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Harmonia musical é universal?



        Um estudo publicado na Nature desafiou a crença no meio acadêmico de que o gosto musical possui uma maior base biológica do que cultural, e reforçou a crença contrária de etnomusicólogos e compositores musicais. Analisando gostos musicais do povo Tsimane - os quais estão isolados das influências musicais do ocidente e que possuem estilos musicais bem diferentes dentro dos grupos em comparação com o resto do mundo globalizado -, foi mostrado que os Tsimanes não tinham preferências por notas musicais normalmente apreciadas pela maioria ou odiadas pela maioria ocidental. Na verdade, eles mostraram gostar de ambos os padrões de "aceitação" e "não aceitação".

          Esse achado contradiz um relativo consenso científico de que as combinações de notas musicais são percebidas diferencialmente entre as pessoas (quanto à apreciação) por causa de padrões biológicos conservados no sistema auditivo. Basicamente, existem certos arranjos de harmonia musical consonantes (apreciadas pela maioria e tidas como acordes estáveis) e músicas dissonantes (rejeitadas pela maioria e tidas como acordes instáveis), e isso já é algo conhecido desde a Grécia antiga. Certas construções de notas musicais parecem criar uma harmonia ruim, e outras parecem criar uma harmonia agradável. Estudos cognitivos ao longo dos anos já haviam criado explicações para o fenômeno, citando relações matemáticas entre as frequências musicais e padrões de interferência acústica que irritariam o sistema neural humano. Porém, o novo estudo coloca em xeque essa ideia de 'exclusividade musical'.

O povo Tsimane vive em regiões isoladas na Bolívia, as quais englobam também as áreas de floresta amazônica; eles possuem sua própria língua e sobrevivem da caça, pesca e agricultura familiar


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          Resumidamente, o novo achado implica que culturas diferentes criam uma percepção diferenciada sobre as preferências de harmonia musical, algo que já era defendido por vários estudiosos da área. Os Tsimanes, por exemplo, durante o estudo de campo, mostraram apreciar tanto as notas consonantes quanto as dissonantes típicas da cultura ocidental, possivelmente por serem bem diferentes das melodias criadas por eles. Ou seja, pode ter ocorrido uma ausência de preconceito musical por faltar uma referência de tendências. E aqui é válido mencionar Arnold Schoenberg (1874-1951), um dos compositores mais influentes do século XX, e amante das notas dissonantes. Ele pregava que os conceitos de 'dissonância' e 'ressonância' na música eram apenas uma convenção, sendo que qualquer um podia amar ambas as construções se existisse persistência e paciência em dissecá-las. Isso foi uma resposta a muitos que odiavam suas construções musicais. Por outro lado, alguns cientistas preferem ficar no meio termo, defendendo que as bases biológicas e culturais cumprem igual importância em moldar percepção de harmonia musical.

Arnold Schoenberg, um grande defensor dos acordes dissonantes

    
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