente a mesma para todas as coberturas.
Nesse sentido, o estudo corroborou mais uma vez os trabalhos e conclusões prévias de Caro, mas sugeriu que as moscas não são espantadas pelas listras, e, sim, são desorientadas pelas listras, dificultando o pouso e alimentação desses insetos sobre a pele das zebras.
Nesse contexto, um estudo de 2022, publicado no periódico Journal of Experimental Biology (Ref.16) trouxe evidência de que as listras das zebras parecem desorientar as moscas a curta distância ao causar confusão no processamento visual desses insetos.
Porém, um estudo subsequente conduzido pelo time de Cairo (Ref.17) não encontrou evidência de disrupção óptica nas moscas causada pelas listras ou mesmo desorientação. Cairo et al. sugeriu que as listras das zebras simplesmente reduzem amplas faixas de pele/pelagem com coloração uniforme, essa última altamente atrativa para moscas a curtas distâncias. De fato, na parte experimental do estudo mais recente, padrões diversos de coloração em pelagens artificiais - além de listras - que reduziam ao máximo áreas homogeneamente escuras ou cinzas também se mostraram menos atrativas para mutucas.
ESPANTA MOSCA?
Embora as listras preto-e-branco das zebras possam talvez desorientar as moscas, existe forte evidência de que várias moscas são também pouco atraídas por essas listras, especialmente mutucas (Tabanidae) e moscas tsé-tsé (gênero Glossina). Existe um importante componente de aversão envolvido. Um estudo publicado em 2022 na Scientific Reports (Ref.18) trouxe evidência experimental mostrando que os padrões de aquecimento sobre as regiões pretas e brancas da pelagem das zebras - durante exposição solar - dificultam a detecção térmica efetiva de vasos sanguíneos pelas moscas fêmeas de tabanídeos. Isso sugere que mutucas preferem não aterrissar sobre a pelagem de zebras por causa da dificuldade de encontrar vasos sanguíneos.
Apesar do papel de "espanta" mosca das listras ser agora praticamente inquestionável, uma das hipóteses levantadas nas últimas décadas foi erroneamente desprezada por Caro e outros pesquisadores, por causa da metodologia falha sendo usada para testá-la. Um estudo publicado em 2019 no Journal of Natural History (Ref.13) trouxe forte evidência de que as listras nas zebras são também usadas para o controle da temperatura corporal desses mamíferos, detalhando pela primeira vez um novo mecanismo de como isso pode ser alcançado, envolvendo transpiração, criação de pequenas correntes de convecção e a não previamente registrada habilidade das zebras de deixarem eretos os pelos nas listras pretas.
O estudo é inédito em termos de investigar a hipótese do controle de temperatura nas zebras vivas e no habitat natural desses equídeos, algo antes não realizado. Os pesquisadores utilizaram para isso duas zebras (uma macho e uma fêmea) junto com uma outra zebra vestida em uma pele artificial de cavalo (controle), todas nativas do Quênia, África. Os dados obtidos no estudo revelaram uma significativa diferença de temperatura entre os dois tipos de listra que aumenta à medida que o dia fica mais quente nas savanas. Mas enquanto que nas zebras vivas essa diferença estabiliza após algumas horas, com as listras pretas ficando 12-15°C mais quentes do que as listras brancas, a pele de uma zebra falecida continua se aquecendo, chegando a um aquecimento extra de 16°C. Ou seja, isso mostra que não se pode levar apenas a pele da zebra como fator de análise nessa questão. Existe evidentemente outro mecanismo de resfriamento associado.
Como todas as espécies de equídeos, as zebra transpiram para se refrescarem. Estudos em anos recentes tinham revelado que a passagem do suor nos cavalos da pele para a ponta dos pelos é facilitada por uma proteína surfactante chamada de laterina, a qual também está presente nas zebras. Essa proteína aumenta a área superficial do suor e diminui sua tensão superficial, facilitando a evaporação da água associada e prevenindo o superaquecimento do animal. Nesse sentido, a diferença de temperaturas entre as listras da zebra formariam pequenos movimentos convectivos caóticos de ar dentro e logo acima das listras, que desestabilizariam o ar e o vapor de água na ponta dos pelos, facilitando ainda mais a dissipação de calor.
Ao mesmo tempo, a habilidade de eriçar os pelos pretos, mas mantendo os pelos brancos abaixados, facilitaria a transferência de calor da pele para a superfície da pelagem nas regiões mais aquecidas (escuras), facilitando também a penetração das correntes de ar sendo geradas. Durante as primeiras horas do dia, quando a temperatura ambiente é baixa, os pelos eriçados também atuariam, mas dessa vez prendendo o ar aquecido próximo da superfície da pele, como ocorre em outros mamíferos.
