Primeiro caso registrado de gêmeos idênticos entre cães
Entre os mamíferos (1), casos de gêmeos dizigóticos são bem comuns, ou seja, mais de um óvulo sendo fertilizado por diferentes espermatozoides, dando origem a filhotes com diferentes cargas genéticas em uma única gestação. Isso é facilmente observado em cães, gatos, coelhos, entre outros. Já gêmeos monozigóticos, ou idênticos, onde um único óvulo fertilizado por um espermatozoide dá origem a dois embriões, são eventos bem raros, sendo apenas relativamente comuns na espécie humana e um processo normal de reprodução no tatu-galinha ( Dasypus novemcinctus). Agora, foi confirmado o primeiro caso documentado de gêmeos idênticos nos cães, nascidos de uma cesariana feita em uma clínica veterinária na África do Sul.
O veterinário Kurt de Cramer identificou os gêmeos após fazer uma cirurgia de cesariana em uma cadela, a qual mostrava sinais de prolongadas dores abdominais e agonia durante o parto normal. Durante o procedimento, ele notou que dois dos 7 fetos estavam ligados por uma mesma placenta, algo que o fez desconfiar que isso poderia ser fruto de uma divisão embrionária monozigótica. Além disso, os filhotes retirados da cadela pareciam ser bem iguais, apenas com alguns pequenos sinais na pelagem diferentes (2). Rapidamente, ele contactou dois especialistas em reprodução, um na Universidade de Townsville, na Austrália, e o outro da Universidade de Petrória, na África do Sul. Ao examinarem o sangue de ambos os filhotes, houve a confirmação: eram gêmeos idênticos, e saudáveis! Após 6 semanas de idade, mais exames foram feitos e novamente confirmaram o achado, o qual foi descrito em um estudo publicado na Reproduction in Domestic Animals. (Ref.1)
Os gêmeos idênticos ganharam os nomes de Cullen e Romulus, e estão crescendo de forma saudável |
O nascimento de gêmeos idênticos na natureza são muito raros porque a grande maioria deles acabam compartilhando uma mesma placenta, algo que pode comprometer o desenvolvimento de um ou mais dos fetos. Nos humanos, por exemplo, cerca de 70% dos gêmeos idênticos compartilham a mesma placenta, fato este que aumenta os riscos de vários problemas surgirem. Isso ocorre porque o cordão umbilical de cada um dos fetos monozigóticos pode acabar sendo implantado em qualquer lugar da placenta, quando esta é única para ambos. Assim, deficiências e desbalanços no aporte sanguíneo podem surgir, comprometendo o desenvolvimento dos fetos. Em cavalos, já foram reportados fetos monozigóticos, mas os mesmos acabam morrendo durante a gestação por causa de problemas de transporte de oxigênio e nutrientes. Já no caso do tatu-galinha, mencionado no começo do artigo, o nascimento de gêmeos idênticos, e em quádruplos, é o padrão para a espécie, mas o processo só é comum para eles porque cada um dos fetos habitualmente compartilham uma única placenta.
O tatu-galinha se reproduz dando a luz para quatro gêmeos idênticos a cada gestação; essa espécie pode ser encontrada nos territórios da América do Sul, Norte e Central |
É válido lembrar também que isso não significa que esses sejam os primeiros cães monozigóticos na natureza. Eles foram os primeiros documentados. Outros podem existir pelo mundo e apenas não foram observados. Aliás, é até difícil dizer com certeza o quão raro são os gêmeos idênticos entre os mamíferos em geral, já que, obviamente, não ficamos fazendo testes genéticos para todos os nascimentos de gêmeos no ambiente selvagem. Mas, teoricamente, deve ser algo extremamente raro fora da população humana e de tatus-galinha.
CURIOSIDADE: O povo de Yoruba, no oeste da África, possui a maior taxa de nascimentos de gêmeos do planeta, em torno de 4,4% do total dos partos. Fatores genéticos parecem ser a principal explicação do fenômeno. Várias superstições e manifestações culturais desse povo, o qual engloba uma população com mais de 40 milhões de indivíduos, são influenciadas pela existência de tantos gêmeos (Ref.4). No geral, a incidência de gêmeos entre os humanos é algo em torno de 1 para cada 80 nascimentos. No caso específico de gêmeos idênticos é de 4 para cada 1000 nascimentos, possuindo uma distribuição de frequência constante ao redor do mundo. Ainda não se tem certeza sobre os mecanismos que levam à divisão espontânea do zigoto ( provavelmente na forma de blastócito) para a formação de gêmeos idênticos, sendo que isso pode ser fruto de um simples acaso induzido por fatores diversos ( algo que justificaria a distribuição homogênea e constante de casos dentro da população mundial).
(1) Apesar de muitos associarem automaticamente todos os mamíferos com uma placenta, nem todos os animais dessa classe possuem tal órgão. Os marsupiais ( como os cangurus) e os monotremados ( como os ornitorrincos) são duas ordens de mamíferos que não possuem uma placenta. No caso dos marsupiais, esse órgão é muito pouco desenvolvido para ser considerado uma real placenta por grande parte dos especialistas.
(2) Os gêmeos idênticos compartilham o mesmo material genético, mas como os genes presentes no mesmo podem ser expressados de forma diferenciada por causa de fatores epigenéticos/ambientais, algumas diferenças fisiológicas podem surgir. Isso é bem fácil de ser observado em gêmeos humanos que crescem em regiões bem distintas, fazendo com que diferenças físicas significativas entre eles surjam.
Créditos das imagens no artigo: Kurt de Cramer
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- http://onlinelibrary.wiley.com/wol1/doi/10.1111/rda.12746/abstract
- http://www.bbc.com/earth/story/20160830-first-identical-twin-dogs-discovered
- http://learn.genetics.utah.edu/content/epigenetics/twins/
- http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=8494133&fileId=S136905230000252X
- http://humupd.oxfordjournals.org/content/5/2/179
- http://www.gfmer.ch/Medical_genetics_education_research/pdf/Monozygotic_twinning_Hamamy_2009.pdf
- http://fetus.ucsf.edu/twin-pregnancy-complications