Por que sais de alumínio são adicionados às vacinas?
Sais insolúveis de alumínio têm sido usados como adjuvantes em vacinas humanas desde 1932. Adjuvantes são amplamente usados em vacinas para assegurar uma resposta imune mais potente, inespecífica e prolongada e reduzir a quantidade de antígenos (ex.: proteínas virais) usados em cada dose de imunizante. Entre os sais de alumínio mais usados temos o oxi-hidróxido de alumínio (AlOOH, Alhydrogel®), hidroxifosfato de alumínio (AlOHPO4, Adju-Phos®) e sulfato de hidroxifosfato de alumínio (AlOHSO4), esse último de propriedade da Merck.
As vacinas que contêm um adjuvante são basicamente aquelas contra difteria, tétano, coqueluche e hepatites A e B. Sem os sais de alumínio, essas vacinas não são suficientemente eficazes. Mais recentemente, adjuvantes de alumínio têm sido também usados em algumas vacinas contra o HPV e contra a COVID-19, como a CoronaVac®. E existem estudos clínicos promissores para uso em vacinas contra a gripe (Ref.1) e em vacinas terapêuticas contra o câncer (Ref.2).
Leitura recomendada:
O que são adjuvantes?
Adjuvantes de vacinas são uma classe de substâncias que modificam ou melhoraram de forma inespecífica a resposta imune específica do corpo a antígenos. Esses adjuvantes podem induzir respostas imunes específicas eficazes e de longo prazo, portanto melhorando a eficácia das vacinas e estendendo a duração da proteção imune. Além disso, adjuvantes de vacinas podem reduzir a quantidade de antígeno requerido em cada dose de imunizante, reduzir os custos de produção e diminuir o número de imunizações clínicas necessárias para garantir ótima proteção imune.
----------
> Antígeno é qualquer substância (orgânica ou inorgânica) que o sistema imunológico reconhece como estranha e que desencadeia uma resposta imunológica, geralmente com a produção de anticorpos. Essas "substâncias" podem incluir partes de organismos vivos (ex.: proteínas) até toxinas.
> Células apresentadoras de antígenos no corpo são fagócitos (ex.: macrófagos e células dendríticas) que transportam antígenos na sua superfície e as apresentam a outras células do sistema imune. Essas células tipicamente fagocitam patógenos, digerem suas proteínas em peptídeos e apresentam esses peptídeos [antígenos] na superfície celular a linfócitos, em sua maioria células-T nos nódulos linfáticos. Esse processo liga a imunidade inata à imunidade adaptativa.
-------------
Devido à disponibilidade limitada de materiais adjuvantes, várias vacinas são criadas usando vírus vivos atenuados (ex.: tríplice viral e vacina contra a catapora) para preservar propriedades adjuvantes naturais. No entanto, essas vacinas colocam um risco para indivíduos imunocomprometidos, ou seja, para pessoas com uma imunidade tão fraca ou suprimida a ponto de não conseguir lidar nem com patógenos enfraquecidos (ex.: pacientes submetidos ao transplante de órgãos).
Com a introdução de antígenos proteicos recombinantes na década de 1980, os quais são menos imunogênicos do que antígenos associados a patógenos vivos ou atenuados, adjuvantes se tornaram cada vez mais importantes nas formulações de vacinas.
Leitura recomendada:
- Por que vacinar contra a catapora?
- Mais um alarmante motivo para as crianças serem vacinadas contra o sarampo
Como adjuvantes de alumínio funcionam?
Os sais de alumínio usados nas vacinas são feitos de nanopartículas (Fig.2), as quais espontaneamente se aglomeram em micropartículas com dimensões de 1 a 10 micrômetros (μm) e área superficial de até ~510 m2/g (Ref.4). Por exemplo, o AlOHPO4 é um sólido amorfo que forma nanopartículas primárias discoides com diâmetro de 50 nanômetros (nm) que subsequentemente formam agregados livres com aproximadamente 3 μm de extensão. Antígenos usados nas vacinas, como proteínas e vírus inativados, são adsorvidos na camada externa dessas micropartículas - interagindo através de atração eletrostática, efeitos hidrofóbicos e troca de ligantes.
Apesar do uso como adjuvantes por mais de 80-90 anos, o mecanismo preciso que faz as partículas de alumínio nas vacinas potencializar a eficácia do imunizante não é ainda totalmente esclarecido. Com base em experimentos laboratoriais in vitro e in vivo, existem quatro principais hipóteses que podem ser complementares ou não:
- Efeito repositório: após adsorção pelo adjuvante de alumínio, antígenos ficam altamente agregados e retidos no local da injeção e dentro do tecido, permitindo uma apresentação efetiva e prolongada às células imunes. Isso favorece o contato contínuo entre células imunológicas do corpo e antígenos, portando induzindo uma resposta imune mais efetiva. E o adjuvante de alumínio parece persistir por várias semanas no local da injeção, liberando lentamente os antígenos nesse período.