Assim, os três componentes - movimentos convectivos de ar, suor auxiliado pela laterina e eriçamento seletivo da pelagem - trabalhariam juntos como um mecanismo de resfriamento das zebras. Os autores também especularam que o ar instável associado com as listras pode também atuar ajudando a repelir as moscas que tentam pousar na pele das zebras, aliado ou não com mecanismos de desorientação visual (padrões pretos e brancos).
Como as zebras são obrigadas a passar a maior parte do dia pastando, debaixo de sol (savanas são ambientes abertos), os autores propuseram que o mecanismo de termorregulação seria o principal motivo das listras, com a ação de espantar moscas sendo algo secundário. Ambas as vantagens justificariam a seleção positiva de listras pretas e brancas (reforçando os movimentos de ar) nos ambientes mais quentes.
É provável que termorregulação seja uma função secundária das listras nesses equídeos.
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PANDAS: PRETO E BRANCO PARA CAMUFLAR?
Outro grande mistério na biologia recai no porquê do Panda-Gigante (Ailuropoda melanoleuca) ter seu típico e tão único padrão de coloração preta e branca. E quem parece ter resolvido esse mistério, mais uma vez, foi o Dr. Tim Caro e colaboradores, em dois estudos.
No primeiro estudo estudo, publicado em 2017 no periódico Behavioral Ecology (Ref.4), os pesquisadores sugeriram que a distinta coloração do Panda-Gigante possui funções de camuflagem e de comunicação. Para tal conclusão, os pesquisadores realizaram uma análise comparativa de cada parte da pelagem de um típico panda em relação aos padrões de coloração de 195 espécies carnívoras e 39 subespécies de ursos associadas com a linhagem evolutiva dos Pandas. Já no segundo estudo, publicado recentemente no periódico
CAMUFLAGEM
No primeiro estudo, os pesquisadores encontraram que a maior parte da pelagem do panda - rosto, pescoço, barriga e traseiro - é branca para ajudá-lo a se esconder em habitats de neve. Já os membros seriam pretos para ajudá-lo a se esconder nas sombras das florestas. Nesse caso, a coloração dualística com fins de camuflagem teria emergido como uma resposta à dieta quase exclusiva de bambu e inabilidade de digerir uma maior variedade de plantas.
Os pandas possuem uma dieta constituída de 99% de bambu (subfamília Bambusoideae), com o resto dos 1% compreendendo frutas, pequenos mamíferos e peixes. O grande problema é que seus sistema digestivo, mesmo auxiliado por bactérias em simbiose, só consegue digerir cerca de 17% da massa seca (com alta quantidade de lignina e celulose) e cerca de 27% de hemi-celulose. Além disso, a planta do bambu, em geral, é pobre em proteína e o seu trato digestivo é relativamente ineficiente para uma dieta carnívora, já que seus ancestrais são carnívoros (lembrando que o panda está dentro da ordem Carnivora). Com isso, esse mamífero precisa ingerir gigantescas quantidades de bambu - mesmo selecionando as partes mais nutritivas da planta, como os brotos -, e passa grande parte do dia comendo. Em uma média, um indivíduo adulto consome em torno de 12,5 kg de bambu por dia, defecando mais de 100 vezes pelo mesmo período.
Por causa da dieta, o panda é uma das poucas espécies de urso que não hibernam, já que não consegue armazenar suficiente gordura corporal para dormir durante o inverno, necessitando ficar ativo o ano inteiro, viajando longas distâncias e encarando diferentes tipos de habitats que vão de montanhas cobertas de neve até florestas tropicais. Exposto e ativo na maior parte do tempo, sua camuflagem preta e branca estaria ajudando-o a se proteger de predadores. Apesar de hoje esses animais praticamente não possuírem predadores naturais por causa de interferência antropogênica no ecossistema associado, em um passado longínquo provavelmente os pandas - e especialmente os filhotes - enfrentavam pressão muito maior de animais carnívoros de grande porte, como tigres (hoje raros no ambiente selvagem).
No segundo estudo, Dr. Cairo e seu time de pesquisa mostraram que a icônica coloração do panda-gigante é críptica no ambiente natural dessa espécie, e que o padrão preto-e-branco resulta em uma coloração disruptiva distância-dependente, reforçando que esses animais usam as cores do corpo para evitar detecção. Analisando fotos tiradas a várias distâncias (5-150 metros) no habitat natural, eles demonstraram que a pelagem do panda-gigante compartilha uma luminescência aparente (ex.: possui contrapartes similares) com o visual do ambiente natural. As partes pretas misturam-se com sombras escuras e troncos de árvores, fornecendo portanto camuflagem contra elementos escuros na cena visual, enquanto que as partes brancas misturam-se com as folhagem e neve (quando presente).
