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Vale a pena investir na suplementação com colágeno?

- Atualizado no dia 2 de abril de 2019 -

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         A suplementação com colágeno está se tornando cada vez mais popular, fomentada principalmente pelo marketing agressivo que promete milagres no rejuvenescimento da pele e diversos outros benefícios que visam desde o sistema ósseo até o sistema muscular, incluindo especialmente a amenização de sintomas associados com a osteoartrite. Porém, existe uma certa distorção em relação ao processo humano de digestão dos nutrientes, algo que potencialmente limita possíveis ações terapêuticas dos suplementos de colágeno. 

        De acordo com as empresas de suplementos alimentares e um número de estudos clínicos, consumir uma determinada quantidade diária de colágeno puro aumenta a disponibilidade e a incorporação desse nutriente no nosso corpo. Com isso, problemas como estrias, pele frágil, cabelos fracos, entre outros, podem ser prevenidos e/ou minimizados. Isso porque o colágeno, a proteína mais abundante do nosso organismo, é constituinte estrutural de maior importância na pele, no cabelo e em outros tecidos diversos. Aliás, após os ~25 anos de idade, a pele começa a perder mais colágeno do que sintetiza, o que acaba levando à emergência de rugas e envelhecimento geral da pele. Mais colágeno disponível deixaria as estruturas corporais dependentes dessa proteína mais fortalecidas e com menos irregularidades. Porém, existe um aparente problema inicial nessa lógica.


        O colágeno que você ingere não é absorvido diretamente pelo corpo. Como quase toda proteína, ela é digerida pelo estômago e intestino para depois poder ser assimilada na forma dos seus constituintes básicos, os aminoácidos e algumas porcentagens de di e tri-peptídeos (dois ou três aminoácidos ligados) (!). E mesmo se não fossem digeridas, as gigantescas proteínas do colágeno não conseguiriam passar pela membrana das células de absorção. Ou seja, o que você vai tirar do colágeno puro é um bando de aminoácidos que poderiam ter vindo de qualquer outra fonte proteica de qualidade, como ovos, leite, soja e carnes. Somando-se a isso, as proteínas do colágeno são formadas por poucos tipos de aminoácidos, sendo muito deficiente nos essenciais. No geral, o colágeno é uma proteína formada por uma sequência de três aminoácidos (Gli-X-Y) em repetição na sua cadeia, onde o 'Gli' é a glicina, o X normalmente é a prolina e o Y ou é a hidroxiprolina ou a hidroxilisina. Em outras palavras, o colágeno é uma proteína nutricionalmente pobre. Portanto, se a sua dieta é saudável, variada e farta, provavelmente não existe necessidade de suplementação, já que o próprio corpo produz a quantidade de colágeno que você precisa se tiver matéria-prima para tal. 

A complexa molécula do colágeno será quebrada em seus constituintes aminoácidos pelo estômago

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(!) Apesar da maior parte das proteínas serem quebradas no final da digestão apenas em aminoácidos unitários, di e tri-peptídeos podem permanecer resistentes à ação das enzimas. O intestino consegue absorvê-los através de uma classe de transportadores chamados de PEPT-1 ou PEPT-2. A absorção desses peptídeos é limitada ao tamanho de três aminoácidos. Quatro ou mais aminoácidos unidos são barrados pela superfície das células. Proteínas e peptídeos: moléculas orgânicas formadas pela ligação entre aminoácidos.
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         Por outro lado, sabe-se que a ingestão de colágeno hidrolisado (gelatina, por exemplo) produz quantidades maiores do que o normal de di e tri-peptídeos no sistema digestório, os quais podem ser absorvidos pelo intestino através dos transportadores PEPT-1. De fato, as quantidades desses peptídeos no sangue após o consumo de colágenos de fácil digestão são comprovadamente maiores do que o consumo de qualquer outra fonte proteica. É proposto, em certos estudos (Ref.16), que esses compostos, quase sempre formados com uma hidroxiprolina (uma das formas estruturais do aminoácido prolina), agem induzindo o corpo a produzir maior quantidade de colágeno, melhorando a aparência, elasticidade e hidratação da pele. Mesmo não existindo um consenso científico sobre a questão, existem evidências limitadas de suporte oriundas de estudos isolados. É também sugerido (Ref.23) que os peptídeos do colágeno ingeridos via alimentação regulam citocinas na pele - ampla categoria de proteínas de baixo peso molecular envolvidas na sinalização celular -, incluindo fatores de crescimento, citocinas inflamatórias e quimiocinas, estes os quais possuem um papel importante no envelhecimento da pele.