- Resposta imunoestimulatória: após injeção no corpo, um adjuvante de alumínio pode induzir uma resposta imune endógena e atrair um número substancial de células inflamatórias no local da injeção. Esse efeito pró-inflamatório parece ser dominado inicialmente por neutrófilos, seguido por macrófagos - estes últimos capazes de fagocitar de forma extensiva micropartículas dos adjuvantes de alumínio. Isso aumenta a interação do sistema imunológico com os antígenos dos imunizantes.
- Efeito pró-fagocítico: adjuvantes de alumínio podem aumentar a capacidade de consumo de antígenos por monócitos e células dendríticas em macrófagos e no sangue periférico. Também atuam promovendo a maturação de macrófagos e ajudam na transferências de células apresentadoras de antígenos dentro do tecido linfoide. Essas ações favorecem em especial memória imune e proteção de longo prazo induzida pelas vacinas.
- Resposta inflamatória NLRP3: adjuvantes de alumínio parecem ativar o inflamassoma NLRP3, um complexo proteico que promove a secreção de altos níveis dos fatores pró-inflamatórios interleucina-1β (IL-1β) e IL-18 por macrófagos.
Um ou mais desses mecanismos podem estar por trás do boost fornecido pelos adjuvantes de alumínio na resposta imune das vacinas. É incerta também a eficácia relativa entre os diferentes tipos de adjuvantes de alumínio e o impacto do tamanho das micropartículas nessa eficácia (Ref.6).
Adjuvantes de alumínio são seguros?
Historicamente, várias importantes agências de saúde têm atestado a segurança de uso dos adjuvantes de alumínio nas vacinas, incluindo a Agência de Drogas e Alimentos dos EUA (FDA), o Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC) e a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Porém, como o alumínio (Al) não é um elemento essencial no corpo humano e o fato do seu íon (Al3+) estar associado com neurotoxicidade sob exposição excessiva (Ref.7) , grupos antivacinas têm acusado o uso de adjuvantes de alumínio como causa de doenças neurodegenerativa e de transtornos de neurodesenvolvimento, incluindo autismo. Uma instituição que teve militância notável nesse sentido é a Children’s Medical Safety Research Institute (CMSRI), cujos pesquisadores e financiamento estão por trás de vários estudos de baixa qualidade colocando em dúvida a segurança dos adjuvantes de alumínio nas vacinas. Em um desses estudos da CMSRI - publicado em 2018 e ligando a exposição ao alumínio ao desenvolvimento de autismo - os autores foram obrigados inclusive a declarar conflito de interesses pelos editores do periódico de publicação.
Mas aqui temos dois notáveis problemas com as alegações que colocam dúvida sobre a segurança dos adjuvantes de alumínio nas vacinas.
Primeiro, o alumínio nos adjuvantes estão associados a sais insolúveis e micropartículas, ou seja, não são íons Al3+ em solução sendo inoculados. É como alegar que o sal de cozinha (NaCl) é altamente tóxico porque o gás cloro (Cl2) também possui cloro (Cl) na composição química. Obviamente não, são substâncias bem distintas. De fato, em experimentos in vitro, nanopartículas de AlOHPO4 não induzem citotoxicidade, enquanto íons solúveis de alumínio engatilham significativa citotoxicidade em diferentes linhagens celulares (Ref.2). Apesar de íons Al3+ serem liberados das micropartículas de adjuvantes in vivo - indo para o sangue ligados à proteína transferrina (~91%) e ao citrato (~8%) -, o processo é lento.
E, nesse último ponto, a exposição ao alumínio é muito maior através da alimentação do que vacinação. A quantidade de alumínio presente na vacina varia entre 0,12 mg e 1,50 mg por dose, geralmente inferior a ~0,50 mg/dose. Considerando os diferentes tipos de vacina e o número de repetições (doses de reforço), a dose máxima acumulada que uma pessoa recebe em toda a sua vida seria de 15 mg (Ref.8). Esse valor é praticamente idêntico ao da ingestão oral normal de dois dias (água e alimentos). Isso sem contar antiácidos baseados em hidróxido de alumínio (Al3OH), um medicamento seguro que possui 104-208 mg de alumínio por tablete. A OMS estabelece um limite máximo de ingestão de alumínio a partir da dieta de 1 mg/kg/dia (ex.: 60 a 70 mg/dia para adultos). Relevante, após a vacinação, o nível de alumínio no sangue não aumenta de forma significativa (Ref.9).
Os adjuvantes de alumínio nas vacinas têm sido também comumente associados ao desenvolvimento de miofascite macrofágica, uma condição imune rara que afeta o tecido muscular e caracterizada pela infiltração de macrófagos em áreas próximas às fibras musculares. Pacientes com miofascite macrofágica desenvolvem uma síndrome neurológica crônica caracterizada por dor generalizada, fadiga crônica profunda e comprometimento cognitivo. A condição foi primeiro descrita em 1998 por pesquisadores franceses - e seguindo a vacinação contra hepatite B. Porém, inexiste sólida evidência científica dando suporte à associação causal entre adjuvantes de alumínio e miofascite macrofágica (Ref.9). E evidência epidemiológica não é coerente com essa associação causal: casos suspeitos são em geral restritos à França, mesmo com vacinas baseadas em adjuvantes de alumínio sendo aplicadas em milhões de pessoas ao redor de todo o mundo.
