Vidro: o segundo maior assassino de aves voadoras do mundo
- Atualizado no dia 16 de março de 2023 -
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Não é novidade que a fauna sofre bastante nas nossas mãos. Em particular, a urbanização muda drasticamente a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas, e essas mudanças têm efeitos drásticos na vida dos animais. As aves que habitam o ambiente urbano enfrentam diversas ameaças que podem prejudicar sua sobrevivência, como proliferação descontrolada de gatos, redes elétricas, entre outros. E a segunda maior causa antropogênica de morte de pássaros e de outras aves voadoras no mundo é algo totalmente inesperado e desconhecido por muitos: vidros nas nossas janelas!
RASTRO DE DESTRUIÇÃO
1. As linhas da rede elétrica matam entre 12 e 64 milhões de pássaros todos os anos, através de violentos choques (8-57 milhões) e colisões (0,9-11,6 milhões). No mundo todo, estima-se que 1 bilhão de pássaros sejam mortos dessa forma anualmente;
2. O próximo da lista sangrenta são os pesticidas, com mortes anuais ao redor de 70 milhões;
3. Em seguida, os automóveis, no meio das estradas, interceptam fatalmente entre 60 e 80 milhões anualmente;
4. Já as torres iluminadas de comunicação, ao confundir e cegar as aves, levam estas a colisões mortais, matando entre 40 e 50 milhões todos os anos.
5. As turbinas eólicas, apesar de fornecer energia sustentável e limpa, também entram na lista de carnificina, com um número anual de mortes estimado entre 100 e 300 mil (1).
7. Por fim, claro, temos os gatos domésticos (Felis catus) e outros felinos "de estimação" que as pessoas introduziram em enormes quantidades no meio urbano e rural, gerando um grande desequilíbrio ecológico. Entre 1 bilhão e 4 bilhões de aves são mortas todos os anos apenas nos EUA por esses predadores.
Mas, a lista não acaba aí. Apesar de muitos não terem ideia que isso seja uma grave causa de mortalidade dessas aves, as colisões com as edificações humanas - casas e prédios - e outras construções são a segunda maior causa antropogênica de morte de aves voadoras do mundo, particularmente por causa das estruturas de vidro, como janelas. Na América do Norte, é estimado que, anualmente, entre 300 milhões e 1 bilhão e 42 milhões de aves morrem em colisões com vidro nos EUA e no Canadá, respectivamente. Na Alemanha, é estimado um total de 115 milhões de aves mortas anualmente. Ref.17
As janelas de vidro dos prédios e casas são armadilhas mortais para os pássaros |
No Brasil, estudos são ainda escassos sobre as colisões de aves com estruturas de vidro, e estatísticas de boa qualidade relativas às taxas anuais de colisões são inexistentes (Ref.2). Um
estudo realizado em Brasília, em 2006, revelou que mais de 100 indivíduos de 20 espécies de aves
morriam anualmente por conta das colisões com a fachada espelhada da Procuradoria Geral da República (Ref.10).
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VIDROS: INIMIGOS MORTAIS DAS AVES
As aves voadoras geralmente não conseguem ver vidros transparentes ou reflexivos. A refletividade e transparência do vidro criam uma letal ilusão de espaço aéreo livre e contínuo para essas aves, estas as quais, nesse sentido, não veem que ali existe uma barreira. Durante o período diurno do dia, as aves na grande maioria das vezes colidem com os vidros das janelas ou porque eles acabam vendo o reflexo da paisagem ali (céu, nuvens, vegetação, etc.) e acabam continuando o percurso, ou porque não conseguem ver que existe algo ali (transparência), voando direto e em alta velocidade através do vidro por motivos diversos (para passar para o outro lado, para comer algo que parece apetitoso, por ver um habitat - plantas ornamentais dentro do prédio ou da casa -, etc). No vídeo abaixo, registros de algumas colisões.
Aves voadoras são frequentemente capazes de ver na escuridão ou luz na faixa do ultravioleta (UV) e reconhecem detalhes de grandes distâncias, mas a visão desses animais não é adaptada para reconhecer objetos transparentes. Luzes artificiais dentro e fora de construções têm sido sugeridas de serem também uma potencial causa de colisões com vidros de janelas, especialmente para migrantes noturnos. As aves não evoluíram no sentido de desviar de barreiras artificiais transparentes, especialmente considerando que estruturas com vidros foram espalhadas no ambiente de forma relativamente muito recente na história evolutiva do planeta pelas atividades humanas. Na natureza não existem estruturas similares nas rotas de voo.