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         Alguém também poderia argumentar que comendo o colágeno puro em adição a uma dieta saudável aumentaria as quantidades de aminoácidos usados pelo corpo para produzir mais colágeno e deixar, por exemplo, sua pele mais resistente do que ela normalmente é. Mas não existe prova científica de que o corpo produz e utiliza mais desta proteína do que já é programado apenas pelo simples fato de existir mais aminoácidos específicos disponíveis. Indivíduos que alegam grandes benefícios com o consumo de colágeno é porque, provavelmente, possuem uma dieta com deficiência proteica (o que não é incomum entre pessoas que se submetem a dietas muito restritivas com o objetivo de emagrecimento rápido). Nesse caso, aumentar a quantidade de consumo proteico via colágeno, por exemplo, irá, obviamente, melhorar a saúde geral do corpo.

           Outro problema é que não existem suficientes estudos de revisão sistemática e meta-análises da literatura científica para corroborar substanciais efeitos benéficos do colágeno, mesmo em pessoas com uma dieta saudável. Grande parte dos estudos clínicos investigando o potencial terapêutico e de benefícios em geral do colágeno são financiados por empresas de suplemento, ou seja, envolvimento de conflito de interesses. Mesmo nos estudos patrocinados, os resultados positivos obtidos frequentemente não são muito relevantes, além das formulações nos suplementos comumente trazerem outros nutrientes e ingredientes, não sendo possível afirmar se o colágeno, em específico, teve algum papel significativo nos resultados. 

          E mais: os autores dos estudos clínicos potencialmente enviesados quase nunca conferem se a ingestão proteica dos participantes é ideal durante os experimentos, além de não informarem o que é fornecido nos grupos de controle. Seria interessante, por exemplo, comparar resultados entre ingestão de aminoácidos que compõem a proteína do colágeno, e o colágeno em si. Aí, sim, teríamos resultados mais confiáveis. Infelizmente, nenhum estudo do tipo parece existir, apenas marcas se promovendo. Muitos dermatologistas e especialistas da área dizem que comer colágeno é, na prática, o mesmo que ingerir outras fontes proteicas que possuem os mesmos aminoácidos.

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> Um estudo de revisão publicado em 2016 na Scielo mostrou que a suplementação com colágeno hidrolisado possui resultados positivos na amenização dos sintomas da osteoporose e osteoartrite (os ossos são formados por cerca de 50% de colágeno). Mas, novamente, nos papers de estudos clínicos revisados, não fica claro como é a dieta padrão dos participantes e o que era dado para os grupos de controle, com exceção de um dos trabalhos (mas este usava participantes sob uma relativa baixa ingestão proteica diária) (Ref.19). Ou seja, eram estudos de baixa qualidade. De qualquer forma, é uma evidência científica favorável, embora limitada, ao colágeno. Ref.20

