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Por que nossos olhos piscam tanto?

Figura 1. Piscar é uma complexa ação de músculos nas pálpebras e no globo ocular. No período entre piscadas, ocorre evaporação do filme aquoso lacrimal, e prolongado período sem piscar pode reduzir a qualidade visual. Uma taxa adequada de piscadas é vital para um filme lacrimal estável. Foto.
 

          Nós piscamos de forma reflexiva para proteger nossos olhos de potenciais danos que podem ser causados por objetos externos como insetos voadores, detritos e mesmo de longos fios de cabelo esvoaçando no rosto. Mas também piscamos os olhos espontaneamente, 10 a 15 vezes por minuto, para umedecer e oxigenar nossas córneas. Podemos intencionalmente piscar ou inibir esse movimento ocular, mas, em geral, piscar é algo automático e ocorre com ou sem a nossa ciência, assim como a respiração. Pasmem, mas ficamos tipicamente de 3 a 8% do nosso tempo despertado com os olhos fechados por causa das frequentes piscadas! Qual a vantagem biológica e adaptativa para esse excesso de piscadas? Um estudo publicado recentemente no periódico PNAS (Ref.1) chegou a uma curiosa conclusão: piscar também possui um importante papel no processamento de informação visual no cérebro.

          "Ao modular a entrada de informação visual na retina, as piscadas efetivamente reformatam a informação visual, produzindo sinais de luminância que diferem drasticamente daqueles que normalmente experienciamos quando nós olhamos para um ponto na cena," disse em entrevista a Dra. Michele Rucci, professora no Derpartamento de Ciências Cognitiva e Cerebral da Universidade de Rochester, EUA, e autora principal do novo estudo (Ref.2).

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   MOVIMENTO DE PISCAR

          A cada 4-6 segundos nós piscamos e cada piscada dura 100-300 milissegundos, tempo durante o qual temos obstrução da visão e níveis de luz atenuados em 100 vezes. E mesmo com um dramática queda de informação visual ("mini-apagões"), geralmente não notamos as constantes piscadas. Em aves, piscadas ocorrem em um olho de cada vez, fazendo com que a visão nunca fique completamente obstruída. Em mamíferos, porém, incluindo humanos, piscar sempre envolve ambos os olhos simultaneamente - exceto em sinalizações sociais intencionais (ex.: piscar para alguém com finalidade de paquera).

           Enquanto a frequência de piscadas varia enormemente ao longo de indivíduos e tarefas, piscar é criticamente importante: mantém o olho bem lubrificado, regulando o filme pré-corneal de lágrima e melhorando a qualidade óptica da imagem sobre a retina. Uma das funções primárias do ato de piscar é distribuir o filme lacrimal do menisco lacrimal inferior sobre a superfície ocular, onde também observamos rotação do globo ocular para baixo no processo. Ao exercer essas ações benéficas, no entanto, piscar desafia o processamento visual, à medida que temporariamente obstrui a cena externa. 

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> Aliás, na síndrome do olho seco - doença muito prevalente caracterizada por anomalia na produção ou na qualidade das lágrimas -, comportamento alterado no ato de piscar é uma característica comum e está implicado na patologia da doença. Ref.4

> O movimento de piscar ocorre graças à ação antagonista entre os músculos orbicular do olho e o levantador da pálpebra superior. A rápida ativação dos motoneurônios do músculo orbicular, juntamente com a breve inibição da atividade tônica dos motoneurônios do músculo levantador da pálpebra superior, conduzem ao fechamento palpebral - a fase de fechamento do piscar. A atividade rápida do levantador da pálpebra superior, imediatamente após o declínio da ativação do orbicular, assegura a reabertura palpebral - a fase de abertura palpebral. Ref.5

> Durante a piscada, é maior o tempo gasto no fechamento das pálpebras do que na abertura, com tendência a tempo maior para fechamento palpebral nas faixas etárias mais elevadas. Ref.5

> Há dois tipos de piscar: o involuntário ou reflexo (que ocorre espontaneamente) e o voluntário (que depende da vontade do paciente). O piscar involuntário é dividido em piscar espontâneo, que ocorre, aproximadamente, em intervalos constantes, e em reflexo de piscar involuntário de medo, que ocorre em resposta a um estímulo externo da córnea. Ref.5

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          Considerando que uma piscada pode ser tão longa quanto 300 milissegundos, piscar causa uma significativa disrupção na aquisição de informação visual e pode substancialmente atrasar respostas motoras para importantes eventos visuais. Um indivíduo pode gastar até 10% do tempo acordado com as olhos fechados devido ao frequente ato de piscar.

          Esse problema é exacerbado pela atenuação na sensibilidade visual que ocorre ao redor do tempo de uma piscada de olho. Como mencionado, humanos não estão normalmente cientes das interrupções impostas pelas piscadas no fluxo visual entrando nos olhos. Esse processo parece ser parcialmente mediado por um mecanismo interno de supressão que atenua a sensibilidade visual, similar àquele ocorrendo durante movimentos sacádicos dos olhos. Considerando que essa supressão precede e ultrapassa cada piscada, o movimento leva a uma visibilidade reduzida que dura mais tempo do que a piscada em si.

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> Os sacádicos representam os movimentos oculares mais rápidos e nos capacitam a redirecionar nossa linha de visão. Eles incluem alterações voluntárias e involuntárias da fixação, a fase rápida do nistagmo optocinético, a fase REM (rapid eye movements) que ocorre durante o sono e a componente rápida do nistagmo pós-calórico. Ref.5

Leitura recomendada: Qual é a duração ideal e a função do sono em humanos?

