Artigos Recentes

Encélado: O satélite em Saturno capaz de sustentar vida?


- Atualizado no dia 8 de novembro de 2025 -

Compartilhe o artigo:



            Evidências acumuladas nas últimas décadas apontam que a Terra não é o único corpo planetário no Sistema Solar com a presença de grandes massas de água líquida (oceanos). Até mesmo Plutão parece ter um oceano interno. Aliás, é provável que água líquida em abundância existiu na superfície de Marte há cerca de 3,8 bilhões de anos, antes da atmosfera do "planeta vermelho" ser varrida quase que completamente pelos ventos solares (após perda do campo magnético marciano). E, nos últimos anos, a partir de análises dos dados obtidos na Missão Cassini, astrônomos fizeram uma surpreendente descoberta: além de Encélado ter um gigantesco oceano abaixo da sua grossa camada de gelo superficial, esse satélite possui energia bioquímica para suportar vida e um sistema abundante e complexo de moléculas orgânicas!



- Continua após o anúncio -



      OCEANOS NO SISTEMA SOLAR

            A água, sem sombra de dúvidas, é a principal base de sustentação para a vida como a conhecemos. A molécula de água, H2O, possui propriedades físico-químicas únicas que permitem uma vasta complexidade bioquímica. Após formada no espaço interestelar através da combinação dos seus dois elementos constituintes  - hidrogênio (H) e oxigênio (O) - , a água pode ser incorporada em planetas e satélites a partir de impactos de inúmeros asteroides e cometas, estes os quais podem conter muita água, principalmente na forma de gelo. Na Terra, por exemplo, pistas químicas na água oceânica indicam que durante bilhões de anos nosso planeta foi alvo de incontáveis impactos de cometas e asteroides, representando provavelmente a maior fonte de água na superfície terrestre.

           Independentemente da forma de aquisição e acúmulo de água, a presença de grandes massas de água líquida acaba sendo o primeiro importante indicativo da possível existência de vida em outros mundos além do nosso.

           No Sistema Solar, oceanos parecem estar presentes nos seguintes corpos planetários:

Europa (satélite de Júpiter): Cientistas suspeitam que uma subsuperfície de oceano salgado se encontra sob a crosta de gelo desse satélite. Forças gravitacionais de Júpiter sobre a massa de Europa - gerando movimento, atrito e calor - mantêm o oceano líquido e podem também criar acúmulos parciais de água (lagos ou bolsões) na camada exterior. Em 2014 e 2016, o telescópio espacial Hubble identificou possíveis plumas de jatos de água saindo da superfície de Europa..



Ganimedes (satélite de Júpiter): É o maior satélite do nosso Sistema Solar e o único que possui seu próprio campo magnético. Estudos nos últimos anos indicam que um grande oceano de água salgada existe lá. Ganimedes pode, de fato, possuir várias camadas de gelo e água líquida em forma de sanduíche entre a crosta e o núcleo.



Calisto (satélite de Júpiter): A superfície cheia de crateras desse satélite está sobre uma camada de gelo muito grossa, a qual é estimada ter cerca de 200 km de espessura. Um oceano de, no mínimo, 10 km de profundidade pode estar diretamente abaixo desse gelo todo.



Encélado (satélite de Saturno): Cientistas estimam que existe um grande reservatório de água com cerca de 10 km de profundidade sob uma camada de gelo de 30-40 km de espessura no polo sul do satélite. Esse oceano subterrâneo parece alimentar poderosos jatos expulsos de profundas fissuras (chamadas de "listras de tigre") na superfície do satélite. Em 2015, a sonda Cassini passou através das plumas dos jatos e encontrou gás hidrogênio ali misturado. Já é conclusiva a existência de um oceano interno e global em Encélado.


Titã (satélite de Saturno): Acredita-se que exista um oceano salgado - com salinidade tão alta quanto o Mar Morto - sob 50 km da sua crosta superficial de gelo. Esse oceano pode ser bem fino, situado entre camadas de gelo, ou pode ser bem grosso e se estender por todo o interior do planeta.