> Uma revisão sistemática e meta-análise publicada no periódico BMJ (Ref.27) encontrou evidência positiva ligada à suplementação com colágeno hidrolisado para o tratamento de osteoartrite, porém reforçou que os estudos elegíveis para análise eram em geral de muita baixa qualidade. É mais uma revisão reforçando que boa parte os estudos disponíveis sobre a suplementação com colágeno não possuem boa metodologia clínica de investigação.
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          Se você quer uma pele mais bonita, mantenha seu corpo sempre hidratado, pratique exercícios físicos regularmente e coma com qualidade, evitando o fumo e o consumo alcoólico. Irá gastar menos e terá resultados positivos que irão além da estética. E lembre sempre: seu corpo é um maquinário muito complexo e que precisa de diversas combinações de nutrientes para executar qualquer ação; não é somente uma ou outra substância que irá te trazer benefícios imediatos, independente do quão forte são as propagandas em cima do produto. E preste atenção no consumo adequado de proteínas, algo comumente ignorado e prejudicado durante regimes alimentares de restrição calórica. Os aminoácidos das proteínas, não importando a fonte alimentar (ex.: vegetal ou animal), são a base estrutural do corpo. Ou seja, inclua sempre que possível na dieta carnes, ovos, laticínios, soja, arroz, feijão, entre outras boas fontes proteicas.

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Conclusão: Existem evidências limitadas de que o consumo de colágeno (especialmente o hidrolisado) pode ser benéfico para a pele, entre outros tecidos do corpo, porém não existe sólida suporte científico. Além disso, a maioria dos estudos não deixam claro como é a dieta proteica dos participantes nos grupos de intervenção e de controle. Caso exista deficiência proteica, os resultados positivos com o uso do colágeno hidrolisado fica fácil de ser explicado além do "poder especial" da suplementação. De qualquer forma, excetuando-se casos específicos de alergia alimentar, o consumo extra de colágeno não é prejudicial ao corpo, mas não espere milagres.


IMPORTANTE: Fique de olho antes de comprar suplementos alimentares, porque muitos produtos podem trazer contaminantes perigosos. Para saber mais, acesse: Suplementos alimentares: basta comprar e consumir?
 
> O mesmo raciocínio em relação ao colágeno como suplemento alimentar é válido para o consumo da proteína queratina, também vendida como suplemento alimentar e prometendo reforçar as unhas e cabelo (a queratina é o principal constituinte de ambos).


REFERÊNCIAS
  1. http://www.japantimes.co.jp/news/2009/01/09/national/collagen-skin-deep-in-myth/#.Vr4pdsuGNUx
  2. http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.3109/14764172.2013.854119
  3. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1063458412007868
  4. http://www.beautyscoop.com/_pdf/NutritionandFoodSciencesJournalArticle.pdf
  5. http://online.liebertpub.com/doi/abs/10.1089/jmf.2014.0100
  6. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1567576912003633
  7. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23949208
  8. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4206255/ 
  9. www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK22600/
  10. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18668438
  11. http://www.efsa.europa.eu/sites/default/files/scientific_output/files/main_documents/2291.pdf
  12. http://webprod.hc-sc.gc.ca/nhpid-bdipsn/atReq.do?atid=hydrolized.collagen&lang=eng
  13. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK21582/
  14. http://link.springer.com/article/10.1007/s00403-008-0888-4
  15. http://www.karger.com/article/fulltext/351376
  16. www.karger.com/Article/Abstract/355523
  17. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jocd.12174/full#jocd12174-bib-0027
  18. http://www.omicsgroup.org/journals/an-oral-supplementation-based-on-hydrolyzed-collagen-and-vitamins-improves-skin-elasticity-and-dermis-echogenicity-a-clinical-placebocontrolled-study-2167-065X-1000142.php
  19. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jocd.12174/full 
  20. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19465192
  21. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1809-98232016000100153
  22. https://www.nytimes.com/2018/08/24/well/live/do-collagen-supplements-help-skin-hair-nails-and-joints.html
  23. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5742730/
  24. https://medlineplus.gov/druginfo/natural/1051.html
  25. https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/19390211.2018.1461726
  26. https://academic.oup.com/rheumatology/article/57/suppl_4/iv75/4916021
  27. https://bjsm.bmj.com/content/52/3/167.abstract