Existem esquilos que são predadores?
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| Figura 1. Esquilo terrestre da espécie Otospermophilus beecheyi, um predador facultativo. |
Existem mais de 2500 espécies de roedores, respondendo por 40% da diversidade dos atuais mamíferos e com uma história evolutiva com início no Paleoceno tardio, há ~57 milhões de anos (Ref.1). Encontrados no mundo inteiro, com exceção da Antártica, os roedores englobam animais tipicamente de pequeno porte, mas alguns podem ultrapassar 70 kg (capivaras). Esses animais são caracterizados pela presença de um par de dentes incisivos na mandíbula e no maxilar que crescem continuamente (elodontes). Além disso, não possuem caninos e exibem um grande espaço (diastema) entre os incisores e os outros dentes da bochecha (Ref.2). Essa configuração e a robusta constituição dos incisivos permitem esses animais roerem virtualmente qualquer coisa.
Esquilos (Sciuridae) representam a terceira família mais diversa de roedores. Esses animais ocupam nichos ecológicos diversos e podem ser terrestres, escansoriais (trepadores), arborícolas ou planadores. A espécie de roedor ainda viva com relação filogenética mais próxima dos esquilos é o "castor-das-montanhas" (Aplodontia rufa), atualmente o único representante vivo da família Aplodontiidae (Ref.1).
No geral, a dieta dos esquilos é constituída principalmente de sementes e frutos. Suplementação proteica à dieta vegetariana desses roedores é comumente pensada ocorrer através do consumo de insetos e, ocasionalmente, de ovos ou bebês em ninhos de aves. Porém, existem espécies de esquilos que são onívoros e generalistas, como o esquilo-raposa (Sciurus niger) e alguns esquilos-voadores, os quais consomem regularmente proteína animal (Ref.4-5). Esquilos também podem ocasionalmente consumir carcaças de animais vertebrados (Ref.6).
Mas esquilos podem ser predadores?
Além do ataque a ninhos de forma oportunística e consumo de carcaça, alguns estudos têm trazido evidência que várias espécies de esquilos podem ser predadores facultativos de pequenos vertebrados, sendo capazes de matar e consumir peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos adultos (Ref.7). E um estudo publicado em 2024 no periódico Journal of Ethology (Ref.8) trouxe evidência direta (vídeo) de eventos de predação contra ratos-da-Califórnia (Microtus californicus) protagonizados por esquilos-terrestres-da-Califórnia (Otospermophilus beecheyi). Os registros em vídeo foram feitos em 2024, em um parque na Califórnia, durante um pico atípico de abundância dos roedores predados.
Sim, alguns esquilos podem ser predadores facultativos ou carnívoros oportunistas.
O esquilo em questão (O. beecheyi) possui uma dieta primariamente granívora (consumo de grãos) mas que inclui ocasionalmente invertebrados e ovos/bebês em ninhos de aves diversas. Esses esquilos têm sido observados também consumindo peixes, roedores de pequeno porte e carne de carcaças diversas, mas incerto se algum desses casos envolvem predação ativa. Infanticídio e canibalismo de bebês não parece ser incomum.
O estudo de 2024 registrou 74 eventos de caça e/ou consumo de ratos-da-Califórnia por esquilos ao longo de 18 dias de observação. Do total de eventos, 31 envolveram caça ativa dos esquilos contra os roedores predados. E em três tentativas de caça, os esquilos foram observados minimizando os barulhos e se aproximando de forma sorrateira antes de lançar um ataque. Para matar as presas, os esquilos usavam várias mordidas visando preferencialmente a área do pescoço. Os esquilos tipicamente removiam a cabeça da presa e então consumiam a carne exposta.
Um total de 8 interações competitivas foram observadas durante os eventos de predação, com os esquilos disputando potenciais presas sob perseguição ou a carcaça de presas abatidas.
Segundo os autores do estudo, o comportamento de caça dos esquilos-terrestres-da-Califórnia parece emergir, pelo menos em parte, em resposta ao aumento temporário da disponibilidade de presas na região onde habitam. A predação facultativa pode ser comum nas áreas de ocupação natural da espécie.
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Curiosidade: Enquanto resposta emética (vômito) é uma adaptação comum em vários mamíferos, roedores são tipicamente caracterizados por inabilidade de vomitar. Porém, evidência observacional recente em ambiente natural aponta que pelo menos uma espécie de roedor, o esquilo-cinzento (Sciurus carolinensis), é capaz de vomitar ou expelir pela boca conteúdo gastrointestinal. E a capacidade de vômito pode estar presente em outras espécies de esquilos arborícolas. Ref.9
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REFERÊNCIAS
- Bertrand et al. (2021). The impact of locomotion on the brain evolution of squirrels and close relatives. Communications Biology 4, 460. https://doi.org/10.1038/s42003-021-01887-8
- Kay & Hoekstra (2008). Rodents. Current Biology, Volume 18, Issue 10, Pages R406-R410. https://doi.org/10.1016/j.cub.2008.03.019
- https://animaldiversity.org/accounts/Rodentia/
- Bono et al. (2019). Comparative analysis of microbiota along the length of the gastrointestinal tract of two tree squirrel species (Sciurus aberti and S. niger) living in sympatry. Ecology and Evolution, Volume 9, Issue 23, Pages 13344-13358. https://doi.org/10.1002/ece3.5789
- Meyer & Rush (2024). Southern flying squirrel (Glaucomys volans) diet composition in red-cockaded woodpecker (Dryobates borealis) groups in Mississippi and Alabama. Food Webs, Volume 39, e00346. https://doi.org/10.1016/j.fooweb.2024.e00346
- Ahmed et al. (2021). Abundance and feeding habit of squirrels (Mammalia: Rodentia: Sciuridae) in an urban park, Bangladesh. Taprobanica, Vol. 10, No. 01, pp. 47-53. https://doi.org/10.47605/tapro.v10i1.247
- Callahan, J. R. (1993). Squirrels as predators. Great Basin Naturalist, 53(2), pp. 137-144. https://www.jstor.org/stable/41712767
- Smith et al. (2025). Vole hunting: novel predatory and carnivorous behavior by California ground squirrels. Journal of Ethology 43, 3–12. https://doi.org/10.1007/s10164-024-00832-6
- Potash et al. (2025). Observation of a grey squirrel (Sciurus carolinensis) suggests that some rodents can vomit. Canadian Journal of Zoology, Volume 103. https://doi.org/10.1139/cjz-2024-0189