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           Junto com o fato de que humanos piscam mais frequentemente do que o necessário para manter os olhos bem lubrificados, é sugerido que as piscadas também servem para outras funções. Em princípio, existem dois modos complementares pelos quais as piscadas podem contribuir para a percepção visual:

- ao intervir no processamento visual através de sinais extra-retinais associados;

- e ao afetar diretamente respostas neurais através das mudanças de luminância causadas sobre a retina.

          E existe evidência de que piscar pode modular a atividade neural. Por exemplo, respostas transientes no córtex visual têm sido observadas no momento da piscada nos olhos, com atividade primeiro diminuindo à medida que as pálpebras se fecham e então rapidamente se recuperando com o reaparecimento do estímulo visual. Notavelmente, atividade retorna a um nível maior imediatamente seguindo uma piscada, um efeito orientado pela estimulação re-aferente que pode facilitar a codificação visual.

          E, apesar de envolver características diferentes, as modulações de luminância causadas por outros tipos de ações motoras [movimentos oculares] atuam de forma crítica na percepção visual. Tanto sacádicos quanto derivas oculares - o incessante movimento de fixação do olho entre sacádicos - produzem luminância transiente que são perceptualmente benéficas. Esses sinais melhoram a visão de forma complementar; ex.: transformam uma cena espacial externa em um fluxo espaço-temporal para a retina.

          As mudanças abruptas de luminância causadas pelo ato de piscar diferem consideravelmente das modulações induzidas pelos movimentos oculares, e potencialmente com efeitos mais efetivos. De fato, neurônios respondem mais fortemente a mudanças temporais nos sinais de entrada e tendem a não responder a estímulos não-variantes.

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   NOVO ESTUDO

          Para explorar as consequências perceptuais das mudanças de luminância resultantes das piscadas, pesquisadores da Universidade de Rochester recrutaram 12 participantes (4 indivíduos do sexo feminino e 8 do sexo masculino; média de idade = 22 anos). Nenhum dos participantes sabia sobre os propósitos dos experimentos conduzidos. Através de um aparato para rastreio de movimentos oculares (Fig.2) e análise de dados coletados com modelos computacionais e análises espectrais das várias frequências de luz nos estímulos visuais, os pesquisadores investigaram como piscar os olhos afeta a visão humana relativo ao processamento visual durante as pálpebras completamente fechadas e abertas.

Figura 2. Um voluntário demonstrando o aparato usado para o rastreio dos movimentos oculares no novo estudo. Ref.2

          Após medir o quão sensitivo os humanos são em perceber diferentes tipos de estímulos (ex.: padrões visuais em diferentes níveis de detalhamento), os pesquisadores encontraram que quando as pessoas piscam, elas se tornam melhores na percepção de padrões grandes e gradualmente variantes. Em outras palavras, piscar fornece informação ao cérebro sobre o quadro geral de uma cena visual. Os resultados mostraram que quando nós piscamos, o rápido movimento das pálpebras altera os padrões de luz que são efetivos em estimular a retina. Isso criar um tipo diferente de sinal visual para o cérebro comparar quando nossos olhos estão abertos e focados em um ponto específico.

Figura 3. Piscar enfatiza baixas frequências espaciais - a visão geral de uma cena - e atua de forma importante no processamento de informação visual. Assim como outros movimentos oculares, piscar age como um componente computacional de uma estratégia visual de processamento que usa comportamento motor para reformatar a informação espacial no domínio temporal. Ref.2

          O estudo fornece forte evidência de que, contrário à crença comum, piscar melhora - ao invés de atrapalhar - o processamento visual, compensando positivamente a perda de exposição transiente de estímulo luminoso. Com os "mini-apagões", piscar aumenta a sensibilidade de contraste para baixas frequências espaciais e faz o sistema visual responder fortemente à imagem sobre a retina, resultando em melhor discriminação de padrões espaciais.

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> Válido também mencionar que estudos prévios têm também encontrado benefícios do ato de piscar em apresentações de rápidas sucessões visuais, nas quais indivíduos precisam identificar alvos visuais em fluxos aleatórios de elementos [imagens] de distração.

> Humanos também estrategicamente suprimem ou mudam as taxas de piscadas durante certos eventos para aparentemente reduzir a perda de informação relevante. Isso sugere que a importância das piscadas para o processamento visual pode variar dependendo do contexto visual. Ref.7

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REFERÊNCIAS

  1. Rucci et al. (2024). Eye blinks as a visual processing stage. PNAS, 121 (15) e2310291121. https://doi.org/10.1073/pnas.2310291121
  2. https://www.rochester.edu/newscenter/why-blinking-eyes-is-important-visual-processing-599212/
  3. Burr, D. (2005). Vision: In the Blink of an Eye. Cell. https://www.cell.com/current-biology/pdf/S0960-9822(05)00716-5.pdf
  4. Netto & Colafêmina (2010). Movimentos sacádicos em indivíduos com alterações cerebelares. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, 76(1). https://doi.org/10.1590/S1808-86942010000100010
  5. Pflugfelder et al. (2023). Dry eye disease and blinking behaviors: A narrative review of methodologies for measuring blink dynamics and inducing blink response. The Ocular Surface, Volume 29, Pages 166-174. https://doi.org/10.1016/j.jtos.2023.05.011
  6. Pflugfelder et al. (2023). Dry eye disease and blinking behaviors: A narrative review of methodologies for measuring blink dynamics and inducing blink response. The Ocular Surface, Volume 29, Pages 166-174. https://doi.org/10.1016/j.jtos.2023.05.011
  7. Rothkopf et al. (2018). Humans quickly learn to blink strategically in response to environmental task demands. PNAS 115, (9) 2246-2251. https://doi.org/10.1073/pnas.1714220115