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Por que besouros Serra-Pau possuem antenas tão longas?

Figura 1. Besouro serra-pau adulto do gênero Coleoxestia, em Vespasiano, MG.

          Os cerambicídeos, popularmente chamados de "besouros serra-pau" ou "longicórnios", representam uma família de insetos da ordem Coleoptera caracterizados, em sua maioria, por antenas muito longas e mandíbulas fortes. Porém, a morfologia desses insetos é altamente variável e alguns até mesmo imitam vespas. Nesse contexto, os cerambicídeos são divididos em 8 subfamílias bem distintas. A subfamília Lamiinae é a maior, com cerca de 21 mil espécies. As subfamílias Lamiinae e Cerambycinae, combinadas, respondem por 90,5% de todas as espécies de serra-pau (Ref.1).

           Aliás, os cerambicídeos são uma das maiores famílias de besouros, com ~36-38 mil espécies descritas ao redor do mundo, agrupadas em quase 4 mil gêneros (Ref.1-4). Essas espécies só não são encontradas na Antártica e a maior diversidade é concentrada na região Neotropical - especialmente na Amazônia. Quase 60% de todos os cerambicídeos estão distribuídos nos Neotrópicos e na região Oriental (Ref.1). São insetos sensíveis às mudanças climáticas e desmatamento, e muitos táxons estão ameaçados de extinção.


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          Os cerambicídeos são polífagos - consumindo vários tecidos vegetais ao longo do ciclo de vida - e desempenham um papel indispensável nas cadeias ecológicas florestais devido à função desses insetos na reciclagem da madeira morta ou viva - contribuindo para o ciclo de minerais e nutrientes no solo - e, alguns táxons, como polinizadores secundários quando se alimentar de pólen e néctar na fase adulta.

          Material lenhoso é consumido primariamente pelas larvas desses besouros e exibem um amplo espectro de enzimas que degradam os polissacarídeos complexos na parede celular de plantas (ex.: celulose, hemiceluloses e pectina) (Ref.6). Adultos de várias espécies não se alimentam. Em outras espécies, adultos podem se alimentar de néctar, pólen, seiva e/ou casca de árvores.

 

Figura 2. Adultos e larva da espécie Trachyderes succinctus succinctus. Em (A), macho adulto. Em (B), fêmea adulta. À direita, larvas dessa subespécie: (C) visão dorsal e (D) visão lateral. Repare que as antenas do macho são bem maiores do que as antenas da fêmea. Barra de escala = 1 cm.

           Embora existam alegações de que adultos de algumas espécies são capazes de dar mordidas dolorosas caso provocados ou agarrados, são em geral inofensivos para humanos e não são agressivos. Machos usam as mandíbulas para mastigar alimentos (ex.: casca de árvores) e como arma de luta contra rivais (Ref.7).

           Por outro lado, quando são espécies invasoras, muitos besouros serra-pau podem causar significativos danos agrícolas e florestais, ao parasitar árvores saudáveis nativas, incluindo notavelmente espécies asiáticas do gênero Anoplophora (Ref.8-9). Danos extensivos no xilema e no floema pelas larvas podem causar a morte de árvores infestadas.

             Por exemplo, após eclodir de ovos depositados sobre a casca de árvores hospedeiras, os três primeiros estágios larvais do besouro-asiático (Anoplophora glabripennis) se alimentam apenas da camada cambial da árvore (Fig.3). Mas em seguida, a larva penetra mais profundamente no alburno e no cerne, onde se alimenta até a pupação. Após a pupação, o besouro adulto rói um orifício de saída de 10 a 15 mm de diâmetro para emergir da árvore hospedeira, alimentar-se de pecíolos foliares e da casca de árvores jovens, e finalmente encontrar um parceiro.

 

Figura 3. Estágios de vida do besouro-asiático: ovo (A), larva (B), pupa (C) e adulto (D). A espécie é nativa da China e da Península Coreana. Possui preferência em parasitar árvores do gênero Acer, popularmente conhecidas como bordos. Ref.8

          Quando o besouro-asiático invade novas regiões, o estrago pode ser grande, já que árvores nativas podem ser vulneráveis ao parasita exótico e predadores naturais podem ser insuficientes ou inexistentes para adequado controle biológico. E, de fato, esse besouro tem causado extensiva mortalidade de árvores na Ásia, América do Norte e América.

> A espécie Xylotrechus quadripes é uma grande preocupação agrícola onde é endêmica (Ásia), já que a árvore de café (cafeeiro) Coffea arabica é o principal hospedeiro desse besouro. Ref.10

> Algumas espécies podem ser vetores de patógenos que causam doenças em plantas, como besouros do gênero Monochamus, causando também grandes perdas ecológicas e econômicas. Ref.11

> Larvas de alguns cerambicídeos são espécies terrícolas que se alimentam externamente de raízes ou mesmo de detritos de plantas infestados de fungos. Mas xilofagia parece representar o ancestral comum de todos os besouros desse grupo, com predominância ou exclusividade de larvas que exploram tecidos lenhosos profundos de árvores em todas as subfamílias. Ref.6

> Alguns cerambicídeos adultos produzem sons com órgãos estridulatórios na região torácica que atuam no acasalamento, predação e defesa.


   Antenas Longas: Seleção Sexual?

            As antenas nos cerambicídeos - frequentemente excedendo o comprimento corporal nos machos - são órgãos sensoriais vitais desses insetos, com função primária olfativa. Os poros sensoriais (sensilas antenais) ao longo da antena permitem a detecção altamente eficiente de feromônios (parceiros sexuais) e de compostos voláteis emitidos por árvores hospedeiras. As antenas também possuem sensilas para a detecção de compostos gustativos, temperatura ambiente, água e sensações táteis (Ref.12).

