O que é Tricotilomania?
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Figura 1. Paciente na primeira consulta, exibindo afinamento capilar difuso e irregular e com curtos fios de cabelo. |
Paciente do sexo feminino de 12 anos de idade, acompanhada pela mãe, relatou queda de cabelo nos últimos seis meses após um conflito familiar. Ela havia sido previamente diagnosticada com alopecia androgênica iniciando tratamento tópico com minoxidil e clobetasol, mas sem melhora. A mãe eventualmente relatou aos médicos que, quando a paciente estava nervosa, sentia uma vontade incontrolável de manipular o couro cabeludo, o que intensificava a queda de cabelo, confirmada pelo acúmulo de fios ao redor da filha.
O exame dermatológico revelou afinamento difuso com fios curtos, irregulares e quebrados, e teste de tração negativo (Fig.1). Sob análise via dermatoscopia, foram notados cabelos de diferentes comprimentos com hastes quebradas, pelos velos, aspecto de calvície em V ou de bailarina e numerosas manchas pretas. Não foram observados fios em ponto de exclamação nem pontos amarelos (Fig. 2). A paciente se recusou a realizar biópsia do couro cabeludo.
Com base nas análises realizadas, um diagnóstico clínico e dermatoscópico de tricotilomania foi feito.
Nesse sentido, tratamento com doxepina (10 mg/dia), fluoxetina (20 mg/dia), pimozida (2 mg/dia) e N-acetilcisteína (600 mg/a cada 8 horas) foi iniciado. Além disso, a paciente foi encaminhada para avaliação psicológica.
Após essas intervenções, a paciente apresentou melhora progressiva ao longo de um acompanhamento de 6 meses, com resolução positiva dos achados dermatoscópicos (Fig.3) relativos ao dia da apresentação e aumento notável da densidade capilar (Fig.4).
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Figura 3. (A) Antes e depois (B) do tratamento farmacológico e psicoterápico, onde notável e progressiva melhora do quadro foi alcançada. Ref.1 |
O caso foi reportado e descrito em 2017 no periódico Anais Brasileiros de Dermatologia (Ref.1).
TRICOTILOMANIA
Descrita desde a Grécia Antiga, a tricotilomania foi primeiro detalhada na literatura médica em 1889 e é caracterizada por comportamento persistente de arrancar os cabelos, resultando em perda capilar perceptível. É um tipo de transtorno obsessivo-compulsivo - esse último um termo para descrever transtornos caracterizados por pensamentos repetitivos e/ou atividades repetitivas. Os indivíduos afetados relatam sentir ansiedade antes de arrancar os cabelos e prazer, satisfação ou alívio após fazê-lo. Fios capilares arrancados não são limitados ao escalpo e podem envolver pelos corporais em geral, incluindo em especial os fios das sobrancelhas e cílios (Ref.3).
A atividade repetitiva de arrancar os cabelos faz com que o indivíduo pareça estar com um quadro comum de calvície. Cada episódio tricotilomaníaco pode durar de minutos até várias horas. O ato de puxar os fios pode ser automático, sem o paciente estar ciente da ação.
A tricotilomania está associada com estigma social, e pacientes frequentemente negam ou têm vergonha do hábito, dificultando a busca por tratamento adequado. Além disso, pode causar sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes. A maioria dos indivíduos afetados (~65% ou mais) nunca procuram tratamento.
Evidência clínica acumulada aponta que a tricotilomania afeta ~1% da população geral (Ref.4). É reportada mais comumente em pacientes do sexo feminino, mas é ainda incerto se existe diferença significativa de prevalência ou incidência entre os sexos. Manifestação inicial parece ocorrer na faixa de 9-13 anos de idade (Ref.5).
Os diagnósticos diferenciais incluem outras formas mais comuns de alopecia, como a alopecia areata (1) e a alopécia androgênica feminina (2). A alopecia areata afeta o mesmo grupo de idade e às vezes manifesta-se com características clínicas similares àquelas da tricotilomania, sendo o diagnóstico diferencial mais óbvio. Quando "fios de exclamação" - sugestivos de alopécia areata - estão ausentes, e hastes capilares fraturadas estão presentes, aumenta a chance de ser tricotilomania. Padrões atípicos de perda capilar acompanhados por fios curtos podem também ajudar a denunciar a condição.
Após arrancar os fios de cabelo, alguns indivíduos afetados pelo transtorno irão inspecioná-los e comê-los inteiros ou parcialmente (tricofagia). Até 20% dos indivíduos com tricotilomania ingerem os fios de cabelo arrancados (Ref.6) Esse consumo de cabelo pode inclusive levar a quadros de obstrução gastrointestinal (bolos de cabelo ou tricobezoares).
Outras complicações de longo prazo podem incluir perda permanente de cabelo, este último observado primariamente em pessoas manifestando o transtorno na fase adulta. O pico de severidade da tricotilomania parece ocorrer na transição da adolescência para a fase adulta (Ref.7).
