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Qual o gosto de sêmen [esperma]?


- Atualizado no dia 29 de janeiro de 2023 -

            Essa é uma pergunta recorrente em fóruns na internet e uma curiosidade comum. Afinal, sêmen (ou esperma) possui gosto? Com base em entrevistas publicadas com atrizes e atores de filmes adultos e opiniões publicadas em fóruns e sites de entretenimento, o gosto parece variar de indivíduo para indivíduo, frequentemente sendo reportado um gosto levemente doce, levemente salgado ou levemente amargo. Algumas pessoas parecem tolerar, enquanto outras não toleram (ou se esforçam para tolerar no sentido de agradar ao parceiro). Porém, em termos acadêmicos, não parece existir estudos científicos investigando a questão em específico ('gosto do sêmen'). Muito menos existe suporte científico para alegações de que mudanças na dieta influenciam no gosto do sêmen (ex.: "comer abacaxi deixa o gosto mais agradável"), apesar de reportes anedóticos nesse sentido (!).

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(!) Importante mencionar que a dieta pode ter significativa influência sobre parâmetros de qualidade do sêmen (ex.: concentração de espermatozoides, motilidade dos espermatozoides, volume do sêmen, etc.), mas não necessariamente sobre o gosto (Ref.1). Por exemplo, um maior consumo de açúcar está associado a uma menor concentração de espermatozoides (Ref.2).

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           Sobre a percepção de um gosto levemente doce, amargo ou salgado, existe convincente argumento científico para os três.

           Sêmen humano é uma mistura de componentes produzidos por várias diferentes glândulas. Esses componentes são misturados de forma incompleta durante a ejaculação e, portanto, o ejaculado inicial - com um volume médio de ~3,4 mL - não é uma mistura inteiramente homogênea. A primeira porção do ejaculado, cerca de 5%, é constituída de secreções das glândulas de Cowper (bulbouretral) e de Littre. A segunda porção deriva da próstata e contribui de 15% a 30% do ejaculado. Seguem então pequenas contribuições da ampola e epidídimos e, finalmente, das vesículas seminais, estas as quais contribuem com o restante, e maioria, do ejaculado. Espermatozoides, produzidos nos testículos, constituem apenas pequena parte do sêmen, de 1% até 5% do volume total (200-500 milhões de espermatozoides em um volume igual ou acima de 2 mL).

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> Valores mínimos de referência para parâmetros de qualidade do sêmen, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) (Ref.3): volume do sêmen, 1,5 mL; número total de espermatozoides, 39 milhões por ejaculado; concentração de espermatozoides, 15 milhões por mL; vitalidade, 58% dos espermatozoides vivos; motilidade progressiva, 32%; motilidade total, 40%; espermatozoides morfologicamente normais, 4%. Valores abaixo desses limites indicam potenciais problemas de fertilidade masculina.

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          A próstata é a principal fonte de ácido fosfatase, ácido cítrico, inositol, cálcio, zinco e magnésio encontrados no sêmen. A contribuição das vesículas seminais é rica em frutose, ácido ascórbico e prostaglandinas. Uma pequena porção da frutose presente se origina da ampula e dos dutos deferentes. Cerca de um terço do conteúdo proteico do sêmen é albumina (15,5 mg/mL), esta com origem principalmente da próstata; mas a maior parte das proteínas é excretada pelas vesículas seminais. O sêmen possui uma alta capacidade de tamponamento (alta capacidade de manter o pH normal mesmo com a adição de fortes ácidos ou bases), com a contribuição principal do tampão HCO3-/CO2 (~25,0%) e da presença de certas proteínas (28,5%), e o restante incluindo componentes como citrato, fosfato inorgânico e piruvato; esse eficiente tampão visa proteger os espermatozoides do ambiente ácido do canal vaginal. 

          Valores de pH do sêmen variam de estudo para estudo, mas tipicamente ficam na faixa de 7,2-8,0 (levemente básico), mas potencialmente superando um valor de 8 (Ref.4-5). Essa natureza alcalina do sêmen - devido a secreções das vesículas seminais e da próstata contendo poliaminas básicas como espermina, espermidina*, putrescina e cadaverina - pode talvez explicar o gosto levemente amargo reportado. Por exemplo, muitas aminas - como alcaloides e fármacos diversos - possuem um gosto amargo, e poliaminas são reportadas de ter um forte gosto amargo em humanos (Ref.12-13). Inclusive o cheiro do sêmen é em parte associado à relativa alta concentração de aminas básicas como a putrescina e a cadaverina nesse fluído (Ref.14-17). Essas bases alcalinas no sêmen fazem o papel de neutralizar o ambiente ácido do canal vaginal (que é muito nocivo ao esperma), e protegem o DNA dentro do esperma da desnaturação ácida.