MEDIDAS DE PREVENÇÃO
Existe uma grande variedade de designs de vidros e janelas que podem ser integradas na estrutura das edificações com o objetivo de reduzir a mortalidade dos pássaros por colisões. Essas opções de arquitetura visam criar sinais visuais que ajudam a orientar os pássaros durante o voo, fazendo-os detectarem e evitarem o vidro. Pode-se usar vários artifícios, como colocar listras e filmes nas janelas, ou mesmo deixar estruturas divisórias nesses vidros mais destacadas. Ainda não existem estudos científicos mostrando qual o design visual mais eficaz, mas uma boa regra recomendada pelos especialistas é a 2” X 4”, ou seja, criar listras horizontais ou verticais com uma distância entre elas de 2 polegadas (cerca de 5 cm) no caso das horizontais e de 4 polegadas (cerca de 10 cm) no caso das verticais, como mostrado na imagem abaixo. Isso serve para alertar as aves que elas não cabem ali (apesar de aves menores, como os beija-flores, ficarem desprotegidas) e não tampa muito o vidro. Vidros mais amigáveis podem reduzir em mais de 60% as colisões (Ref.21).
Existem também opções mais caras, como janelas que refletem padrões na faixa do ultravioleta (aves voadoras conseguem ver no UV, diferente de nós); estudos mais recentes sugerem que filmes reflexivos de UV também são eficientes (Ref.18).
Para proteger de forma mais eficiente as aves de colidir em vidros de prédios, turbinas de vento e outras estruturas, pesquisadores também mostraram recentemente, em um estudo publicado na American Association for the Advancement of Sciences (AAAS) (Ref.13), que a melhor estratégia é unir sinais visuais com sinais sonoros para resolver o problema. Treinando 16 mandarins (Taeniopygia guttata) a voar através de um corredor do tamanho de ônibus - o qual possuía estruturas seguras (redes) de impacto - os pesquisadores mostraram que quando sinais sonoros de alerta eram executados junto com os sinais visuais, os pássaros diminuíam a velocidade por um adicional de 20% quando comparado somente com os sinais visuais. Aliás, quando ouviam o som especial de alerta, os pássaros já adotavam uma postura defensiva de voo.
CONCLUSÃO
Vidros são grandes inimigos dos pássaros e, infelizmente, existe pouco conhecimento do público sobre esse fato. Mas o pior de toda essa carnificina que estamos gerando é que não existe discriminação entre os pássaros que morrem nessas colisões com os vidros. Tanto espécies abundantes quanto espécies ameaçadas de extinção são abatidas da mesma maneira, o que representa uma tragédia para a diversidade da nossa fauna. Uma maior conscientização do público é fundamental para resolver esse grave problema. E todos podem ajudar, mesmo com medidas simples e baratas.
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(1) A exemplo do caso do vidro, esses animais não estão acostumados com essas gigantescas estruturas, e suas pás giratórias, no meio do caminho. O que muitos podem estranhar é como os pássaros - e especialmente morcegos - acabam sendo atingidos por pás tão "lentas". Por causa do enorme tamanho dessas pás, estas parecem que estão girando lentamente quando vistas em vídeos ou de longe. Mas a maioria ultrapassa velocidades tangenciais, nas pontas das pás, de 300 km/h! Um pássaro passando entre as pás não teria muitas chances. Isso é pior ainda para as aves de rapina (as mais prejudicadas pelas turbinas), pois elas tendem a voar olhando fixamente para baixo, na busca de presas, fato que as distraí bastante de uma repentina pá gigante surgindo do nada. Apesar de trazerem grandes benefícios, especialmente na área de sustentabilidade, o crescimento exponencial de turbinas eólicas nos últimos anos, principalmente nos EUA e na Europa, pode significar um problema sério para os pássaros no futuro, caso não surja uma solução para o problema.
Para diminuir o número de mortes, já foi proposto que as turbines funcionem apenas quando os ventos estiverem mais fortes, o que acarretaria perdas de apenas ~1% na produção de energia.
OBS.: No caso dos morcegos, as mortes também ocorrem via danos pulmonares gerados por regiões de baixa pressão em torno das turbinas de vento.
É estimado que 54-76% das colisões entre pássaros e janelas são mortais (Ref.15).
A maioria das colisões tanto com edificações residenciais e urbanas acontecem durante o período diurno, quando os pássaros estão voando ao redor e cobrindo grandes áreas em busca de alimento. À noite, em severas condições climáticas durante o verão e migrações dos pássaros no outono, os pássaros podem ser atraídos pelas edificações iluminadas, resultando em colisões, aprisionamentos e exaustão, levando a mortes em massa.
