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Qual é o real papel da insulina no controle da hiperglicemia?

 
- Atualizado no dia 31 de novembro de 2022 -

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          Quem sofre com a diabetes, seja tipo 1 ou tipo 2, sabe que a administração de insulina é crucial para uma melhor qualidade de vida ou mesmo para garantir a sobrevivência. A ação da insulina, a partir de fonte exógena ou endógena, é amplamente conhecida pela população, profissionais e não-profissionais de saúde: reduzir os níveis de glicose circulante no sangue. Porém, existe uma confusão comum sobre qual é exatamente o papel da insulina nesse processo. Afinal, as células do nosso corpo são dependentes da insulina para captarem e metabolizarem a glicose?

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   PÂNCREAS E A INSULINA

          O pâncreas, localizado atrás do estômago e dentro da cavidade abdominal superior esquerda, possui papel crucial na regulação da digestão e assimilação de macronutrientes e, portanto, na homeostase do metabolismo/energia, ao liberar várias enzimas digestivas e hormônios pancreáticos. A maior parte desse órgão consiste de células exócrinas que secretam o suco pancreático contendo enzimas digestivas, como amilase, lipase pancreática e tripsinógeno, através de dutos conectados diretamente ao intestino delgado. Em contraste, os hormônios pancreáticos são liberados de uma forma endócrina, ou seja, direto na circulação sanguínea.


          As células endócrinas são agrupadas juntas, formando portanto as assim chamadas ilhas de Langerhans, as quais são pequenas estruturas similares a ilhas dentro do tecido pancreático exócrino, representando apenas 1-2% de todo o órgão. Existem cinco diferentes tipos de células liberando vários hormônios a partir do sistema endócrino: células-alfa produzindo glucagon (15-20% do total de ilhas); células-beta produzindo amilina, C-peptídeo e insulina (65-80%); células-gama, produzindo somatostatina (3-5%); células-δ, produzindo polipeptídeo pancreático (PP) (3-10%); e células-ɛ, produzindo grelina (<1%). E cada um desses hormônios possuem funções distintas.

          O glucagon aumenta os níveis circulantes de glicose no sangue, enquanto a insulina os diminui. A somatostatina inibe a liberação de ambos (glucagon e insulina), enquanto o PP regula a atividade de secreção exócrina e endócrina do pâncreas. Juntos, esses hormônios basicamente regulam a homeostase de glicose nos vertebrados, os quais compartilham um órgão pancreático similar em termos de composição celular. Essa ação conjunta, particularmente do glucagon e da insulina, mantém os níveis sanguíneos de glicose dentro de uma estreita faixa de 4-6 mM e controla a utilização e a conservação de energia durante os estados de alimentação e de jejum.

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    TRANSPORTE DE GLICOSE

          Um erro bastante difundido é a ideia de que para a glicose no sangue entrar nas células dos diferentes tecidos do corpo seria necessário a sensibilização pela insulina, e que, portanto, seria esse o motivo de existir um acúmulo de glicose no sangue na sua ausência ou drástica redução.


        A membrana plasmática das células é composta por uma dupla camada lipoproteica, a qual é bastante seletiva com o que entra e sai. A glicose, assim como outros nutrientes solúveis em água, necessita de transportadores de glicose - em especial a família de proteínas GLUT - para conseguir entrar no interior celular. Muitos pensam que esses transportadores, no caso da glicose, só são ativados com a presença da insulina, mas existem diversos deles que permitem a entrada desse carboidrato apenas pelo simples gradiente de concentração. Ou seja, se existe muito pouca glicose dentro das células, e mais no sangue, esse carboidrato irá entrar para o citoplasma, independentemente da presença de insulina. De qualquer forma, esse hormônio acelera o transporte de glicose para dentro das células, através do transportador GLUT 4. Porém, as células do corpo não ficariam desabastecidas de glicose caso a insulina desaparecesse. A mesma lógica também se aplica a outros nutrientes solúveis em água, como os aminoácidos. Aliás, é importantíssima a expressão de outros transportadores de glicose independentes de insulina para a segurança do sistema nervoso central e para a atividade das hemácias no sangue, altamente dependentes de glicose para o funcionamento normal.
          
