Como as rêmoras ficam aderidas em outros animais marinhos?
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Figura 1. Rêmoras da espécie Remora australis aderida ao corpo de uma baleia-azul (Balaenoptera musculus) de 26 metros de comprimento, próximo da nadadeira dorsal do hospedeiro. Ref.6 |
Rêmoras são peixes da família Echeneidae (ordem Carangiformes) que se anexam a vários tipos de vertebrados marinhos, incluindo peixes, tartarugas e mamíferos. Até mesmo embarcações e alguns mergulhadores humanos são alvos das rêmoras durante exploração oceânica. Encontradas em águas marinhas tropicais e subtropicais ao redor do mundo, existem oito espécies ainda vivas de rêmoras distribuídas em três gêneros.
Algumas espécies de rêmoras se anexam a um amplo espectro de hospedeiros, enquanto outras são fiéis a um tipo de hospedeiro. Por exemplo, a espécie Echeneis naucrates se anexa a uma variedade de hospedeiros, desde peixes até mamíferos (Fig.3), enquanto a espécie Remora australis se anexa exclusivamente a cetáceos (ex.: baleias e golfinhos) (Fig.4).
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Figura 2. Rêmora da espécie Remora remora (seta) aderida ao casco de uma tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea). |
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Figura 3. Rêmoras da espécie Echeneis naucrates aderidas ao corpo de uma vaca-marinha (Trichechus manatus), na região de Aguadilla, Porto Rico. |
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Figura 4. Rêmora-baleeira (Remora australis) aderida a um golfinho-roaz (Tursiops truncatus). |
> Vídeo mostrando um tubarão-baleia hospedando várias rêmoras na nadadeira caudal: acesse aqui.
Importante, a rêmora não está agindo como uma "sanguessuga" ou usando a boca para se agarrar nos hospedeiros, muito menos causando lesões ou danos nesses últimos. Mas é incerto se rêmoras causam algum incômodo (ex.: cócegas) ou prejudicam a performance hidrodinâmica dos hospedeiros. Golfinhos têm sido observados ativamente removendo rêmoras do próprio corpo ou do corpo de filhotes (Ref.3).
A aderência à superfície corporal dos hospedeiros é feita através de um disco oval de sucção formado a partir de uma nadadeira dorsal frontal modificada, o qual se estende do topo da cabeça até as pontas das nadadeiras peitorais - e compreendendo uma série de lamelas transversais cercadas por um "lábio". A força média de sucção fornecida por esse disco é de 11-17 Newtons (N), permitindo aderência mesmo em superfícies sujeitas a fortes forças de arraste ou mesmo quando o hospedeiro salta para fora da água. Durante a adesão, as rêmoras podem se deslocar ou deslizar na superfície do hospedeiro sem desprender o disco de sucção (vídeo abaixo), ficando livres para se alimentar ou socializar mesmo durante picos de velocidade de nado do hospedeiro.
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Figura 7. Destaque para a cabeça de uma rêmora juvenil da espécie Remora osteochir, vista de lado (A), de cima (B) e de frente (C). O espécime possui 26,7 mm de comprimento. |
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Figura 8. Rêmora adulta da espécie Remora osteochir: (A) corpo inteiro e visão lateral; (B) visão de cima destacando o disco de sucção. Barra de escala = 50 mm. |
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Figura 10. Características morfológicas das espécies E. naucrates, R. albescens e R. remora. |
Embora passem a maior parte da vida aderidas aos hospedeiros, as rêmoras também possuem relativa boa capacidade de nado livre e independente. Isso sugere que a relação desses peixes com outros vertebrados marinhos é facultativa, não requerendo necessariamente de hospedeiros para a sobrevivência ou pelo menos não requerendo contato físico constante.
