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Por que as folhas da dormideira se fecham ao toque?

           Diferente dos animais, plantas não possuem nervos e músculos facilitando movimentos diversos. No entanto, várias espécies de plantas podem se mover rapidamente (dentro de segundos) em resposta a vários estímulos (ex.: toque), e, talvez, os mais famosos exemplos são as plantas carnívoras (1). Outro exemplo notável é a planta leguminosa da espécie Mimosa pudica, cujas folhas rapidamente se dobram para baixo após estimulação mecânica, como toque ou lesão. 

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(1) Leitura recomendada:


          Popularmente conhecida como dormideira, sensitiva, dorme-dorme, maria-fecha-a-porta ou não-me-toques, a M. pudica possui o órgão motor pulvino nas junções entre as folhas e a estrutura do ramo (Fig.1) - esse órgão imediatamente fecha os folhetos e move o pecíolo em resposta a estímulos mecânicos - e o efeito em série ou sequencial é possibilitado quando um rápido sinal elétrico se propaga ao longo do ramo. Ação de potencial, seguida por fluxo de água (ex.: perda da pressão de turgor), nas células motores pulvinares parece ser um passo crítico para permitir o rápido movimento (Ref.1).

Figura 1. (A) Planta da espécie Mimosa pudica com inflorescências. (B) Localização do pulvino. A dormideira é um arbusto perene pertencente à família Fabaceae e nativo da América tropical, mas hoje considerado uma erva daninha invasiva pan-tropical. Pode atingir uma altura de até 1 metro, mas tipicamente limitando-se a 15-45 cm. Ref.2-4 

Figura 2. Quando as folhas da Mimosa pudica L. são tocadas ou lesionadas, seus folhetos se fecham dentro de 15 segundos. Barra de escala = 10 mm. O movimento dos folhetos só pode ser ativado sob condições de iluminação diurna (nictinastia), com as folhas ficando naturalmente fechadas sob condições de baixa luminosidade; tocar a planta à noite não resulta em movimento adicional dos folhetos. Ref.4-5

          Um estudo publicado em 2022 no periódico Nature Communications (Ref.5) mostrou que a M. pudica fecha suas folhas em apenas 0,1 segundos após a sinalização de cálcio (Ca2+) citosólico no órgão motor pulvino. Os experimentos conduzidos no estudo mostraram que os íons Ca2+ acoplados com potenciais [elétricos] de ação e de variação agem como sinalizadores de longa distância que ativam os rápidos movimentos sequenciais da planta. Isso pode ser observado na Fig.3 e no vídeo abaixo.

Figura 3. Toque (a) e lesão (b) (setas brancas) causam um aumento dos íons Ca2+ no citosol de células do pulvino terciário de M. pudica (setas amarelas) e nos movimentos dos folhetos (setas vermelhas) que se propagam de forma sequencial até a base da ráquila. Barra de escala = 5 mm. Ref.5


          O mecanismo de movimento das folhas na M. pudica possui aparente função de defesa contra herbívoros, e evidência experimental aponta que insetos como gafanhotos exibem maior rejeição alimentar às folhas móveis dessa espécie (Ref.4-7). Folhas imóveis de M. pudica [geneticamente modicadas] são mais vulneráveis à predação por um inseto herbívoro do que folhas com função móvel normal (Ref.5). Na presença de toque físico externo ou processo mecânico de lesão (ex.: mordida nas folhas), existe uma alta chance de um animal herbívoro estar interagindo com as folhas ou folhetos voluntariamente ou não. Com o fechamento subsequente dos folhetos nas folhas, a planta: 

- se torna menos visível ao potencial predador [herbívoro];

- torna mais visível seus espinhos, potencialmente reduzindo o interesse do herbívoro; 

- pode potencialmente assustar o herbívoro com o súbito movimento das folhas;

- pode forçar a remoção mecânica de pequenos invertebrados herbívoros;

- pode dificultar a alimentação de invertebrados herbívoros.

          Uma hipótese alternativa e/ou complementar - mas suportada por conflitante e limitada evidência científica - sugere que o fechamento das folhas pode também reduzir o estresse biomecânico gerado por fortes ventos, similar ao recolhimento das velas de um barco em uma tempestade (Ref.4).

           E existe uma substancial variação no tempo que leva para a M. pudica reabrir as folhas seguindo o distúrbio (de 3 a 15 minutos). O modelo de estratégia anti-predação está associado a uma significativa perda de produção energética via fotossíntese (menor área de exposição das folhas à radiação solar). De fato, a taxa fotossintética é reduzida em até 40% quando as folhas estão fechadas. Nesse sentido, existe evidência experimental mostrando que em um ambiente altamente iluminado, as folhas da M. pudica ficam fechadas por mais tempo do que em ambientes pouco iluminados, ou seja, um balanceamento otimizado entre benefícios e prejuízos ligados a perdas e ganhos energéticos e de biomassa (Ref.2).

          Folhas mais velhas ou danificadas parecem levar mais tempo para reabrir após fechamento. E folhas são menos prováveis de fechar, e são mais rápidas na reabertura, quando estão habituadas ao estímulo de gatilho.

          Variação na temperatura ambiente pode também impactar de forma significativa no tempo de fechamento das folhas (Ref.9).


REFERÊNCIAS

  1. Hagihara & Toyota (2020). Mechanical Signaling in the Sensitive Plant Mimosa pudica L. Plants, 9(5):587. https://doi.org/10.3390%2Fplants9050587
  2. https://www.iucngisd.org/gisd/species.php?sc=1002
  3. https://sites.nd.edu/biomechanics-in-the-wild/2021/04/07/the-plant-that-hates-to-be-touched/
  4. Bao et al. (2018). Photosynthetic opportunity cost and energetic cost of a rapid leaf closure behavior in Mimosa pudica. American Journal of Botany, Volume 105, Issue 9, Pages 1491-1498. https://doi.org/10.1002/ajb2.1154
  5. Hagihara et al. (2022). Calcium-mediated rapid movements defend against herbivorous insects in Mimosa pudica. Nature Communications 13, 6412. https://doi.org/10.1038/s41467-022-34106-x
  6. Patil & Vaijapurkar (2007). Study of the geometry and folding pattern of leaves of Mimosa pudica. Journal of Bionic Engineering 4, 19–23. https://doi.org/10.1016/S1672-6529(07)60008-0
  7. Kurenda et al. (2019). Insect-damaged Arabidopsis moves like wounded Mimosa pudica. PNAS, 116(51)26066-26071. https://doi.org/10.1073/pnas.1912386116
  8. Jensen et al. (2011). Applying Behavioral-Ecological Theory to Plant Defense: Light-Dependent Movement in Mimosa pudica Suggests a Trade-Off between Predation Risk and Energetic Reward. The American Naturalist, Volume 177, Number 3. https://doi.org/10.1086/658343  
  9. Cosca et al. (2023). "Do environmental stimuli modify sensitive plant (Mimosa pudica L.) risk assessment?" PLoS ONE 18(12): e0294971. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0294971