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Qual animal produz os maiores espermatozoides?

Figura 1. Em (A), mosca da espécie Drosophila bifurca. Em (B), micrografia de varredura eletrônica (SEM) mostrando um único espermatozoide de D. bifurca dissecado da vesícula seminal, onde espermatozoides estão individualmente enrolados em bolas compactas. Ref.1

           O primeiro animal que vem à cabeça como resposta é a baleia-azul, um dos maiores animais da Terra e o mais massivo já descrito. Cada ejaculação desse cetáceo libera ~20 litros de sêmen. Porém, essa assumida resposta está longe de correta. Os maiores animais tendem a produzir os menores gametas masculinos, em linha razoável com a Hipótese da Diluição dos Espermatozoides. Nesse contexto, os maiores espermatozoides são produzidos por uma espécie de mosca (Fig.1). Sim, em específico a mosca-da-fruta Drosophila bifurca. Machos dessa mosca produzem espermatozoides com quase 6 cm de comprimento e os testículos da espécie respondem por 11% da massa corporal do inseto.


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          Devido à grande demanda energética para produzir os espermatozoides gigantes, essa mosca-da-fruta produz poucos gametas masculinos ao longo da vida: menos de 6 gametas para cada óvulo produzido pelas fêmeas (Fig.2). Machos sob baixa competição sexual ou com acesso limitado às fêmeas exibem taxas de produção de espermatozoides ainda menores (Ref.2). Outras espécies de Drosophila também produzem espermatozoides gigantes, mas a variação interespecífica de comprimento é provavelmente a maior no reino animal. Por exemplo, a espécie D. melanogaster produz espermatozoides gigantes com menos de 2 mm de comprimento, mas em maior quantidade (Ref.2). 

Figura 2. Trato reprodutivo masculino da mosca Drosophila bifurca. (a) Vesículas seminais (vs), aparentemente cheias até a capacidade máxima, dissecadas de um macho adulto virgem cujo suprimento de esperma não foi reduzido (t, testículos; p, paragônias; ed, ducto ejaculatório; eb, bulbo ejaculatório; a, edeago). (b) Micrografia eletrônica de varredura (SEM) mostrando duas bolas de espermatozoides dentro de uma vesícula seminal dissecada. Os espermatozoides individuais possuem comprimento >20 vezes maior do que a própria mosca adulta. Os machos produzem cerca de 221 espermatozoides por dia. Ref.1-2

            Voltando ao ponto inicial e diferente do comumente pensado, a baleia-azul não produz espermatozoides necessariamente maiores do que humanos ou outros mamíferos de menor porte. Aliás, humanos produzem espermatozoides significativamente menores do que ratos. Cetáceos produzem espermatozoides com comprimento médio de ~61 micrômetros (µm), enquanto nos primatas e roedores os valores são de ~66 µm e de 96 µm, respectivamente (Ref.3).

          Mas quais os fatores evolucionários que influenciam no tamanho dessas células?

          Em animais, machos produzem espermatozoides (gametas masculinos) e fêmeas produzem óvulos (gametas femininos). A fusão desses dois gametas dão origem a um embrião e, eventualmente, a um novo organismo. Recursos nutricionais para o embrião em formação são concentrados no óvulo, permitindo tipicamente a produção de um grande número de pequenos espermatozoides com a tarefa única de fertilizar o gameta feminino e fornecer o genoma complementar da espécie. Isso explica a evolução anisogâmica de uma quantidade muito pequena de óvulos grandes e uma quantidade muito grande de espermatozoides minúsculos - mantendo ótima a alocação de recursos sem comprometer o potencial de fertilização efetiva. Mas enquanto espermatozoides são bem menores do que os óvulos como regra, a diferença de tamanho dos gametas masculinos entre espécies distintas de animais é enorme.

           Espermatozoides exibem notável nível de variação em tamanho, forma e morfologia geral ao longo do reino animal. Aliás, esses gametas representam as células eucarióticas com a maior diversidade conhecida, variando ao longo de todos os níveis de organização: entre espécies, entre populações da mesma espécie, entre machos dentro de uma população assim como no ejaculado de um mesmo indivíduo (Ref.4). Algumas espécies inclusive produzem espermatozoides sem a típica cauda ou flagelo (Ref.5). Essa extraordinária diversificação parece ser moldada principalmente por fatores ecológicos e por seleção sexual pós-copulatória.