E apesar das pessoas tenderem a achar que as colisões dos pássaros com os vidros são um fenômeno urbano, com a maior parte dos pássaros supostamente mortos em prédios altos e espelhados, a realidade é bem outra. Nos EUA, 56% da mortalidade ocorre em edificações diversas de baixa altura (de um a três andares), 44% em residências urbanas e rurais, e apenas menos do que 1% ocorre em grandes construções. No Canadá, é estimado que 90% das dezenas de milhões de colisões envolvem residências comuns (casas), próximo de 10% envolvem prédios de baixa altura e cerca de 1% envolvem prédios altos.
A maioria das pessoas não percebem as colisões por confundirem o barulho das colisões com interações do vento com as janelas ou outro incidentes. Aves mortas no chão comumente não são observadas por transeuntes nas ruas porque algum animal predador (ex.: gatos) ou o serviço de limpeza acaba coletando-os antes. Somados esses fatores, existe ainda pouca conscientização da população geral sobre o problema. A comunidade científica vem aumentando os esforços para pressionar os governos por campanhas mais efetivas de conscientização do público (Ref.22).
Aliás, a predação de aves pós-colisão com vidros por cães (Canis lupus) e gatos aumenta ainda mais a mortalidade vidro-associada dessas aves. Um estudo publicado recentemente no periódico Perspectives in Ecology and Conservation (Ref.16) estimou que apenas na Argentina são 6 milhões de pássaros mortos por cães e gatos em ambiente doméstico após colisão das aves com as janelas das casas.
A maioria das colisões tanto com edificações residenciais e urbanas acontecem durante o período diurno, quando os pássaros estão voando ao redor e cobrindo grandes áreas em busca de alimento. À noite, em severas condições climáticas durante o verão e migrações dos pássaros no outono, os pássaros podem ser atraídos pelas edificações iluminadas, resultando em colisões, aprisionamentos e exaustão, levando a mortes em massa.
E apesar das pessoas tenderem a achar que as colisões dos pássaros com os vidros são um fenômeno urbano, com a maior parte dos pássaros supostamente mortos em prédios altos e espelhados, a realidade é bem outra. Nos EUA, 56% da mortalidade ocorre em edificações diversas de baixa altura (de um a três andares), 44% em residências urbanas e rurais, e apenas menos do que 1% ocorre em grandes construções. No Canadá, é estimado que 90% das dezenas de milhões de colisões envolvem residências comuns (casas), próximo de 10% envolvem prédios de baixa altura e cerca de 1% envolvem prédios altos.
A maioria das pessoas não percebem as colisões por confundirem o barulho das colisões com interações do vento com as janelas ou outro incidentes. Aves mortas no chão comumente não são observadas por transeuntes nas ruas porque algum animal predador (ex.: gatos) ou o serviço de limpeza acaba coletando-os antes. Somados esses fatores, existe ainda pouca conscientização da população geral sobre o problema. A comunidade científica vem aumentando os esforços para pressionar os governos por campanhas mais efetivas de conscientização do público (Ref.22).
Uma triste, mas comum cena: marcas características de uma colisão de um pássaro com esta janela |
Aliás, a predação de aves pós-colisão com vidros por cães (Canis lupus) e gatos aumenta ainda mais a mortalidade vidro-associada dessas aves. Um estudo publicado recentemente no periódico Perspectives in Ecology and Conservation (Ref.16) estimou que apenas na Argentina são 6 milhões de pássaros mortos por cães e gatos em ambiente doméstico após colisão das aves com as janelas das casas.
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MEDIDAS DE PREVENÇÃO
Existe uma grande variedade de designs de vidros e janelas que podem ser integradas na estrutura das edificações com o objetivo de reduzir a mortalidade dos pássaros por colisões. Essas opções de arquitetura visam criar sinais visuais que ajudam a orientar os pássaros durante o voo, fazendo-os detectarem e evitarem o vidro. Pode-se usar vários artifícios, como colocar listras e filmes nas janelas, ou mesmo deixar estruturas divisórias nesses vidros mais destacadas. Ainda não existem estudos científicos mostrando qual o design visual mais eficaz, mas uma boa regra recomendada pelos especialistas é a 2” X 4”, ou seja, criar listras horizontais ou verticais com uma distância entre elas de 2 polegadas (cerca de 5 cm) no caso das horizontais e de 4 polegadas (cerca de 10 cm) no caso das verticais, como mostrado na imagem abaixo. Isso serve para alertar as aves que elas não cabem ali (apesar de aves menores, como os beija-flores, ficarem desprotegidas) e não tampa muito o vidro. Vidros mais amigáveis podem reduzir em mais de 60% as colisões (Ref.21).