          Nesse último ponto, as antenas muito longas parecem aumentar a chance de contato direto - com segmentos próximos da ponta exibindo alta sensibilidade tátil e química - a curta distância para a detecção de parceiros sexuais. Isso parece facilitar a busca de fêmeas pelos machos e melhorar a sinalização tátil durante interações de acasalamento e de cópula (Ref.6, 14). De fato, nos machos de algumas espécies, as antenas são até 5 vezes mais longas do que o próprio corpo do inseto e mais de 2 vezes mais longas do que as antenas das fêmeas. 

Figura 4. Fêmeas e machos de besouros serra-pau do gênero Anoplistes. (A, B): Anoplistes forticornis; (C, D): Anoplistes galusoi; (E, F): Anoplistes agababiani; (G, H): Anoplistes mongolicus; (I, J): Anoplistes tuvensis; (K, L): Anoplistes jacobsoni; (M, N): Anoplistes halodendri halodendri; (O, P): Anoplistes halodendri ephippiumRef.14

           O notável dimorfismo sexual nesses besouros em relação às antenas (Fig.4) é concordante com a hipótese de que o alongamento extremo das antenas filiformes (sem ramificações) em várias espécies é fomentado primariamente por seleção sexual. Machos são comumente observados andando em plantas hospedeiras com as antenas esticadas ao máximo, em busca de fêmeas. Reconhecimento de parceiros sexuais envolve contato direto entre a ponta da antena do macho e o corpo de uma fêmea, e machos com antenas mais longas provavelmente são capazes de encontrar e detectar fêmeas com mais facilidade.

          Apenas seleção natural para uma maior sensibilidade olfativa não parece explicar o alongamento exagerado da antena em vários táxons de cerambicídeos (Ref.14).

          Algumas espécies podem exibir ramificações na antena que aumentam a superfície de contato e a sensibilidade sensorial.


REFERÊNCIAS

  1. Rossa & Goczał (2020). Global diversity and distribution of longhorn beetles (Coleoptera: Cerambycidae). The European Zoological Journal, Volume 88, Issue 1. https://doi.org/10.1080/24750263.2021.1883129
  2. García et al. (2021). Diversity of longhorned beetles (Coleoptera: Cerambycidae) in the Caribbean region of Colombia: temporal variation between two fragments of tropical dry forest. Biota Neotropica, 21(3). https://doi.org/10.1590/1676-0611-BN-2020-1136
  3. Shi et al. (2023). Comparative mitochondrial genomic analysis provides new insights into the evolution of the subfamily Lamiinae (Coleoptera: Cerambycidae). International Journal of Biological Macromolecules, Volume 225, Pages 634-647. https://doi.org/10.1016/j.ijbiomac.2022.11.125
  4. https://jornal.usp.br/ciencias/estudo-desvenda-feromonios-de-besouros-serra-paus-do-brasil/
  5. https://publicacoes.unijorge.com.br/candomba/article/view/739
  6. Pauchet et al. (2021). Larvae of longhorned beetles (Coleoptera; Cerambycidae) have evolved a diverse and phylogenetically conserved array of plant cell wall degrading enzymes. Systematic Entomology. https://doi.org/10.1111/syen.12488
  7. Cirino et al. (2025). Functional Allometry of Sexually Selected Traits in Tetraopes tetrophthalmus Red Milkweed Beetles (Coleoptera: Cerambycidae). Journal of Morphology, Volume 286, Issue 8, e70075. https://doi.org/10.1002/jmor.70075
  8. Johnson et al. (2024). A review of non-microbial biological control strategies against the Asian longhorned beetle (Coleoptera: Cerambycidae), Environmental Entomology, Volume 54, Issue 4, August 2025, Pages 679–690. https://doi.org/10.1093/ee/nvae116
  9. Kim et al. (2025). Climatic suitability and spread potential of Anoplophora horsfieldii (Coleoptera: Cerambycidae), a newly identified non-native insect on Jeju Island, Korea. Scientific Reports 15, 10428. https://doi.org/10.1038/s41598-025-95652-0
  10. Pandey et al. (2022). An overview on possible management strategies for coffee white stem borer Xylotrechus quadripes Chevrolat (Coleoptera: Cerambycidae) in Nepal. Heliyon, Volume 8, Issue 9, e10445. https://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e10445
  11. Hu et al. (2016). Antennal transcriptome analysis of the Asian longhorned beetle Anoplophora glabripennis. Scientific Reports 6, 26652. https://doi.org/10.1038/srep26652
  12. Wang et al. (2025). Morphology and distribution of sensilla on the antennae and mouthparts of adult Monochamus saltuarius Gebler (Coleoptera: Cerambycidae). Frontiers in Insect Science, Volume 5. https://doi.org/10.3389/finsc.2025.1675406
  13. Haddad et al. (2023). Antennal Sensilla in Longhorn Beetles (Coleoptera: Cerambycidae), Annals of the Entomological Society of America, Volume 116, Issue 2, Pages 83–113. https://doi.org/10.1093/aesa/saac026
  14. French et al. (2025). Why the Long “Horns”? Fine-Scale Morphology Suggests Tactile Demands Contributed to the Exaggeration of Male Longhorned Beetle Antennae (Coleoptera: Cerambycidae). Ecology and Evolution, Volume 15, Issue 5, e71380. https://doi.org/10.1002/ece3.71380