  

Figura 3. Exemplos da diversidade morfológica dos espermatozoides exibida entre espécies de mamíferos: hamster (A), humano (B), touro (C), rato (D), equidna (E), porco (F), cão (G), gato (H) e um marsupial da ordem Peramelemorphia (I). Nesses exemplos, todos com cauda. Ilustrações: Austin, 1976. Ref.6

           O tamanho dos espermatozoides, em particular o comprimento total, varia em milhares de vezes entre as espécies. Entre insetos, temos espermatozoides variando desde 7 micrômetros (μm) na vespa Cotesia congregata (2) até 58290 μm na mosca D. bifurca. Entre tetrápodes, o comprimento dos espermatozoides varia de <10 μm em certos peixes e anfíbios de fertilização externa até aproximadamente 1000 μm em alguns anfíbios urodelos (salamandras e tritões). Gigantismo nos espermatozoides evoluiu de forma convergente em grupos bem distintos de animais, incluindo invertebrados e vertebrados. Microgametas também evoluíram de forma convergente entre grupos bem distintos: espermatozoides com apenas 2 μm nos rotíferos da espécie Brachionus bidentata e ~6 μm nos bagres da espécie Hemibagrus nemurus (Ref.7-8).

             Existem pelo menos três principais fatores que parecem influenciar diretamente no tamanho dos espermatozoides:

- Competição entre espermatozoides: Alta competitividade entre machos por fêmeas promíscuas favorece seleção de espermatozoides mais longos ou de maior porte. Quanto maior a competição dos espermatozoides de machos distintos no trato reprodutivo feminino, maior parece ser o investimento nos gametas masculinos individuais. Essa relação parece ser especialmente forte entre espécies distintas de artrópodes. Porém, a relação também parece depender de características do trato reprodutivo feminino. Espermatozoides mais longos podem ser favorecidos caso tenham maior poder de locomoção ou sejam melhores em bloquear o acesso de gametas rivais - ou desalojá-los - nos órgãos de armazenamento de espermatozoides das fêmeas. Caso esses fatores não forneçam vantagem competitiva, um maior número de espermatozoides produzido é favorecido em detrimento do tamanho. Ref.9-12

-Porte corporal: Pelo menos entre mamíferos, existe evidência científica robusta de suporte à hipótese da diluição dos espermatozoides. O tamanho dos espermatozoides tende a diminuir com o porte corporal da espécie. Isso explica por que gigantismo é mais comum e extremo entre invertebrados, como moscas e vermes nematelmintos, e animais de pequeno porte em geral. Maior trato reprodutivo das fêmeas favorece ejaculados com um maior número de espermatozoides - aumentando a chance de encontro com o óvulo - em detrimento do tamanho dos gametas masculinos individuais. Por outro lado, em animais de grande porte, a necessidade do espermatozoide persistir ativo por longo tempo até percorrer o longo trato reprodutivo feminino pode limitar a miniaturização desses gametas. Ref.13

-Modo de fertilização: similar à hipótese da diluição dos espermatozoides, transições evolucionárias nos modos de fertilização podem transformar como seleção age sobre o comprimento dos espermatozoides devido ao ambiente de competição entre os gametas. Em animais com fertilização externa, ou seja, onde os gametas femininos e masculinos são lançados e diluídos na água, espermatozoides mais curtos são favorecidos. Espermatozoides mais longos são favorecidos em espécies onde esses gametas são transferidos diretamente para as fêmeas (fertilização interna). Ref.14

           Em animais vertebrados tetrápodes, a evolução do comprimento dos espermatozoides parece ser influenciada principalmente por competição entre espermatozoides e tamanho da ninhada (Fig.4).

Figura 4. Tamanho dos espermatozoides em função da massa corporal de 1388 espécies de tetrápodes de quatro classes representadas pelos pontos individuais: anfíbios (laranja), aves (verde), mamíferos (azul) e répteis (preto). O vértice T1 (verde) é populado por rãs, o vértice T2 é populado principalmente por aves e mamíferos de pequeno porte, e o vértice T3 (roxo) é populado por mamíferos de grande porte. Ref.15 

           Considerando a alta competitividade entre machos de moscas-da-fruta por fêmeas, o pequeno porte corporal e características do trato reprodutivo feminino desses insetos, a produção de um pequeno número de espermatozoides gigantes na espécie Drosophila bifurca é vantajosa: os gametas gigantes podem bloquear ou dominar efetivamente o órgão de armazenamento de espermatozoides das fêmeas (receptáculo seminal) e dificultar o acesso de gametas rivais de outros machos (Ref.16). E existe uma corrida evolucionária entre comprimento do receptáculo seminal e o comprimento do espermatozoide entre as moscas Drosophila, incluindo coevolução de genes ligados aos dois traços (Ref.17). 

           A maioria das fêmeas de Drosophila acasalam frequentemente com machos diferentes, o que significa que os espermatozoides de múltiplos machos competem entre si no mesmo ambiente para fertilizar os óvulos disponíveis. As fêmeas de Drosophila também são capazes de armazenar espermatozoides por dias ou semanas  no receptáculo seminal após a cópula (Ref.18). Quando uma fêmea de Drosophila acasala com um novo macho, o espermatozoide desse último tenta desalojar e substituir o esperma do macho anterior. Espermatozoides mais longos possuem vantagem nessa disputa, e acabam fertilizando a maioria dos óvulos disponíveis. 

