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Existem baratas coloridas?

Figura 1. Barata da espécie Polyzosteria mitchelli. Foto: Dr. James Bickerstaff/@lessrof2weevils

- Atualizado no dia 10 de maio de 2024 -

           Quando falamos em baratas, logo vem na cabeça aquela clássica barata marrom, de tamanho médio e que adora passear pelos nossos banheiros. Chamada de barata-americana (Periplaneta americana), ela é uma das mais comuns do mundo, mas é apenas uma espécie dentro de pelo menos 4700 espécies conhecidas de baratas no nosso planeta - e alguns especulam que o real número é pelo menos duas vezes maior! Existem baratas com variadas formas, dimensões e cores (Fig.1), e habitando todos continentes, com exceção do Ártico e da Antártica. Apenas algumas poucas espécies (em torno de 30) são consideradas pestes urbanas. Esses insetos pertencem à ordem Blattodea - a qual também inclui os cupins (1) -, emergindo há aproximadamente 300-350 milhões de anos, no Carbonífero (Ref.1). Aliás, enquanto a maioria dos insetos são ovíparos (colocam ovos), as baratas exibem oviparidade e viviparidade (2), com diversas estratégias reprodutivas mais específicas entre as milhares de espécies (Ref.2).

 

Figura 2. Existe alta diversidade fenotípica entre as baratas, incluindo cores diversas, formatos diversos, presença ou ausência de asas, tamanhos que podem ir de alguns poucos milímetros até 9,7 cm de comprimento e 20 cm de envergadura de asas (no caso, a espécie Megaloblatta longipennis), e variados nichos ecológicos. As baratas são ecologicamente muito importantes como decompositores em diversos biomas, desde florestas até desertos.

Figura 3. Existe inclusive uma barata do gênero Prosoplecta - cujos membros habitualmente mimetizam besouros - que exibe notável mimetismo relativo à família Coccinellidae (joaninhas). Fotos: @mamekosato1. Ref.9-12

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(1) CURIOSIDADE: Cupins são baratas! Aliás, um estudo genômico comparativo publicado em 2018 na Nature Ecology & Evolution (Ref.3) detalhou a nível molecular como os cupins evoluíram eusocialidade a partir de baratas ancestrais, com esses insetos divergindo do restante das baratas modernas há cerca de 150 milhões de anos, no final do período Jurássico (Ref.4). A família Termitidae - compreendendo mais de 75% das atuais espécies de cupins - emergiu há ~54 milhões de anos, provavelmente na África ou na Ásia (Ref.4). Ao contrário das "baratas tradicionais", as quais são tipicamente solitárias e onívoras, os cupins são baratas que evoluíram uma estrutura social altamente estratificada, incluindo uma rainha, trabalhadores e soldados, além de se alimentarem comumente de madeira. Também em 2018, a Sociedade Entomológica da América oficialmente atualizou a classificação taxonômica dos insetos trazendo os cupins para a mesma ordem das baratas.


> Existem ~3 mil espécies descritas de cupins, insetos que representam alguns dos poucos grupos de animais que são capazes de digerir madeira e outros substratos lingnocelulósicos (rede supramolecular formada principalmente por complexos polímeros: lignina, celulose e hemicelulose). Esses insetos possuem um enorme impacto nos ecossistemas terrestres ao otimizar o ciclo global de carbono. Dentro de horas os cupins digerem 74 a 99% da celulose e 65 a 87% da hemicelulose através da microbiota intestinal simbiótica. Porém, esses insetos não comem apenas madeira como comumente é pensado: alimentam-se de matéria vegetal diversa em variados estágios de decomposição (húmus, folhas e outros detritos orgânicos no solo). E a alimentação [especializada] varia muito entre diferentes grupos de cupins, com várias espécies se alimentando primariamente de matéria orgânica nos solos. Notavelmente, o clado Macrotermitinae possui digestão auxiliada por fungos Termitomyces cultivados nos ninhos. Ref.13-14

> Aliás, um número de baratas fora do grupo dos cupins se alimentam de madeira, através de uma combinação de enzimas do hospedeiro e simbiontes intestinais incluindo flagelados celulolíticos e bactérias. Podemos citar como exemplos os gêneros Salganea, Panesthia e Cryptocercus. Ref.15-16

> O gênero Cryptocercus (Cryptocercidae) é um grupo-irmão dos cupins e exibe características de transição evolutiva entre baratas tradicionais e cupins: vivem em grupos familiares pequenos biparentais e sub-sociais - similar ao observado pelo início de uma colônia de cupins fundadas por um par macho-fêmea que cuida dos primeiros filhotes gerados (3). Além disso, baratas desse gênero vivem em e se alimentam de madeira apodrecida, similar ao observado na família basal de cupins Termopsidae. Ref.17

Figura 4. É proposto que cupins adultos - no caso soldados e trabalhadores nas colônias - seriam basicamente uma forma juvenil de baratas ancestrais. Como observado no exemplo da imagem, o terceiro estágio de ninfa da barata Cryptocercus punctulatus (A) é, no geral, similar ao corpo de um cupim adulto auxiliar da espécie Zootermopsis nevadensis (B). Barra de escala = 1,3 mm. Em (C), colônia de cupins da espécie Mastotermes darwiniensisRef.17