Mimas (satélite de Saturno): Forte evidência científica aponta a existência de um oceano sob a superfície (Ref.10). Se Mimas realmente possui um oceano de água líquida, este repousa a cerca de 24 a 31 km abaixo da superfície detonada por inúmeros impactos (!).



Tritão (satélite de Netuno): Gêiseres ativos na sua superfície expelem gás nitrogênio, fazendo esse satélite ser um dos corpos planetários do Sistema Solar que exibem atividade geológica. Características vulcânicas e fraturas marcam a superfície congelada de Tritão, resultantes provavelmente de forças gravitacionais de aquecimento promovidas por Netuno em um passado distante. Um oceano líquido pode estar contido abaixo da superfície, embora evidência científica nesse sentido seja limitada.



Plutão (planeta Anão): Possuindo elevadas montanhas de água congelada e fluxos glaciais de nitrogênio e metano congelado, Plutão, surpreendentemente, é um mundo ativo. Linhas misteriosas em sua superfície podem indicar a presença de um oceano líquido abaixo da superfície (Um oceano em Plutão?).



-----------
(!) Um estudo publicado em 2024 no periódico Nature (Ref.12) revelou que existe um oceano global escondido a uma profundidade de 20-30 km em Mimas. Estima-se que o oceano possui menos de 25 milhões de anos de idade - provavelmente 5 a 15 milhões de anos - e ainda continua evoluindo. Mimas possui uma superfície cheia de crateras e é um satélite pequeno, com apenas ~400 km de diâmetro. O achado foi feito com base em uma inesperada irregularidade na órbita de Mimas, e possui importante implicação para a vida extraterrestre: sugere que mesmo satélites pequenos e inativos podem suportar oceanos capazes de suportar condições essenciais para a vida. Em outras palavras, aumenta o espectro de potenciais mundos no Universo com vida.
------------


- Continua após o anúncio -




     VIDA EM ENCÉLADO?

            Em um estudo publicado em 2017 no periódico Science (Ref.1), a partir da análise de dados preliminares obtidos pela sonda Cassini, cientistas revelaram pela primeira vez plumas de jatos - constituídas de grãos de gelo e substâncias voláteis - emanando de fraturas no polo sul de Encélado. Isso apontou de forma praticamente conclusiva a existência de um oceano de água líquida no satélite. Nesse sentido, a Cassini, que estava fazendo uma missão da NASA em Saturno, foi direcionada ao satélite saturniano. 

           Ao passar pelas plumas, a sonda utilizou espectrômetros de massa e um espectrógrafo de UV para detectar, qualificar e quantificar os gases ali presentes. Em 28 de outubro de 2015, em um dos seus mergulhos mais profundos nas plumas, os instrumentos analíticos da sonda apontaram que 98% das ejeções eram compostas por água, 1% era gás hidrogênio e o resto era uma mistura de outras moléculas incluindo dióxido de carbono, metano e amônia. A água, expelida por fraturas na camada de gelo acima do oceano, mostrou ser inclusive fonte de material para um dos anéis de Saturno. O oceano associado possui pH alcalino. Mas, entre os constituintes da pluma, o mais notável foi a detecção de grande quantidade de gás hidrogênio!

Plumas observadas no polo sul de Encélado/Imagem: Cassini, NASA

            O gás hidrogênio (H2) é quase um doce para certos micróbios. Vida como a conhecemos aqui na Terra precisa de três principais ingredientes: água líquida, uma fonte de energia para o metabolismo e a presença de certos elementos essenciais (carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre). Água líquida está presente em abundância em Encélado. Já presença de gás hidrogênio no satélite - que estaria sendo formado pela reação da água com minerais do núcleo rochoso em processos hidrotermais - fornece o segundo requerimento, ou seja, energia para o metabolismo. 

          Se existir vida microbiana em Encélado, esta estaria utilizando o gás hidrogênio como substrato energético, através de um processo chamado de metanogênese, o qual também ocorre nas famosas fontes hidrotermais nos oceanos terrestres, no estômago de ruminantes e até mesmo no intestino humano (gases produzidos nas flatulências). 