          Nesse sentido, machos com espermatozoides longos produzem muitos descendentes que também têm espermatozoides longos na geração seguinte. E somente machos de maior porte e saudáveis são capazes de produzir uma quantidade relativamente grande de espermatozoides muito longos. Se uma fêmea se reproduzir com machos saudáveis, seus descendentes também terão genes que os tornarão saudáveis. As fêmeas podem, portanto, transmitir mais genes para as gerações subsequentes ao fertilizar óvulos apenas com espermatozoides de parceiros da mais alta qualidade. 

          Com o tempo, esses processos de seleção sexual (3) levam à evolução de espermatozoides gigantes nas moscas Drosophila.


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REFERÊNCIAS

  1. Bjork & Pitnick (2006). Intensity of sexual selection along the anisogamy–isogamy continuum. Nature, Vol. 44, 8. https://doi.org/10.1038/nature04683
  2. Bjork et al. (2007). Adaptive modulation of sperm production rate in Drosophila bifurca, a species with giant sperm. Biology Letters, Volume 3, Issue 5. https://doi.org/10.1098/rsbl.2007.0219
  3. Cummins, J. M. (1985). On mammalian sperm dimensions. Reproduction, Volume 75, Issue 1, Pages 153-175. https://doi.org/10.1530/jrf.0.0750153
  4. Melissah et al. (2025). Independent evolution of atypical sperm morphology in a passerine bird. Journal of Evolutionary Biology, Volume 38, Issue 10, Pages 1373–1386. https://doi.org/10.1093/jeb/voaf087
  5. Morrow, E. H. (2004). How the sperm lost its tail: the evolution of aflagellate sperm. Biological Reviews. 2004;79(4):795-814. https://doi.org/10.1017/S1464793104006451
  6. Dixson, A. F. (2021). 6 - The Testes and Spermatozoa. Mammalian Sexuality The Act of Mating and the Evolution of Reproduction , pp. 155-186. https://doi.org/10.1017/9781108550758.010
  7.  Gage M, J. G. (2021). Sperm size evolution. Nature. https://doi.org/10.1038/s41559-021-01501-4
  8. David et al. (2025). On sperm length mean–variance relationships, Journal of Evolutionary Biology, voaf103. https://doi.org/10.1093/jeb/voaf103
  9. Vielle et al. (2016). Convergent evolution of sperm gigantism and the developmental origins of sperm size variability in Caenorhabditis nematodes, Evolution, Volume 70, Issue 11, Pages 2485–2503. https://doi.org/10.1111/evo.13043
  10. Godwin et al. (2017). Experimental evolution reveals that sperm competition intensity selects for longer, more costly sperm, Evolution Letters, Volume 1, Issue 2, Pages 102–113. https://doi.org/10.1002/evl3.13
  11. Lüpold et al. (2020). How sperm competition shapes the evolution of testes and sperm: a meta-analysis. Biological Sciences, Volume 375, Issue 1813. https://doi.org/10.1098/rstb.2020.0064
  12. Laugen et al. (2022). Sperm competition in yellow dung flies: No consistent effect of sperm size, Journal of Evolutionary Biology, Volume 35, Issue 10, Pages 1309–1318. https://doi.org/10.1111/jeb.14073
  13. Lüpold & Fitzpatrick (2015). Sperm number trumps sperm size in mammalian ejaculate evolution. PRSB, Volume 282, Issue 1819. https://doi.org/10.1098/rspb.2015.2122
  14. Kahrl et al. (2021). Fertilization mode drives sperm length evolution across the animal tree of life. Nature Ecology & Evolution 5, 1153–1164. https://doi.org/10.1038/s41559-021-01488-y
  15. Koçillari et al. (2024). Tetrapod sperm length evolution in relation to body mass is shaped by multiple trade-offs. Nature Communications 15, 6160. https://doi.org/10.1038/s41467-024-50391-0
  16. Syed et al. (2025). Genomics of a sexually selected sperm ornament and female preference in Drosophila. Nature Ecology & Evolution 9, 336–348. https://doi.org/10.1038/s41559-024-02587-2
  17. Miller, G. T., & Pitnick, S. (2002). Sperm-female coevolution in Drosophila. Science, 298(5596), 1230-1233. https://doi.org/10.1126/science.1076968 
  18. Lüpold et al. (2016). How sexual selection can drive the evolution of costly sperm ornamentation. Nature 533, 535–538. https://doi.org/10.1038/nature18005