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O termo "acidente vascular cerebral" (AVC) é inadequado e deveria ser abandonado?

Acidente vascular cerebral (AVC), acidente vascular encefálico (AVE) ou derrame fazem referência ao mesmo evento cardiovascular adverso. Em inglês, o termo comumente usado na literatura médica e pelas agências de saúde é stroke (derrame), mas é ainda frequente o uso do termo cerebrovascular accident (acidente cerebrovascular).

O derrame é definido como uma interrupção do fluxo sanguíneo para o encéfalo, ocasionando danos na função neurológica. É a principal causa de incapacidade a longo prazo e a segunda maior causa de mortalidade no mundo.

O principal fator de risco para o desenvolvimento do AVE é a hipertensão (1). Outros fatores de risco modificáveis incluem fumo, atividade física insuficiente, obesidade, colesterol sanguíneo alto e dieta pouco nutritiva.

Nesse contexto, derrame é a terceira condição mais prevenível para incapacidade em adultos ao redor do mundo (Ref.2).

Mas existem fatores de risco que não podem ser modificados, incluindo fatores genéticos, e vários casos com etiologia desconhecida (derrame idiopático) (2). Certas doenças também aumentam de forma significativa o risco de derrame, como anemia falciforme e doenças cardíacas.

Pode ocorrer em qualquer idade, inclusive nas crianças, mas costuma ser mais frequente em idosos e pessoas com problemas cardiovasculares. Quanto mais velho você é, maior é a chance de um derrame, com o risco dobrando a cada 10 anos após 55 anos de idade (Ref.1). Mas várias pessoas com menos de 65 anos também sofrem um derrame. 

Porém, a incidência na população mais jovem, e de derrames prematuros em geral (<55 anos de idade), vem crescendo (Ref.2). Cerca de 1 em cada 7 casos de derrames ocorrem em adolescentes e jovens adultos com idades de 15 a 49 anos (Ref.1). Especialistas acreditam que a tendência de aumento na incidência de derrame na população mais jovem é causada pela prevalência cada vez maior de obesidade, hipertensão e diabetes nesse grupo.

O derrame é classificado como hemorrágico ou isquêmico (Fig.1). O isquêmico é o mais frequente (80% dos casos) e mórbido e sendo causado pela obstrução ou redução do fluxo sanguíneo em uma artéria cerebral, resultando em falta de circulação no seu território vascular.

O derrame hemorrágico é mais raro, resultando, entretanto, em maior mortalidade. É causado pela ruptura espontânea (não traumática) de um vaso, com extravasamento de sangue para o interior do cérebro (hemorragia intracerebral), para o sistema ventricular (hemorragia intraventricular) e/ou espaço subaracnóideo (hemorragia subaracnoide).


Figura 1. No AVC isquêmico, um coágulo bloqueia o fluxo sanguíneo para uma área do cérebro. No AVC hemorrágico, o sangramento ocorre dentro ou ao redor do cérebro. O derrame é mais comum na população feminina (afeta mais mulheres do que homens).

Neste ponto, é relevante apontar que alguns especialistas recomendam o abandono do termo 'acidente cerebral vascular ou encefálico' (cerebrovascular accident). O problema em particular seria com a palavra 'acidente'.


Quando AVC ou AVE é usado para fazer referência ao derrame, teríamos implícito que o derrame é, como regra, um "acidente" (dando a ideia de algo inevitável ou sempre inesperado) ou fruto necessário de uma lesão traumática no cérebro, ao invés de um evento potencialmente prevenível e com causas conhecidas em muitos casos.

Esses especialistas inclusive argumentam que o termo é "não-científico, não-diagnóstico e não-específico", podendo contribuir para reduzir os esforços de conscientização pública sobre medidas de prevenção (Ref.3).

Aparentemente, iniciativas na comunidade médica para o abandono do termo datam de meados de 1970. 

Por outro lado, aqui no Brasil, discussão similar parece ser pouco relevante ou inexistente. Aliás, existe orientação comum entre os profissionais de saúde aqui no país para o uso técnico do termo AVE, mas uso do termo AVC durante interação direta com o público ou pacientes - devido à grande popularidade do termo.


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REFERÊNCIAS

  1. https://www.cdc.gov/stroke/risk-factors/index.html
  2. Hassan et al. (2024). Predictive modelling and identification of key risk factors for stroke using machine learning. Scientific Reports 14, 11498. https://doi.org/10.1038/s41598-024-61665-4
  3. Potter et al. (2022). A Contemporary Review of Epidemiology, Risk Factors, Etiology, and Outcomes of Premature Stroke. Current Atherosclerosis Reports 24, 939–948. https://doi.org/10.1007/s11883-022-01067-x
  4. Donnan et al. (2024). Stroke Is Not an Accident: An Integrative Review on the Use of the Term Cerebrovascular Accident. Neuroepidemiology 1–9. https://doi.org/10.1159/000542301
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK430927/