          A terceira exigência ainda não foi completamente satisfeita, porque ainda não foi detectado enxofre - direta ou indiretamente - no oceano de Encélado, mas é preciso lembrar que as análises desse satélite são ainda limitadas (!). De fato, apenas em 2023 fósforo - na forma de ortofosfatos - foi detectado nas plumas (Ref.11). Aliás, a concentração de fosfatos nas plumas de Encélado parece ser pelo menos 100 vezes maior do que aquela presente no oceano terrestre. Outros compostos inorgânicos abundantes nas plumas incluem cloreto de sódio (NaCl), carbonato de sódio  (NaHCO3), bicarbonato de sódio (Na2CO3) e cloreto de potássio (KCl).

(!) Atualizações:
  • Um estudo publicado em 2018 na Nature revelou a existência de moléculas orgânicas complexas no oceano de Encélado, provavelmente na forma de filmes localizados na superfície inferior da crosta de gelo. Para mais informações: Detectada complexas moléculas orgânicas em Encélado, aumentando o potencial de vida no satélite
  • Em um estudo mais recente (Ref.13), a análise do impacto de grãos de gelo a altas velocidades (quase 18 km/s) na sonda Cassini revelou um espectro orgânico mais rico nas plumas de Encélado, incluindo compostos alifáticos, ésteres/alcenos (hetero)cíclicos, éteres/etila e, potencialmente, compostos contendo N e O. Essas novas espécies identificadas apontam novamente uma origem hidrotermal de reações orgânicas e presença abundante de compostos orgânicos no oceano subsuperficial do satélite.



            Na metanogênese, também conhecida como biometanação, existe a produção de metano por micróbios chamados de metanógenos. Aqui na Terra, esse grupo de seres vivos está reunido dentro do domínio Archaea, tendo associação próxima com as bactérias anaeróbicas. O metano é um dos produtos finais dos processos metabólicos desses organismos, os quais não utilizam gás oxigênio (na verdade, esse gás é tóxico para esses micróbios). Ao invés do oxigênio, o receptor final de elétrons é o carbono, geralmente na forma de dióxido de carbono (CO2) - gás detectado nas plumas - ou ácido acético. Esses elétrons, os quais sustentam toda a cadeia metabólica, provêm de moléculas orgânicas reduzidas como o gás hidrogênio. Ou seja, essa pequena molécula é a alimento desses microrganismos. Aqui na Terra, a metanogênese pode ter sido crítica para a origem da vida e as atividades hidrotermais produzindo hidrogênio gasoso nos nossos oceanos sustentam uma rica vida bacteriana.  

Aproveitando gás hidrogênio como alimento, organismos utilizando a metanogênese conseguem sustentar um complexo ecossistema nas fontes termais oceânicas mesmo na ausência de luz solar

           Assim como os outros oceanos líquidos espalhados pelo Sistema Solar, a energia térmica necessária para manter a água líquida em Encélado, é fornecida pela enorme gravidade de Saturno interagindo com a massa do satélite (energia potencial gravitacional sendo transformada em energia cinética e esta em energia térmica). Assim, mesmo estando distante bilhões de quilômetros do Sol, fonte térmica não falta, a qual também permitiria a produção de hidrogênio ao agir junto com minerais ricos em ferro reduzido [Fe0 e Fe (II)] e suas interações com moléculas de água (estas seriam reduzidas, formando hidrogênio molecular). 

         As aparentes atividades hidrotermais ocorrendo em Encélado - que podem ser resultantes de dissipação de maré (energia térmica do atrito entre o oceano e o solo oceânico do satélite) - são apenas uma hipótese para a formação de hidrogênio molecular em Encélado, e outros processos abióticos não podem ser descartados.

