Qual é o menor vertebrado conhecido?
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Figura 1. Sapo-pulga (Brachycephalus pulex) sobre uma moeda de 1 real (diâmetro da moeda = 27 mm). Registro feito em Serra Bonita, município de Camacan, na Bahia, no dia 16 de dezembro de 2014. Ref.5 |
- Atualizado no dia 11 de novembro de 2024 -
Os atuais vertebrados descritos variam de tamanho em mais de 3000 vezes. Enquanto temos a baleia-azul (Balaenoptera musculus) com um comprimento corporal médio de quase 26 metros e uma massa de até 180 toneladas (1), o peixe da espécie Paedocypris progenetica, encontrado em pântanos florestais de turfas no Sudeste Asiático, exibe um comprimento corporal adulto de apenas ~9 mm (7,9-10,3 mm) (Fig.2). Porém, esse peixe Asiático ainda perde o título de menor vertebrado do mundo para três espécies de anfíbios terrestres:
- a rã da espécie Paedophryne amanuensis, com um comprimento corporal médio de 7,7 mm (7-8 mm) quando adulta (Fig.3).
- a rã da espécie Brachycephalus pulex - com machos adultos exibindo um comprimento médio de 7,1 mm (Fig.1, 4).
- e a rã da espécie Brachycephalus dacnis, com um típico comprimento corporal de 7,55 mm para o macho adulto (Fig.5).
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> O sapo-pulga (B. pulex), endêmico do sul da Bahia, Brasil, é o menor anuro e o menor vertebrado até o momento conhecido. O autor principal do recente estudo (Ref.5) que confirmou esse título, Dr. Mirco Solé, da Universidade Estadual de Santa Cruz, comentou acreditar que existem anfíbios ainda menores que o B. pulex, esperando ser descobertos:
"Cada vez que achamos que temos uma reposta a natureza nos surpreende de novo. Ainda existem muitos anfíbios por descrever. Animais que nunca antes foram catalogados ou porque habitam lugares recônditos, ou ocorrem em abundâncias muito baixas, ou simplesmente são tão pequenos e bem camuflados que fica difícil localizar eles. Existem muitos ambientes do nosso planeta que nunca foram pisados por um especialista em anfíbios, tanto na África, como na Ásia e também, ainda, no Brasil. Eu ficarei feliz o dia que alguém descobrir um anfíbio ainda menor que o Brachycephalus pulex, pois futuras descobertas nos ajudarão ainda mais a entender como funciona a biologia de esses seres diminutos."
(1) Para mais informações: Qual é o mais massivo animal do mundo?
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Figura 2. Até 2012, o menor vertebrado do mundo registrado era o minúsculo peixe da espécie Paedocypris progenetica. Em (a,b), um macho com 9 mm de comprimento; em (c), uma fêmea com 8,8 mm. Ref.2 |
Animais miniaturizados tipicamente exibem fecundidade reduzida e um aumento no tamanho dos ovos relativo a clados próximo relacionados de maior tamanho corporal. Dos 29 menores rãs conhecidas, 24 (83%) não possuem um estágio larval de girino e se desenvolvem diretamente a partir dos ovos. Essas espécies de desenvolvimento direto pertencem a clados que incluem espécies muito maiores também exibindo desenvolvimento direto, e, portanto, tal estratégia reprodutiva pode facilitar a evolução de extrema miniaturização nesses anfíbios. Espécies miniaturizadas também tipicamente expressam uma morfologia reduzida e simplificada. Por exemplo, no gênero Paedophryne, temos um número reduzido de vértebras pré-sacrais, ossificação reduzida de vários elementos cranianos, e redução dos dedos e falanges nos membros traseiros e dianteiros.
Por causa da alta razão entre área e volume corporal em espécies extremamente miniaturizadas e à sensibilidade natural das rãs em termos de ressecamento, esses minúsculos anfíbios são encontrados tipicamente em ambientes muito úmidos, como pântanos florestais. De fato, existe uma tendência de aumento da massa corporal de anuros à medida que o ambiente se torna cada vez menos úmido (ex.: chuvas mais escassas) (Ref.4). Por outro lado, é sugerido que extrema miniaturização em anfíbios pode ser favorecida também em ambientes hipóxicos, como pântanos, isso porque uma alta razão área/volume corporal otimiza as trocas gasosas e aproveitamento de oxigênio do ar/água - em especial considerando que a respiração cutânea é crucial nesses animais (Ref.4).
Balanço e Orientação
Outro aparente e notável efeito colateral da miniaturização nos anuros do gênero Brachycephalus é o senso de equilíbrio reduzido, desfavorecendo locomoção ágil e com saltos.