         Apesar da insulina aumentar o transporte de glicose para dentro das células através do GLUT4, o gradiente de concentração possui papel bem mais relevante na maior parte dos casos, porque existem mais 13 outros transportadores passivos disponíveis nas membranas plasmáticas (GLUT1... GLUT14), especialmente o GLUT1. Além de transportar glicose, essas proteínas também permitem a passagem para o interior das células de outros substratos similares, como galactose, manose, glucosamina, frutose, ascorbato, xilose e íons uratos. As diferentes isoformas de GLUTs - as quais compartilham várias características estruturais - podem ser divididas em três classes de acordo com a homologia de sequências: classe I (GLUT1-4), classe II (GLUT5, 7, 9, 11) e classe III (GLUT6, 8, 10, 12, 13). Estudos têm explorado em detalhes apenas os transportadores GLUT1-5, e sabemos relativamente pouco sobre os outros 9 transportadores.

1. GLUT1: Presente em todos os tecidos do corpo, ele é responsável pela entrada de glicose por difusão facilitada (assim como todos os transportadores de glicose conhecidos) para atender as necessidades básicas do metabolismo basal, sendo o principal fornecedor de glicose ao cérebro.



2. GLUT2: Com uma similaridade de 55% em relação ao GLUT1, e presente no fígado, pâncreas e intestino, esse transportador é responsável por permitir, por exemplo, que o excesso de glicose entre nas células hepáticas, para ser transformado em glicogênio, e regula a liberação de insulina das células pancreáticas. Nesse sentido, a liberação de insulina se dá justamente pela maior entrada de glicose nas células-beta do pâncreas via GLUT2 expresso na superfície celular. Uma vez dentro das células-beta, a glicose passa por glicólise e dispara uma série de reações bioquímicas que leva à liberação do hormônio armazenado em grânulos intracelulares. No intestino, está presente nas células epiteliais da mucosa intestinal. Sua principal função é regular a absorção de glicose no trato gastrointestinal. Porém, é válido mencionar que o principal substrato de transporte do GLUT2 é a molécula de glucosamina (um aminossacarídeo precursor de síntese bioquímica de glicoproteínas e lipídios).

3. GLUT3: Presente nos neurônios do cérebro, é responsável em especial por entregar glicose à essas células, contribuindo para o metabolismo basal do cérebro junto com o GLUT1. É o segundo transportador mais prevalente no cérebro. Está também expresso nos embriões, espermatozoides e células brancas (leucócitos).

4. GLUT4: Presente no tecido muscular, cardíaco (também muscular, mas estriado) e adiposo (células de gordura), ele é ativado pela ação da insulina. É responsável por lidar com o excesso de glicose no sangue, a partir dos mecanismos explicados acima, além de contribuir para a formação de mais gordura a partir da glicose nas células adiposas. Diferente dos outros transportadores, o GLUT4 não fica presente nas membranas celulares, ficando "escondido" dentro do citoplasma até a insulina chegar e "chamá-lo" para ajudar na captação de glicose.

5. GLUT5: Expresso primariamente no intestino delgado, essa proteína transporta apenas frutose (um isômero da glicose). É o principal transportador de frutose nos mamíferos.

6. GLUT6: É expresso principalmente no cérebro, baço e leucócitos periféricos, e possui baixa afinidade por glicose. Localizado nas membranas dos lisossomos de células imunes, esse transportador não media a absorção de glicose, funciona como um modulador de glicólise e está envolvido em respostas inflamatórias ao afetar o status metabólico em macrófagos (Ref.38).

7. GLUT7: Primariamente expresso no intestino delgado e no cólon, apesar do seu mRNA ter sido também detectado na próstata e nos testículos. Possui similaridade de 44% em relação ao GLUT5. Possui alta afinidade com glicose e frutose.

8. GLUT8: Expresso predominantemente nos testículos, é pensado de atuar de forma importante no fornecimento de glicose ao espermatozoide maduro, além de ser capaz de transportar frutose. É também expresso - em um nível muito menor - em um número de outros tecidos, como fígado, baço, tecido adiposo marrom e blastócitos. É sugerido que o GLUT8 possa ser regulado pela insulina de forma similar ao GLUT4, apesar dessa sugestão ser controversa (Ref.37).

9. GLUT9: Expresso principalmente no fígado e nos rins, e na membrana apical do intestino delgado e cólon. Assim como o GLUT7, sua expressão no intestino delgado mudado de acordo com o nível de ingestão de carboidratos na dieta. Possui similaridade de >58% em relação ao GLUT5. Possui alta afinidade com glicose e frutose.