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*Aliás, poliaminas como a espermina e a espermidina cumprem funções importantes em várias células e tecidos do corpo, e não são limitadas apenas ao sêmen. Fica a sugestão de leitura: Molécula abundante no gérmen de trigo reverteu o declínio de fertilidade em ratos fêmeas com idade avançada

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          Sobre a frutose em especial, o sêmen contém cerca de 2,72 mg/mL frutose, além de ~1,02 mg/mL de glicose (Ref.4). Esses dois monossacarídeos podem explicar o gosto levemente doce reportado para o sêmen. Alias, esse fluído é único no corpo humano devido à alta concentração do frutose (15 mM na média; variando de 5 a 30 mM), o qual é requerido para suportar a viabilidade, funções e motilidade dos espermatozoides (é o principal combustível dessas células reprodutivas). O nível de frutose no sêmen (15 mM na média, mas variando de 5 a 30 mM) é 300 vezes maior do que os níveis desse açúcar no sangue. Alto nível de frutose no sêmen está associado também a funções antivirais (Ref.6). E interessante mencionar que indivíduos diabéticos possuem um sêmen com maior concentração de frutose e de glicose (Ref.7).

           Já para o gosto levemente salgado reportado para o sêmen, temos uma significativa concentração de sódio no ejaculado (~300 mg/mL), maior do que aquela observada no plasma sanguíneo (Ref.4). Além disso, temos também uma significativa concentração de potássio (~109 mg/mL), que pode também contribuir para o gosto salgado.

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Leitura complementar: Temos um "mapa de gostos" na língua?

CURIOSIDADE: Assim como em outros tecidos e fluídos do corpo, o sêmen humano também possui um microbioma, composto principalmente de bactérias dos gêneros Lactobacillus, Pseudomonas, Prevotella, Gardenella, Corynebacterium, Staphylococcus e Streptococcus (Ref.8-10). Esse microbioma é suspeito de impactar na qualidade do sêmen e no status de fertilidade. Além disso, podem existir certos patógenos no sêmen, como os vírus HPV e HIV, contribuindo para a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis.

ESPERMA AMARELADO: É comum homens reportarem ocasionalmente uma cor amarelada do esperma, o qual é tipicamente branco, cor de creme ou cinza-claro. A cor amarelada do esperma raramente é motivo de preocupação, especialmente se não estiver acompanhada de outros sintomas, como febre ou dor ao urinar ou ejacular. A mudança de cor pode ser devido ao avanço da idade, abstinência sexual (incluindo masturbação), presença de urina na uretra, certos alimentos ricos em enxofre e certos medicamentos ou suplementos vitamínicos. Porém, certas infecções podem também tornar o esperma amarelado em alguns casos. Para mais informações, acesse o artigo completo: Por que a cor do meu esperma [sêmen] está amarela?

Leitura recomendada: O que é a Ejaculação Retrógrada?

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Ricci et al. (2017). Dietary habits and semen parameters: a systematic narrative review. Andrology, Volume 6, Issue 1, Pages 104-116. https://doi.org/10.1111/andr.12452
  2. Birk et al. (2022). Sugar Consumption Is Negatively Associated with Semen Quality. Reproductive Sciences 29, 3000–3006. https://doi.org/10.1007/s43032-022-00973-4 
  3. Trevor et al. (2010). World Health Organization reference values for human semen characteristics, Human Reproduction Update, Volume 16, Issue 3, Pages 231–245. https://doi.org/10.1093/humupd/dmp048
  4. Owen & Katz (2013). A Review of the Physical and Chemical Properties of Human Semen and the Formulation of a Semen Simulant. Journal of Andrology, Volume 26, Issue 4, Pages 459-469. https://doi.org/10.2164/jandrol.04104
  5. Anamthathmakula & Winuthayanon (2022). Mechanism of semen liquefaction and its potential for a novel non-hormonal contraception, Biology of Reproduction, Volume 103, Issue 2, Pages 411–426. https://doi.org/10.1093/biolre/ioaa075
  6. Johnson et al. (2020). The High Content of Fructose in Human Semen Competitively Inhibits Broad and Potent Antivirals That Target High-Mannose Glycans. Journal of Virology, Vol. 94, No. 9. https://doi.org/10.1128/JVI.01749-19
  7. Oliveira et al. (2014). Sperm glucose transport and metabolism in diabetic individuals. Molecular and Cellular Endocrinology, Volume 396, Issues 1–2, Pages 37-45. https://doi.org/10.1016/j.mce.2014.08.005
  8. Tuominen et al. (2021). HPV infection and bacterial microbiota in the semen from healthy men. BMC Infectious Diseases 21, 373. https://doi.org/10.1186/s12879-021-06029-3
  9. Tomaiuolo et al. (2020). Microbiota and Human Reproduction: The Case of Male Infertility. High-Throughput 9(2), 10.  https://doi.org/10.3390/ht9020010
  10. Baud et al. (2019). Sperm Microbiota and Its Impact on Semen Parameters. Frontiers in Microbiology. https://doi.org/10.3389/fmicb.2019.00234
  11. https://my.clevelandclinic.org/health/symptoms/21600-yellow-semen
  12. https://www.oit.edu/sites/default/files/document/chapter-7-1.pdf
  13. Hussain et al. (2016). Ionotropic Chemosensory Receptors Mediate the Taste and Smell of Polyamines. PLoS Biol 14(5): e1002454. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.1002454
  14. https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/11717/1/21485079.pdf
  15. Sociedade Brasileira de Química
  16. https://www.acs.org/molecule-of-the-week/archive/c/cadaverine.html
  17. Heidari & Gobato (2018). Putrescine, Cadaverine, Spermine and Spermidine – Enhanced Precatalyst Preparation Stabilization and Initiation (EPPSI) Nano Molecules. Parana Journal of Science and Education. Vol. 4, No. 5, pp. 1-14.