A variação de brilho no background ambiente explica o porquê do branco estar associado com a folhagem, a qual é coberta de neve durante o inverno e possui uma cutícula cerosa externa (causando luminosidade especular) durante o verão. Portanto, segundo os pesquisadores, é plausível que as partes brancas possam fornecer bom ocultamento em espaços iluminados de floresta mesmo sem neve, quando pequenas lacunas na cobertura de árvores permitem intensa luz penetrar na floresta. Além disso, colorações mais amarronzadas - e raras - desses animais (variações de padrão marrom-e-branco) correspondem bem à coloração do solo e de rochas no ambiente natural.
Por fim, o segundo estudo também derruba o mito de conspicuidade dos pandas-gigantes, ou seja, de que suas cores são drasticamente destacadas do ambiente natural. Apesar de a distâncias curtas, como ambientes de cativeiro (ex.: zoológicos), o panda-gigante pareça muito óbvio para humanos, essa espécie compartilha mais da metade das suas cores com o seu típico habitat natural. Em termos de similaridade com o background, os pesquisadores usaram uma técnica de mapeamento de cor para mostrar que o panda-gigante cai no mesmo grupo de várias outras espécies amplamente consideradas como camufladas.
COMUNICAÇÃO
Por outro lado, a coloração preta na cabeça do panda não é usada para se proteger de predadores, mas para o envio de sinais. As orelhas pretas podem ajudá-lo a expressar um senso de ferocidade, um alerta para predadores. Já a mancha preta em volta dos olhos pode ajudá-lo no reconhecimento de outros indivíduos da sua espécie ou mandar sinais de agressão para outros pandas competidores.
Além disso, um estudo de 2008 (Ref.10) trouxe consistente evidência de que esses animais conseguiam reconhecer as diferenças mínimas entre as marcas pretas em torno dos olhos de outros indivíduos. Nesse estudo, dois pandas jovens foram treinados para reconhecerem padrões geométricos de figuras elípticas e das marcas pretas oculares de outros pandas. Mesmo quando os pesquisadores modificavam minimamente as marcas, os dois pandas eram capazes de discriminá-las e também lembrar dessas discriminações após 6 meses a 1 ano. Esses resultados reforçam o propósito das marcas oculares dos pandas com o fim de reconhecimento individual, comunicação social e, talvez, escolhas de acasalamento.
OUTRAS EXPLICAÇÕES?
Outras hipóteses como regulação de temperatura corporal ou as manchas em volta dos olhos servindo como amenizadores de reflexo de luz do ambiente foram descartadas durante o estudo, por falta de evidências mínimas. Porém, como o estudo teve sua maior base a comparação de pandas com outros mamíferos carnívoros, pode ser que uma ou outra parte da coloração desses animais evoluiu para outros propósitos distintos ainda não óbvios para os pesquisadores.
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CONCLUSÃO
Enquanto que para as zebras suas listras possuem um claro propósito de deter o massivo ataque de moscas e muito provavelmente de termorregulação, os pandas-gigantes possuem o curioso padrão de coloração corporal para a função de camuflagem (natureza críptica e mecanismo disruptivo) e talvez de comunicação social.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- Caro et al. (2014). The function of zebra stripes. Nature Communications 5, 3535. https://doi.org/10.1038/ncomms4535
- https://www.ucdavis.edu/news/wildlife-biologist-earns-his-zebra-stripes-new-book/
- http://science.sciencemag.org/content/357/6350/eaan0221
- https://academic.oup.com/beheco/article-abstract/28/3/657/3058530/Why-is-the-giant-panda-black-and-white
- https://www.ucdavis.edu/news/why-pandas-are-black-and-white/
- https://www.washingtonpost.com/news/morning-mix/wp/2017/03/06/why-are-pandas-black-and-white/
- https://www.worldwildlife.org/species/giant-panda
- http://animaldiversity.org/accounts/Ailuropoda_melanoleuca/
- http://www.iucnredlist.org/details/712/0
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19014257
- https://www.nature.com/articles/s41598-018-27637-1
- https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0210831
- https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/00222933.2019.1607600
- Cairo et al. (2021). The giant panda is cryptic. Scientific Reports, 11, 21287. https://doi.org/10.1038/s41598-021-00742-4
- Tombak et al. (2022). Zebras of all stripes repel biting flies at close range. Scientific Reports 12, 18617. https://doi.org/10.1038/s41598-022-22333-7
- Mouy, H. (2025). Zebra stripes induce aberrant motion analysis in flies through aliasing. Journal of Experimental Biology, 228 (4): JEB249601. https://doi.org/10.1242/jeb.249601
- Caro et al. (2023). "Why don't horseflies land on zebras?" Journal of Experimental Biology, 226 (4): jeb244778. https://doi.org/10.1242/jeb.244778
- Takács et al. (2022). Sunlit zebra stripes may confuse the thermal perception of blood vessels causing the visual unattractiveness of zebras to horseflies. Scientific Reports 12, 10871. https://doi.org/10.1038/s41598-022-14619-7