10. GLUT10: Transporta glicose e possui uma similaridade de 35% em relação ao GLUT2, e alta homologia em relação ao GLUT9. Está expresso em vários tecidos como o cérebro, pulmão, tecido adiposo, coração, placenta e musculatura esquelética, mas com as mais altas expressões no fígado e no pâncreas. Mutações no gene que codifica esse transportador (SLC2A10) são responsáveis pela síndrome da tortuosidade arterial, uma rara condição congênita afetando os tecidos conectivos (Ref.39). Existe evidência de que esse transportador atua de forma crítica na manutenção da homeostase de ácido ascórbico sob condições de estresse (Ref.35).

11. GLUT11: Tem sido encontrado em vários órgãos, incluindo o coração, musculatura esquelética, rins e pâncreas, mas sendo mais abundante nos músculos esqueléticos e cardíaco. Possui alta afinidade com glicose e frutose, e similaridade de >41% em relação ao GLUT5. Sua afinidade por transporte de glicose é dramaticamente inibida pela frutose.

12. GLUT12: Assim como o GLUT4, esse transportador é predominantemente expresso na musculatura esquelética, coração e nos tecidos adiposos. É também sugerido que possa ser regulado pela insulina, e é capaz de transportar glicose e frutose. Possui um número de similaridades com o GLUT4, mas uma afinidade muito maior por glicose.

13. GLUT13 [HMIT]: O transportador HMIT, ao contrário dos outros GLUTs, não transporta nem glicose ou frutose. Seu único substrato é mio-inositol, cuja assimilação é pH-dependente. O HMIT é amplamente expresso no cérebro, particularmente nas vesículas intracelulares dos neurônios, e sua transição para a superfície celular pode ser engatilhada por depolarização celular.

14. GLUT14: Presente nos testículos, possui grande similaridade com o GLUT3 e, portanto, seu principal substrato de transporte deve ser a glicose.

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> O cérebro humano é quase inteiramente dependente de glicose como fonte de energia, consumindo cerca de 100-150 gramas desse carboidrato por dia. Devido à restritiva permeabilidade da barreira sangue-cérebro e a relativa ausência de armazenamento de carboidrato, o sistema nervoso centro depende fortemente da expressão de proteínas transportadoras para a entrega de nutrientes e solutos essenciais ao cérebro. No caso da glicose, os principais transportadores são o GLUT1 e GLUT3. em estados de hipoglicemia crônica (baixos níveis de glicose circulante), a expressão das proteínas GLUT1 e GLUT3 aumenta; e existe evidência também que a expressão dessas proteínas é reduzida em estados de hiperglicemia crônica (ex.: diabetes) (Ref.36).

> Apesar da assimilação de glicose no cérebro ser mediada por transportadores de glicose independente da insulina (especificamente GLUT1 e GLUT3), receptores de insulina são amplamente expressos no cérebro. De qualquer forma, e muito curioso, o aumento de resistência à insulina no corpo (ex.: diabetes Tipo 2) aumenta a assimilação de glicose pelo cérebro sob condições de estimulação da insulina (hiperinsulinemia euglicêmica), operando de forma oposta ao tecido muscular e/ou tecido adiposo (Ref.24). O mecanismo para essa característica metabólica no cérebro é ainda desconhecido.

> Interessante mencionar que além da expressão dos GLUT 1-4 ser regulada pelos substratos e pela insulina (GLUT4), regulação também parece ser influenciada por outros hormônios. Estrogênio e progesterona têm sido ligados à expressão desses transportadores no endométrio (Ref.37). Os níveis de expressão dos transportadores GLUTs também são afetados por diversos estímulos metabólicos, como jejum, atividades físicas e atividades e certas condições patofisiológicas (ex.: diabetes) (Ref.39).
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         Em células musculares, as maiores consumidoras de glicose depois do cérebro, existe o transportador GLUT4 como principal receptor de glicose (cerca de 80%). A translocação do GLUT4 que possibilita a entrada de glicose é feita através da sensibilização pela insulina. Ou seja, nessa parte do corpo (e também nas células adiposas), glicose e insulina andam de mãos dadas na entrada celular, porém não de forma exclusiva (nas células musculares existem também outros transportadores mencionados acima, representando ~20% do total, em maioria o GLUT1). Mas caso a concentração de glicose sanguínea fique muito elevada, a entrada de glicose nas células musculares ainda será alta, independentemente da ação da insulina. Aliás, a hiperglicemia chega a aumentar para cima do normal a entrada de glicose para dentro das células no corpo em geral, mesmo quando a deficiência de insulina é severa.