          Um estudo publicado em 2021 no periódico Nature Astronomy (Ref.8), através de modelos matemáticos combinando ecologia microbiana e geoquímica, encontrou que as taxas de metano sendo poroduzido no oceano de Encélado:

(a) não podem ser explicadas apenas por alterações abióticas do núcleo rochoso por serpentinização. A serpentinização faz referência à reação entre rochas do manto ricas em olivinas (um silicato Mg-Fe) e a água marinha abaixo de 400°C, resultando na formação de minerais serpentinas (silicatos-Mg hidrosos) e magnetita, um óxido de ferro altamente magnético. Esse processo químico libera muito calor, capaz de aumentar a temperatura das rochas associadas em até 260°C, alimentando também, termicamente, as fontes hidrotermais. Para cada 300 litros de água marinha consumidos, são gerados em torno de 660 milhões de joules de calor por metro cúbico de rocha.

(b) são compatíveis com a hipótese de condições habitáveis para metanógenos.

(c) fornecem forte suporte para a hipótese de metanogênese, assumindo que a probabilidade de vida emergindo é alta o suficiente.

           Segundo os resultados do estudo, se a probabilidade de vida emergindo em Encélado é baixa, as medidas realizadas pela Cassini são consistentes com fontes hidrotermais alcalinas inabitadas mas habitáveis  e apontam para fontes desconhecidas de metano. Processos geoquímicos (abióticos) conhecidos pela ciência hoje não conseguem explicar as altas taxas de metano escapando de Encélado sem a presença de vida. Uma hipótese abiótica nesse sentido, ainda sem convincente evidência de suporte, seria que matéria orgânica primordial pode estar presente no núcleo de Encélado sendo parcialmente transformada em hidrogênio molecular, metano e dióxido de carbono através de processos hidrotermais. Essa hipótese é plausível se for comprovado que esse satélite se formou através da acreção de material rico em matéria orgânica fornecida por cometas.


- Continua após o anúncio -



            A missão da sonda Cassini, a qual já durava 12 anos em torno de Saturno, teve fim em 2017, devido ao esgotamento do seu combustível. A sonda foi direcionada a colidir com a atmosfera do planeta em setembro do mesmo ano, para assegurar que ela não colidisse com Encélado e o contaminasse com possíveis microrganismos - algo que poderia dar falso sinal de vida alienígena microbiana em missões futuras nesse satélite. Mesmo sendo uma sonda muito avançada em termos de análises químicas, a Cassini não foi preparada para identificar presença de vida e por isso sondas mais sofisticadas serão enviadas para as plumas na tentativa de obter sinais de vida  sendo expelidos do interior do satélite.


Depois de grandes descobertas, a sonda Cassini encontrou o seu fim em 2017;


Artigos Relacionados:

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. http://science.sciencemag.org/content/356/6334/155.full 
  2. https://www.nasa.gov/press-release/nasa-missions-provide-new-insights-into-ocean-worlds-in-our-solar-system
  3. https://www.nasa.gov/specials/ocean-worlds/
  4. http://www.sciencemag.org/news/2017/04/food-microbes-abundant-enceladus
  5. http://www.bbc.com/news/science-environment-39592059
  6. http://aem.asm.org/content/43/1/227.long
  7. http://news.stanford.edu/2015/05/18/methanogen-electricity-spormann-051815/
  8. Affholder et al. (2021). Bayesian analysis of Enceladus’s plume data to assess methanogenesis. Nat Astron 5, 805–814. https://doi.org/10.1038/s41550-021-01372-6
  9. https://oceanexplorer.noaa.gov/explorations/05lostcity/background/serp/serpentinization.html
  10. Rhoden & Walker (2022). The case for an ocean-bearing Mimas from tidal heating analysis. Icarus, Volume 376, 114872. https://doi.org/10.1016/j.icarus.2021.114872
  11. Postberg et al. Detection of phosphates originating from Enceladus’s ocean. Nature 618, 489–493 (2023). https://doi.org/10.1038/s41586-023-05987-9
  12. Lainey et al. (2024). A recently formed ocean inside Saturn’s moon Mimas. Nature 626, 280–282. https://doi.org/10.1038/s41586-023-06975-9
  13. Khawaja et al. (2025). Detection of organic compounds in freshly ejected ice grains from Enceladus’s ocean. Nature Astronomy. https://doi.org/10.1038/s41550-025-02655-y