O quadro de tricotilomania frequentemente está associado com outros transtornos, como depressão, transtorno bipolar, transtornos de ansiedade, TDAH (3), transtorno de estresse pós-traumático (4), transtorno do uso de substâncias e outros transtornos obsessivo-compulsivos. Essas associações, combinadas com o pouco conhecimento sobre o diagnóstico e a evolução da doença entre profissionais de saúde, podem dificultar o tratamento (Ref.8).
A terapia para a tricotilomania - especialmente no contexto da natureza crônica e recorrente da condição - ainda possui suporte científico limitado. Algumas estratégias terapêuticas utilizadas incluem psicoterapia, terapia comportamental e medicamentos – como sais de lítio, antidepressivos tricíclicos (DATs), inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs), N-acetilcisteína, olanzapina, quetiapina, aripiprazol, clomipramina, memantina e antipsicóticos. Dermatologistas, psiquiatras e psicólogos clínicos geralmente estarão envolvidos no tratamento.
Por exemplo, na terapia de reversão de hábitos, pacientes podem ser treinados a detectar o hábito de arrancar os fios e as situações e emoções que levam ao hábito, respondendo com atividades alternativas seguras quando o impulso ou gatilhos emergem.
Mas a terapia de aceitação e compromisso parece ter maior suporte empírico de eficácia para quadros de tricotilomania, incluindo casos mais severos do transtorno (Ref.9-11).
Nem todos os pacientes irão responder bem apenas a terapias comportamentais e psicoterapias, e, nesses casos, medicamentos (farmacoterapia) são importantes, especialmente em adolescentes e adultos. Mesmo após tratamento efetivo a curto ou médio prazo, relapsos podem ocorrer a longo prazo.
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> Evidências clínicas, genéticas e neurobiológicas sugerem que a tricotilomania e o transtorno de escoriação (skin-piching) deveriam ser classificadas sob a mesma categoria. Ambos os transtornos são caracterizados por comportamentos repetitivos contra o próprio corpo e focam em modificar partes corporais (cabelo ou pele). Além disso, frequentemente coocorrem. O transtorno de escoriação é caracterizado pela necessidade incontrolável de beliscar, cutucar ou espremer a pele de forma recorrente, levando a lesões cutâneas e danos teciduais. Ref.12-13
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Leitura recomendada:
- (1) Afinal, o que é a alopecia areata?
- (2) Calvície comum ou androgênica: Causas, mitos e tratamentos
- (3) Qual é a relação entre Leonardo da Vinci, genética, evolução e TDAH?
- (4) Terapia com popular droga ilegal parece ser efetiva no tratamento de Transtorno de Estresse Pós-Traumático
REFERÊNCIAS
- Pinto et al. (2017). Trichotillomania: a case report with clinical and dermatoscopic differential diagnosis with alopecia areata. Anais Brasileiros de Dermatologia, 92(1):118-20. https://doi.org/10.1590/abd1806-4841.20175136
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK493186/
- Melo et al. (2021). "Trichotillomania: What Do We Know So Far?" Skin Appendage Disord, 8(1):1-7. https://doi.org/10.1159/000518191
- Bloch et al. (2022). Prevalence and gender distribution of trichotillomania: A systematic review and meta-analysis. Journal of Psychiatric Research, Volume 153, Pages 73-81. https://doi.org/10.1016/j.jpsychires.2022.06.058
- Franklin et al. (2025). Trichotillomania and its treatment: an updated review and recommendations. Expert Review of Neurotherapeutics. https://doi.org/10.1080/14737175.2025.2557395
- Bennett & Ryznar (2024). A Review of Behavioral and Pharmacological Treatments for Adult Trichotillomania. Psychology International 6(2), 509-530. https://doi.org/10.3390/psycholint6020031
- Lin et al. (2023). Characteristics of trichotillomania and excoriation disorder across the lifespan. Psychiatry Research, Volume 322, 115120. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2023.115120
- Capel et al. (2023). Mental Health Providers’ Knowledge of Trichotillomania and Skin Picking Disorder, and Their Treatment. Cognitive Therapy and Research, Volume 48, pages 30-38. https://doi.org/10.1007/s10608-023-10381-w
- Woods et al. (2022). Acceptance-enhanced behavior therapy for trichotillomania in adults: A randomized clinical trial. Behaviour Research and Therapy, Volume 158, 104187. https://doi.org/10.1016/j.brat.2022.104187
- Capel et al. (2024). Psychosocial Treatment of Trichotillomania: A Review. Cognitive and Behavioral Practice. https://doi.org/10.1016/j.cbpra.2024.05.003
- Woods et al. (2024). Long-term follow-up of acceptance-enhanced behavior therapy for trichotillomania. Psychiatry Research, Volume 333, 115767. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2024.115767
- Grant et al. (2021). Trichotillomania and Skin-Picking Disorder: An Update. FOCUS, Volume 19, Number 4. https://doi.org/10.1176/appi.focus.20210013
- Grant et al. (2023). Double-Blind Placebo-Controlled Study of Memantine in Trichotillomania and Skin-Picking Disorder. American Journal of Psychiatry, Volume 180, Number 5. https://doi.org/10.1176/appi.ajp.20220737