          E é válido também ressaltar que os exercícios físicos mais exaustivos também estimulam a translocação do GLUT4, através da contração muscular, também de forma independente da insulina!

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> Durante exercícios físicos, a assimilação de glicose nos músculos ativos aumenta de forma dramática, inicialmente através de efeitos mediados sem insulina - em específico via aumento da penetração de substrato devido à contração muscular e melhora da perfusão muscular - e, então, através de um mais prolongado aumento de sensibilidade à insulina que persiste mesmo após o exercício ser finalizado (Ref.25).

> Seguindo a ingestão oral de glicose, ~30% do total ingerido é consumido pela musculatura esquelética; durante um pico hiperinsulinêmico-euglicêmico, ~85% do total de glicose assimilado pelo corpo vai para os músculos. A taxa de consumo da glicose pelos músculos é limitada pelo transporte da insulina da microcirculação (capilares) até o fluído intersticial muscular; fatores patológicos dificultando esse transporte podem estar associados ao desenvolvimento de resistência à insulina (Ref.26).
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           Nos músculos estriados, como o cardíaco, ocorre o mesmo processo de sensibilização por contração e de forma ainda mais significativa. Ou seja, nem mesmo o GLUT4 é totalmente dependente da insulina para entrar em ação. Completando, algo relevante a ser dito é que a absorção de glicose não aumenta de forma linear com o gradiente de concentração , existindo um limite (saturação), para não prejudicar o funcionamento das células. O excesso de glicose é extremamente prejudicial tanto fora quanto dentro das células. Os rins entram em ação nesse cenário, ajudando a eliminar o excesso de glicose circulante.


Esse é um gráfico mostrando a entrada de glicose nas células sob a ausência de insulina; ou seja, a entrada aumenta com o aumento da concentração de glicose no sangue, até chegar a um limite (Ref.2)

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IMPORTANTEExistem outros transportadores de glicose com funções específicas no corpo, como os SGLTs (sodium-glucose transporters/transportadores de sódio-glicose), importantes para o transporte da glicose via intestino para o sangue e nos processos de filtração dos rins, e os recentemente descobertos grupo dos SWEETs e membros da família de proteínas Spinster (Ref.34).

> Os transportadores de glicose (GLUT) não transportam apenas glicose nas células. Outros substratos podem também navegar através desses transportadores proteicos, como a vitamina C, frutose (já mencionada), mioinositol e urato (também já mencionado).

> Para uma recente, extensa e completa revisão sobre as ações da insulina no tecido muscular esquelético, acesse a Ref.28.
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   INSULINA E CONTROLE GLICÊMICO

          Quando os níveis de glicose no sangue estão muito baixos - geralmente durante períodos de jejum prolongado (como após uma noite de sono) - o pâncreas libera glucagon na corrente sanguínea, levando o fígado a liberar glicose das suas reservas de carboidratos, assim como promover a degradação de proteínas para a produção hepática de glicose.

          Quando os níveis de glicose no sangue estão altos, seguindo tipicamente uma refeição, o pâncreas é estimulado a liberar insulina. De fato, a insulina otimiza drasticamente a captação de glicose pelas células nos tecidos musculares e adiposos ao recrutar o GLUT4, porém esse está longe de ser o único processo pelo qual a insulina derruba os níveis sanguíneos de glicose.


           O papel primário da insulina na diminuição da quantidade de glicose no sangue é em bloquear diversos processos metabólicos no corpo que ocorrem na sua ausência. Entre eles podemos citar a lipólise (quebra de gorduras), proteólise (quebra de proteínas), cetogênese (produção de corpos cetônicos) e gliconeogênese (produção de glicose).  Em outras palavras, esse hormônio bloqueia a produção de glicose no fígado (a partir de aminoácidos, glicerol, e glicogênio), a quebra de triglicerídeos para a formação de ácidos graxos (isso tanto no fígado quanto nas células adiposas do corpo) e a produção de corpos cetônicos a partir dos ácidos graxos pelo fígado. Quanto menor a concentração de insulina, maior a intensidade desses processos.