> Como madeira é intrinsecamente pobre em nitrogênio (até 0,015%), esse é um fator proposto para a redução de tamanho nos adultos de cupins da família Termopsidae - em comparação com baratas ancestrais - e a emergência de eusocialidade: menor necessidade de nitrogênio para o crescimento corporal e reciclagem de nitrogênio a nível de colônia. Essa limitação de nitrogênio também promoveu a evolução de uma alimentação mais diversa em outros grupos de cupins (ex.: consumo de matéria orgânica em solos), incluindo em cupins subterrâneos. Existe também parceria com bactérias fixadoras de nitrogênio no intestino de várias espécies de cupins. Ref.18

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            Entre as baratas mais coloridas e chamativas, temos a espécie Polyzosteria mitchelli. Nativa da Austrália, essa barata não possui asas e exibe uma coloração que mistura um brilhante amarelo e um azul pálido nas pernas com uma superfície dorsal marcada por iridescência (cor estrutural resultante de difração e variante com o ângulo de observação e incidência luminosa) azul/verde. Assim como outras espécies do gênero Polyzosteria, a P. mitchelli secreta um fluído pungente de glândulas no seu abdômen quando perturbada, composto por >90% de trans-2-Hexenal. Como sinal de distúrbio ou para atrair parceiros sexuais, a P. mitchelli também emite baixos sons de estridulação ao esfregar os segmentos torácicos. Energéticas escaladoras e de hábitos diurnos, espécies do gênero Polyzoasteria passam grande parte do dia se locomovendo em estruturas arborícolas, reduzindo dramaticamente de atividade apenas em épocas mais frias do ano. Parecem ter uma dieta onívora bastante diversificada.

 

Figura 4. Barata da Fig.1 Foto: Dr. James Bickerstaff/@lessrof2weevils

Figura 5. Espécime de P. mitchelli na Reserva Charles Darwin, Austrália. Foto: Ben Parkhurst/@ParkhurstBen

> Leitura recomendada: Qual a relação entre baratas e asma?


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://link.springer.com/article/10.1007/s13355-022-00810-9
  2. Wang et al. (2023). Advances in the understanding of Blattodea evolution: Insights from phylotranscriptomics and spermathecae. Molecular Phylogenetics and Evolution, Volume 182, 107753. https://doi.org/10.1016/j.ympev.2023.107753
  3. Bourguignon et al. (2015). The Evolutionary History of Termites as Inferred from 66 Mitochondrial Genomes, Molecular Biology and Evolution, Volume 32, Issue 2, February 2015, Pages 406–421. https://doi.org/10.1093/molbev/msu308
  4. Harrison et al. (2018). Hemimetabolous genomes reveal molecular basis of termite eusociality. Nature Ecology & Evolution 2, 557–566. https://doi.org/10.1038/s41559-017-0459-1
  5. Wallbank & Waterhouse (1970). The defensive secretions of Polyzosteria and related cockroaches. Journal of Insect Physiology, 16(11), 2081–2096. https://doi.org/10.1016/0022-1910(70)90081-8
  6. Spencer & Richards (2012). On the Polyzosteria trail - a cockroach of the tasmanian high country. The Tasmanian Naturalist 134.
  7. Richards & Spencer (2019). Notes on the ecology of the Tasmanian alpine cockroach Polyzosteria sp. Burmeister, 1838 (Blattodea: Polyzosteriinae) including parasitism by Gordian worms (Nematomorpha: Gordioida). The Tasmanian Naturalist 141.
  8. Henry et al. (2021). Polyzosteria cockroaches in Tasmania (Blattodea: Blattidae: Polyzosteriinae) represent a new, endemic species, with allopatric alpine and coastal sub-populations. Zootaxa 4926 (3): 384–400. https://doi.org/10.11646/zootaxa.4926.3.4
  9. https://twitter.com/doradoblatta/status/1323282864159510529
  10. https://twitter.com/DrRossPiper/status/1037067794066669568
  11. Roth, L. M. (1994). The beetle-mimicking cockroach genera Prosoplecta and Areolaria, with a description of Tomeisneria furthi gen. n., sp. n. (Blattellidae: Pseudophyllodromiinae). 
  12. Anisyutkin, L. N. (2013). A description of a new species of the cockroach genus Prosoplecta saussure, 1864 (Dictyoptera, Ectobiidae) from South Vietnam. Entomological Review, 93(2), 182–193. https://doi.org/10.1134/S0013873813020061
  13. Li et al. (2023). Molecular insights into the evolution of woody plant decay in the gut of termites. Science Advances, Vol. 9, No. 21. https://doi.org/10.1126/sciadv.adg1258
  14. Hellemans et al. (2022). Termite dispersal is influenced by their diet. PRSB Biological Sciences, Volume 289, Issue 1975. https://doi.org/10.1098/rspb.2022.0246
  15. Nalepa et al. (2008). Altricial Development in Subsocial Wood-Feeding Cockroaches. Zoological Science, 25(12), 1190–1198. https://doi.org/10.2108/zsj.25.1190
  16. Schwarz et al. (2023). Reevaluating Symbiotic Digestion in Cockroaches: Unveiling the Hindgut’s Contribution to Digestion in Wood-Feeding Panesthiinae (Blaberidae). Insects 14(9), 768. https://doi.org/10.3390/insects14090768
  17. Nalepa, C. A. (2011). Body Size and Termite Evolution. Evolutionary Biology, 38:243–257. https://doi.org/10.1007/s11692-011-9121-z
  18. Mullins et al. (2021). Soil organic matter is essential for colony growth in subterranean termites. Scientific Reports 11, 21252. https://doi.org/10.1038/s41598-021-00674-z