O sistema vestibular vertebrado é uma rede de câmaras e canais preenchidos com fluido dentro do labirinto ósseo do ouvido interno. Esse sistema é responsável pelo senso de balanço e orientação espacial, e inclui órgãos otólitos - que detectam acelerações gravitacional e linear - e três canais semicirculares ortogonais que detectam aceleração angular (Fig.6). Movimentos da cabeça fazem a endolinfa - fluído com densidade similar àquela da água - se mover através de células capilares na ampola, mecanicamente curvando-as e produzindo um impulso nervoso. Essa informação sensorial gerada é direcionada ao sistema nervoso central onde é usada para controlar postura e movimento através do envio de sinais aos músculos esqueléticos. Nesse sentido, o sistema vestibular funciona como um giroscópio.
Os canais semicirculares nos vertebrados estão sob grande pressão seletiva no sentido de conservar suas dimensões. Mesmo espécies variando em várias ordens de magnitude no porte corporal possuem canais semicirculares de tamanhos similares. Por exemplo, baleias verdadeiras (misticetos) exibem canais semicirculares de tamanho médio em relação aos mamíferos em geral. Porém, quando vertebrados são extremamente miniaturizados, os canais semicirculares podem sofrer também significativa miniaturização. E, nesse último caso, a capacidade de detectar aceleração angular pode ser comprometida.
Anuros miniaturizados dos gêneros Brachycephalus e Paedophryne exibem os menores canais semicirculares entre os vertebrados adultos conhecidos (Ref.7). E, como esperado, também exibem a menor sensibilidade conhecidas relativa à aceleração angular.
Somado com a anômala morfologia dos membros traseiros, a perda de feedback vestibular parece resultar em baixo controle postural durante saltos nesses anuros: sapos-pulgas e afins são "desengonçados" quando saltam, rotacionando durante a trajetória no ar e frequentemente aterrissando de costas, como pode ser observado neste vídeo. Além disso, andam lentamente e de forma cuidadosa - também esperado para compensar a perda de função vestibular.
Curiosamente, após saltar "torto" para fugir de algum potencial perigo (ex.: predador), os anuros do gênero Brachycephalus podem ficar invertidos, imóveis e com os membros estendidos pós-aterrissagem por até 30 minutos. Existem duas hipóteses para esse comportamento, ambas sugerindo estratégias defensivas:
- mimetismo, ao adquirir a aparência de uma folha caída no chão;
- tanatose, ou seja, estaria se fingindo de morto.
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> Anfíbios exibem extremas variações de tamanho corporal, desde os minúsculos P. amanuensis e a salamandra Thorius arboreus (~17 mm de comprimento corporal sem a cauda) até a rã-golias (Conraua goliath; 33 cm de comprimento) e a salamandra-gigante-Chinesa (Andrias davidianis; 1,8 metro de comprimento). Ref.3
> O menor vertebrado amniota (répteis/aves e mamíferos) é uma espécie de camaleão que habita Madagascar. Para mais informações: Qual é o menor réptil do mundo?
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REFERÊNCIAS
- Rittmeyer et al. (2012). Ecological Guild Evolution and the Discovery of the World's Smallest Vertebrate. PLoS ONE 7(1): e29797. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0029797
- Kottelat et al. (2006). Paedocypris, a new genus of Southeast Asian cyprinid fish with a remarkable sexual dimorphism, comprises the world’s smallest vertebrate. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 273(1589), 895–899. https://doi.org/10.1098/rspb.2005.3419
- Heald et al. (2020). The power of amphibians to elucidate mechanisms of size control and scaling. Experimental Cell Research, Volume 392, Issue 1, 112036. https://doi.org/10.1016/j.yexcr.2020.112036
- Pincheira-Donoso et al. (2023). What drives the evolution of body size in ectotherms? A global analysis across the amphibian tree of life. Global Ecology and Biogeography. https://doi.org/10.1111/geb.13696
- Solé et al. (2024). "Zooming in on amphibians: Which is the smallest vertebrate in the world?" Zoologica Scripta. https://doi.org/10.1111/zsc.12654
- Toledo et al. (2024). Among the world’s smallest vertebrates: a new miniaturized flea-toad (Brachycephalidae) from the Atlantic rainforest. Zoological Science, 12:e18265. https://doi.org/10.7717/peerj.18265
- Essner et al. (2022). Semicircular canal size constrains vestibular function in miniaturized frogs. Science Advances, Vol. 8, Issue 24. https://doi.org/10.1126/sciadv.abn1104