          De maior importância temos o processo de gliconeogênese, o qual é altamente conservado em termos evolucionários desde microrganismos até vertebrados. No corpo humano, o fígado é o principal local de gliconeogênese (!), cujo aumento no órgão hepático de pacientes com diabetes tipo 2 é considerado o contribuidor primário para a hiperglicemia e subsequente danos ao longo do corpo. A produção hepática de glicose é realizada a partir de piruvato ou outros compostos com 3 ou 4 carbonos, e glicogenólise, a qual é a quebra do glicogênio armazenado para a produção de glicose. Os principais substratos para a glicogênese nos humanos (90% do total) são o lactato, glicerol, alanina e glutamina. No final, sem a ação da insulina, o fígado acaba produzindo mais glicose do que os tecidos podem metabolizar, elevando progressivamente seus níveis no sangue, mesmo com o aumento da entrada desse carboidrato nas células via gradiente de concentração.

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(!) Durante o processo de gliconeogênesee, glicose-6-fosfato é produzida a partir de percursores como lactato, glicerol, piruvato e aminoácidos (alanina, glutamina), com subsequente hidrólise pela enzima G6Pase para glicose. Além do fígado, outro importante local de gliconeogênese - e amplamente ignorado - são os rins. responsáveis por até 20% de toda a produção de glicose via gliconeogênese na fase pós-absortiva (depois da refeição) (Ref.23). A gliconeogênese renal é inclusive mais sensível à atividade da insulina do que a gliconeogênese hepática, e pode ter papel importante para a hiperglicemia na diabetes tipo 2.

> Em indivíduos saudáveis, hiperinsulinemia fisiológica (alto nível de insulina circulante) suprime 20% da gliconeogênese hepática e toda a glicogenólise hepática (Ref.29). Entre as ações diretas e indiretas da insulina nesse processo, a sinalização desse hormônio pode regular a gliconeogênese hepática através da transcrição de genes (ex.: PCK1 e G6PC.) envolvidos no controle glicogênico. Ação da insulina no sistema nervoso central pode indiretamente regular o metabolismo no fígado no sentido de reduzir a glicogênese.

> Interessante mencionar que a expressão genética de quase todos os GLUTs tem sido confirmada no fígado. Os transportadores GLUT1, 2, 5, 8 e 9 são particularmente abundantes nesse tecido (Ref.39).
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          Sem a atuação da insulina, muito mais glicose persiste na circulação sanguínea, especialmente devido à enorme reserva de glicogênio no fígado, maiores quantidades de substratos circulantes para a síntese endógena de glicose e por tipicamente existir absorção conjunta de glicose através da contínua digestão de alimentos no intestino. Quando os níveis de glicose ultrapassam o limite renal, um quadro de glicosuria é desenvolvido e os níveis desse carboidrato alcançam um estado de equilíbrio dinâmico (a produção de glicose se iguala ao seu metabolismo junto com sua excreção pela urina).

          Enquanto que a hiperglicemia sozinha é responsável por suprimir a glicogenólise hepática, a insulina é essencial para suprimir a gliconeogênese no fígado, via efeitos diretos e indiretos (apesar do mecanismo dominante não ser ainda muito bem esclarecido). Indiretamente, a insulina ajuda a inibir a secreção de glucagon, cuja sinalização promove a gliconeogênese; reduz a liberação de substratos gliconeogênicos a partir de tecidos adiposos e musculoesqueléticos, ao inibir a lipólise e a proteólise (diminuindo portanto a concentração de ácidos graxos, glicerol e aminoácidos livres no sangue); e interfere no sistema nervoso central fazendo com que este, através de complexos processos, ajude a frear a produção industrial de glicose no tecido hepático. Já no papel direto, a insulina pode regular a gliconeogênese hepática via transcrição de genes envolvidos no controle gluconeogênico, incluindo o PCK1 e o G6PC, além de ativar vários caminhos de sinalização via receptores de insulina no fígado (Para uma revisão acadêmica completa desse tópico, acesse a Ref.19).