Um estudo observacional coorte e de grande escala conduzido na Dinamarca e publicado recentemente no periódico Annals of Internal Medicine (Ref.), analisou dados médicos de >1,2 milhão de crianças nascidas no território dinamarquês entre 1997 e 2018 - todas residindo no país e vivas aos 2 anos de idade. O estudo buscou investigar a associação entre diferentes níveis de adjuvantes de alumínio nas vacinas aplicadas nessa população e desenvolvimento de doenças autoimunes, alérgicas e de neurodesenvolvimento. No total, foram 50 doenças ou condições analisadas, incluindo autismo, e nenhuma significativa associação positiva foi encontrada. Os resultados do estudo reforçaram que o uso de adjuvantes de alumínio na vacinação infantil é seguro.
No início deste mês de agosto, o atual Secretário de Saúde dos EUA, e militante antivacina, Robert F. Kennedy Jr. (RFK Jr.), resolveu atacar o estudo dinamarquês, acusando-o em uma postagem no X de falhas analíticas e sugerindo que os dados do próprio estudo apontavam um aumento significativo de risco - ligado aos adjuvantes de alumínio - para síndrome de Asperger (!). Uma nota de alerta da comunidade foi colocada na postagem do RFK Jr. e vários especialistas denunciaram a alegação falaciosa do secretário.
Importante lembrar que o RFK Jr. está ligado à morte de 83 pessoas na ilha de Samoa, e a maioria crianças, após um surto de sarampo na região infectar mais de 5700 habitantes em 2019 (Ref.13). O surto parece ter sido alimentado pela campanha antivacina promovida pela organização Children's Health Defense, de propriedade do RFK Jr.
----------
(!) O uso do termo "síndrome de Asperger" - caracterizando uma forma de autismo - tem sido abandonado na literatura médica por razões científicas e históricas. Fica o convite de leitura: Hans Asperger: O cientista que cooperou com Nazistas no assassinato sistemático de várias crianças
------------
Leitura recomendada:
REFERÊNCIAS
- Xia et al. (2021). Safety and immunogenicity of an alum-adjuvanted whole-virion H7N9 influenza vaccine: a randomized, blinded, clinical trial. Clinical Microbiology and Infection, Volume 27, Issue 5, Pages 775-781. https://doi.org/10.1016/j.cmi.2020.07.033
- Mao et al. (2024). Neurotoxicity Profiling of Aluminum Salt-Based Nanoparticles as Adjuvants for Therapeutic Cancer Vaccine. The Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics, Volume 390, Issue 1, July 2024, Pages 45-52. https://doi.org/10.1124/jpet.123.002031
- https://www.sciencedirect.com/topics/medicine-and-dentistry/antigen-presenting-cell
- Lan et al. (2024). Basic Properties and Development Status of Aluminum Adjuvants Used for Vaccines. Vaccines 12(10), 1187. https://doi.org/10.3390/vaccines12101187
- HogenEsch et al. (2018). Optimizing the utilization of aluminum adjuvants in vaccines: you might just get what you want. npj Vaccines 3, 51. https://doi.org/10.1038/s41541-018-0089-x
- Barbateskovic et al. (2023). Concentrations, Number of Doses, and Formulations of Aluminium Adjuvants in Vaccines: A Systematic Review with Meta-Analysis and Trial Sequential Analysis of Randomized Clinical Trials. Vaccines 2023, 11(12), 1763. https://doi.org/10.3390/vaccines11121763
- Tinkov et al. (2021). Chapter One - Molecular mechanisms of aluminum neurotoxicity: Update on adverse effects and therapeutic strategies. Advances in Neurotoxicology, Volume 5, Pages 1-34. https://doi.org/10.1016/bs.ant.2020.12.001
- https://abal.org.br/downloads/sustentabilidade/o-aluminio-nas-vacinas.pdf
- Goullé & Grangeot-Keros (2020). Aluminum and vaccines: Current state of knowledge. Médecine et Maladies Infectieuses, Volume 50, Issue 1, Pages 16-21. https://doi.org/10.1016/j.medmal.2019.09.012
- https://www.inspq.qc.ca/en/tiny-tot/feeding-your-child/bottle-feeding-your-baby/how-much-milk
- https://www.chop.edu/vaccine-education-center/vaccine-safety/vaccine-ingredients/aluminum
- Andersson et al. (2025). Aluminum-Adsorbed Vaccines and Chronic Diseases in Childhood: A Nationwide Cohort Study. Annals of Internal Medicine. https://doi.org/10.7326/ANNALS-25-00997
- Yang, Y. T. (2025). The perils of RFK Junior's anti-vaccine leadership for public health. The Lancet. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(24)02603-5