Para proteger de forma mais eficiente as aves de colidir em vidros de prédios, turbinas de vento e outras estruturas, pesquisadores também mostraram recentemente, em um estudo publicado na American Association for the Advancement of Sciences (AAAS) (Ref.13), que a melhor estratégia é unir sinais visuais com sinais sonoros para resolver o problema. Treinando 16 mandarins (Taeniopygia guttata) a voar através de um corredor do tamanho de ônibus - o qual possuía estruturas seguras (redes) de impacto - os pesquisadores mostraram que quando sinais sonoros de alerta eram executados junto com os sinais visuais, os pássaros diminuíam a velocidade por um adicional de 20% quando comparado somente com os sinais visuais. Aliás, quando ouviam o som especial de alerta, os pássaros já adotavam uma postura defensiva de voo.
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CONCLUSÃO
Vidros são grandes inimigos dos pássaros e, infelizmente, existe pouco conhecimento do público sobre esse fato. Mas o pior de toda essa carnificina que estamos gerando é que não existe discriminação entre os pássaros que morrem nessas colisões com os vidros. Tanto espécies abundantes quanto espécies ameaçadas de extinção são abatidas da mesma maneira, o que representa uma tragédia para a diversidade da nossa fauna. Uma maior conscientização do público é fundamental para resolver esse grave problema. E todos podem ajudar, mesmo com medidas simples e baratas.
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(1) A exemplo do caso do vidro, esses animais não estão acostumados com essas gigantescas estruturas, e suas pás giratórias, no meio do caminho. O que muitos podem estranhar é como os pássaros - e especialmente morcegos - acabam sendo atingidos por pás tão "lentas". Por causa do enorme tamanho dessas pás, estas parecem que estão girando lentamente quando vistas em vídeos ou de longe. Mas a maioria ultrapassa velocidades tangenciais, nas pontas das pás, de 300 km/h! Um pássaro passando entre as pás não teria muitas chances. Isso é pior ainda para as aves de rapina (as mais prejudicadas pelas turbinas), pois elas tendem a voar olhando fixamente para baixo, na busca de presas, fato que as distraí bastante de uma repentina pá gigante surgindo do nada. Apesar de trazerem grandes benefícios, especialmente na área de sustentabilidade, o crescimento exponencial de turbinas eólicas nos últimos anos, principalmente nos EUA e na Europa, pode significar um problema sério para os pássaros no futuro, caso não surja uma solução para o problema.
Para diminuir o número de mortes, já foi proposto que as turbines funcionem apenas quando os ventos estiverem mais fortes, o que acarretaria perdas de apenas ~1% na produção de energia.
OBS.: No caso dos morcegos, as mortes também ocorrem via danos pulmonares gerados por regiões de baixa pressão em torno das turbinas de vento.
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REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
- http://www.fws.gov/birds/bird-enthusiasts/threats-to-birds.php
- https://www.scielo.br/j/zool/a/DmsNNqCDsMDFdDyVPHgHvNk/
- http://www.ace-eco.org/vol8/iss2/art6/
- https://www.fws.gov/migratorybirds/pdf/management/reducingbirdcollisionswithbuildings.pdf
- http://www.sibleyguides.com/conservation/causes-of-bird-mortality/
- http://www.muhlenberg.edu/media/contentassets/images/academics/biology/biology/faculty/klem/aco/documents/BirdObserver2006.pdf
- http://www.jstor.org/stable/4513511
- http://www.jstor.org/stable/4513512
- https://peerj.com/articles/621/
- https://www.monografias.ufop.br/bitstream/35400000/2471/1/MONOGRAFIA_Colis%C3%B5esAvesVidro.pdf
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4081594/
- https://www.fws.gov/migratorybirds/pdf/management/lossetal2014buildingcollisions.pdf
- https://aaas.confex.com/aaas/2018/meetingapp.cgi/Paper/20750
- https://aip.scitation.org/doi/10.1063/1.5118784
- https://ieeexplore.ieee.org/abstract/document/9404610
- Rebolo-Ifrán et al. (2021). Cat and dog predation on birds: The importance of indirect predation after bird-window collisions. Perspectives in Ecology and Conservation, Volume 19, Issue 3, Pages 293-299. https://doi.org/10.1016/j.pecon.2021.05.003
- Żmihorski et al. (2022). Local bird densities and habitats are poor predictors of bird collision with glass bus shelters. Landscape and Urban Planning, Volume 217, 104285. https://doi.org/10.1016/j.landurbplan.2021.104285
- https://ornisfennica.journal.fi/article/view/115995
- https://www.biodiversity-science.net/EN/abstract/abstract82120.shtml
- https://peerj.com/articles/14604/
- Riggs et al. (2023). Field-testing effectiveness of window markers in reducing bird-window collisions. Urban Ecosystems. https://doi.org/10.1007/s11252-022-01304-w
- Loss et al. (2023). Citizen science to address the global issue of bird–window collisions. Frontiers in Ecology and the Environment. https://doi.org/10.1002/fee.2614