Quando as concentrações de glicose estão altas, existe uma menor lipólise, em situações normais de produção de insulina, e vice-versa (Ref.2)
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> (1) As células adiposas armazenas triglicerídeos que, quando hidrolisados, liberam glicerol e três de ácidos graxos, o primeiro um substrato para a gliconeogênese e o segundo um competidor no metabolismo energético em relação à glicose (nas células musculares, por exemplo, não existe real preferência por um ou outro).
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         Sem contar a já alta concentração de glicose no sangue devido à glicogênese do fígado e digestão dos carboidratos via intestino, temos ainda outro agravante em pacientes com diabetes tipo 1, e que também afeta em menor extensão os indivíduos em geral. A partir da crescente lipólise e cetogênese na ausência ou drástica redução de insulina, as altas concentrações de ácidos graxos e corpos cetônicos competem com a glicose como substrato energético dentro das células. Ou seja, muita glicose, ácidos graxos e corpos cetônicos entram no interior celular, fazendo com que pouca glicose seja metabolizada em detrimento dos outros 'combustíveis'. Os corpos cetônicos (2) são os que mais intensificam esse processo de rejeição da glicose, por entrar facilmente nas células tanto pela via apolar (direto pela membrana) quanto polar (transportadores). Com isso, a glicose que entra dentro das células é fosforizada à glicose 6-fosfato, e começa a ser acumulada, já que não está continuando seu caminho de completa metabolização. Essa glicose fosforizada não consegue sair de dentro da célula, por não existir transportadores para ela, porém, quando chega-se a um limite de acúmulo, a glicose para de ser transformada em glicose 6-fosfato. Isso faz grande parte da glicose voltar novamente para a corrente sanguínea, onde, nos casos extremos, nenhuma glicose passa a ser metabolizada. .


           Sem a administração de insulina, as quantidades dos competidores energéticos só vão aumentando, dificultando ainda mais a limpeza da glicose. Por isso também existe a perigosa cetose diabética, onde um excesso de corpos cetônicos (dois, dos três produzidos pelo corpo, são ácidos) diminui gravemente o pH sanguíneo, o que pode levar a uma rápida morte. A cetoacidose pode ser fatal acima 20 mmol/litro. E em concentrações tão altas quanto 25 mmol/L, o aproveitamento de glicose em tecidos como os músculos pode chegar a quase zero.

          Importante nesse ponto mencionar que o sistema insulina-dependente de clareamento da glicose circulante apenas complementa o sistema insulina-independente voltado para esse mesmo fim (processo chamado de Efetividade da Glicose, ou parâmetro SG) (Ref.31-32), incluindo o processo de entrada glicolítica nas células por simples gradiente de concentração. A efetividade da glicose faz referência à habilidade da glicose, por si, de suprimir a produção endógena de glicose e estimular a assimilação de glicose (entrada celular e metabolismo), e é estimado que seja responsável por até 70% do clareamento da glicose na circulação sanguínea (Ref.31)! Os mecanismos da efetividade da glicose ainda não são totalmente esclarecidos, mas o processo é reduzido em indivíduos com diabetes tipo 2, obesidade e cirrose hepática - nesse último caso uma redução de 38%, e explicando 65% da intolerância à glicose nesses pacientes. O hipotálamo no sistema nervoso central - a principal área envolvida na regulação de glicose - provavelmente está envolvido (mecanismos nervosos e endócrinos), especialmente considerando que essa área é sensível e muito responsiva às mudanças nos níveis circulantes de glicose (Ref.33).

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> Existem dois tipos de neurônios sensíveis à glicose no hipotálamo: neurônio glicose-exitado (ativados pelo aumento nos níveis de glicose) e neurônio glicose-inibido (ativado em condições hipoglicêmicas) (Ref.33).
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   CONCLUSÃO

          Primeiro, a glicose NÃO depende da insulina para entrar e ser metabolizada em qualquer tipo de tecido do corpo humano, porque as células possuem outros transportadores de glicose GLUT além do GLUT4; e mesmo o GLUT4 não é totalmente dependente da insulina para ser ativado. Isso sem contar outros transportadores de glicose de outras famílias além do grupo GLUT. Segundo, a insulina não age somente via GLUT4 para baixar os níveis de glicose no sangue. Na verdade, seu papel de maior destaque nessa tarefa é bloquear a gliconeogênese ocorrendo através das células hepáticas.  
              

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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