A relação ecológica das rêmoras com seus hospedeiros é geralmente considerada uma forma de comensalismo - onde o hospedeiro não ganha benefícios e nem é prejudicado - ou de mutualismo, onde ambas as partes são beneficiadas (!). No caso de relações mutualísticas, muitas rêmoras são frequentemente observadas se alimentando de parasitas sobre a pele dos hospedeiros (limpeza de ectoparasitas). Um caso notável de aparente relação mutualística envolve rêmoras da espécie R. osteochir e o agulhão-vela (Istiophorus platypterus), onde esse último parece alterar seu comportamento durante o nado para facilitar o serviço de limpeza da rêmora (Ref.12).
Potenciais benefícios adquiridos pelas rêmoras durante associação com hospedeiros incluem:
- "transporte gratuito", onde o peixe economiza energia de deslocamento no oceano;
- proteção anti-predatória, ao usar um hospedeiro de maior porte corporal para afugentar possíveis predadores;
- aumento do potencial reprodutivo, ao facilitar a reunião de indivíduos da mesma espécie;
- respiração melhorada, devido ao constante fluxo de água gerado sem esforço próprio de nado;
- maiores oportunidades de alimentação.
Nesse último ponto, as rêmoras se alimentam principalmente de copépodes parasitas (grupo de crustáceos) sobre a pele de hospedeiros, complementando a dieta com zooplâncton e outros pequenos animais marinhos; além de restos de refeições, tecido epidérmico descamado e fezes do hospedeiro.
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(!) É válido apontar que a relação ecológica exata entre rêmoras e tubarões - comensalismo, mutualismo ou mesmo parasitismo - é ainda motivo de debate acadêmico. Essa relação pode variar dependendo das espécies envolvidas. Dados de pesquisa são ainda limitados nesse sentido. Ref.13
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REFERÊNCIAS
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- Gao et al. (2024). The first chromosomal-level genome assembly and annotation of white suckerfish Remora albescens. Scientific Data 11, 523. https://doi.org/10.1038/s41597-024-03363-4
- Fertl & Landry, 2009. R - Remoras. Encyclopedia of Marine Mammals (Second Edition), Pages 942-943. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-373553-9.00216-9
- Akyol et al. (2020). The second record of marlin sucker, Remora osteochir(Echeneidae) from the Turkish waters (eastern Mediterranean Sea). FishTaxa, 17: 12-14.
- Wang et al. (2025). Whole-genome survey reveals the genomic characteristics and phylogeny of three species within the family Echeneidae. Frontiers in Marine Science, Volume 12. https://doi.org/10.3389/fmars.2025.1586527
- Flammang et al. (2020). Remoras pick where they stick on blue whales. Journal of Experimental Biology, 223 (20): jeb226654. https://doi.org/10.1242/jeb.226654
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- Flammang et al. (2020). Knowing when to stick: touch receptors found in the remora adhesive disc. Royal Society Open Science, Volume 7, Issue 1. https://doi.org/10.1098/rsos.190990
- Anislado-Tolentino et al. (2022). Primer registro de la rémora robusta Remora brachyptera (Carangiformes: Echeneidae) en el Golfo de Tehuantepec, México. Hidrobiológica, vol. 32, no. 1. https://doi.org/10.24275/uam/izt/dcbs/hidro/2022v32n1/anislado
- Wang et al. (2025). Characterization of Complete Mitochondrial Genome and Phylogeny of Three Echeneidae Species. Animals, 15(1), 81. https://doi.org/10.3390/ani15010081
- Friedman et al. (2013). An early fossil remora (Echeneoidea) reveals the evolutionary assembly of the adhesion disc. Proceedings of the Royal Society B, 280: 20131200. http://dx.doi.org/10.1098/rspb.2013.1200
- Mori et al. (2025). Symbiotic cleaning relationship between a sailfish (Istiophorus platypterus) and remoras (Remora osteochir). Journal of Ethology 43, 63–68. https://doi.org/10.1007/s10164-025-00852-w
- Gayford et al. (2024). The multidimensional spectrum of eco-evolutionary relationships between sharks and remoras. Journal of Fish Biology, Volume 105, Issue 1, Pages 4-9. https://doi.org/10.1111/jfb.15759