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Por que as cachalotes possuem dentes apenas na mandíbula?

Figura 1. Cachalote com a boca aberta mostrando presença de vários dentes na mandíbula mas ausência de dentes na maxila.

 
          Eternizada na obra Moby Dick (1851), a cachalote (Physeter macrocephalus) é um cetáceo da subordem Odontoceti ("baleias dentadas") que pode alcançar até 20 metros de comprimento e 45 toneladas de massa corporal. Diferente das baleias verdadeiras (subordem Mysticeti) que evoluíram barbatanas no lugar de dentes (alimentação via filtração), as cachalotes retêm dentes - e são os maiores predadores dentados conhecidos no planeta. Porém, as cachalotes trazem um estranho fenótipo: só possuem dentes na mandíbula.

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           Contrário ao senso comum, os numerosos dentes mandibulares na cachalote não são usados para mastigar ou processar o alimento ou mesmo morder, perfurar ou rasgar presas. Elas ingerem presas - em especial lulas - primariamente através de sucção. Os dentes inferiores são mais usados [de forma direta] para interações sociais. Na alimentação, os dentes cônicos na longa e estreita mandíbula se encaixam nos buracos na maxila, esta a qual não possui dentes (Fig.2). Esse arranjo é uma perfeita adaptação para sugar presas moles como lulas.


Figura 2. Com ausência de dentição superior, a cachalote depende de sucção para capturar e ingerir as presas. Dentes maxilares vestigiais emergem muito raramente.

           Aliás, enquanto a mandíbula das cachalotes pode alcançar 5 metros, a língua desses cetáceos possui apenas 1 metro, baixa mobilidade e fica na parte posterior da boca; além disso, é larga e espessa. Essa língua é especializada para ingestão por sucção, através de rápidos movimentos de retração (1). E essa sucção manda o alimento - no geral, cefalópodes e peixes - direto para a região orofaríngea ao invés da "cavidade bucal" (ausente nesses cetáceos no sentido tradicional do termo). 

Figura 3. A abertura orofaríngea redonda, o robusto aparato hioide e outras estruturas associadas à boca das cachalotes são idealmente situadas e otimizadas para retrair a língua e gerar pressões de sucção para sugar presas. A língua também exibe escassa musculatura lingual intrínseca e é submetida a mudanças principalmente posicionais ao invés da forma à medida que é retraída pelo osso hioide para gerar pressão intraoral negativa. Em (a), ilustração da localização atípica da língua da cachalote atrás das fileiras de dentes. Em (b) e em (c), mandíbulas de uma cachalote e de um golfinho da espécie Lagenorhynchus acutus, ambos pertencentes à subordem Odontoceti. (Barra de escala = 10 cm). Ref.2

Figura 4. Seta em (f) mostrando a língua da cachalote. Em (g), um filhote de cachalote se amamentando, onde podemos ver também uma "nuvem de leite". Após um período gestacional de 14 a 16 meses, a cachalote fêmea grávida dá à luz a um único filhote. Assim como outros mamíferos e cetáceos, o filhote de cachalote também suga o leite materno, secretado pelas fendas mamárias.. Ref.5 


Figura 5. Fêmea adulta em posições verticais enquanto um filhote suga o leite materno sendo secretado: (A) com a cabeça virada para o fundo do mar e (B) com a cabeça virada para a superfície do mar. Primeiro o filhote nada ao encontro da fêmea adulta e bate com a cabeça na fenda genital materna para sinalizar necessidade de amamentação e estimulá-la; em seguida abre sua boca no lado ventral da fêmea adulta, introduzindo a mandíbula na fenda genital e forçando a saída do mamilo da fenda mamária; o filhote usa sua língua ativamente e fortemente ao redor do mamilo, sugando o leite secretado; após a amamentação, o filhote remove sua mandíbula da fenda genital. Ref.3

          E diferente das cachalotes modernas, antigas cachalotes gigantes possuíam dentes na mandíbula e também na maxila. Os poderosos maxilares provavelmente acompanhavam línguas longas e com grande mobilidade e funcionalidade para a caça [provável] de grandes tubarões e baleias. Nesse sentido, antigas cachalotes são pensadas de terem usado seus massivos dentes e robustos maxilares de forma direta na caça e processamento de presas, ocupando nichos ecológicos hoje ocupados em maior parte pelas orcas.

> A maior cachalote arcaica conhecida, espécie Livyatan melvillei, habitou os mares do Mioceno. Provavelmente era uma das poucas coisas que colocavam medo e rivalizavam com o Megalodon nesse período. Fica a sugestão de leitura sobre esses dois "monstros": Megalodon: A Máquina de Caça nos Mares Pré-Históricos

> Embora bem menos populares, a família das cachalotes (Kogiidae) engloba também cetáceos de porte muito menor do gênero Kogia, conhecidos como cachalotes-anãs. As cachalotes-anãs também se alimentam via sucção.

> E por que as cachalotes possuem uma cabeça, ou mais especificamente, um complexo nasal tão grande e retangular? Fica a sugestão de leitura: Por que a cabeça da Cachalote é tão grande? 

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Leitura complementar:


REFERÊNCIAS

  1. https://ocean.si.edu/ocean-life/invertebrates/inside-sperm-whales-mouth
  2. Werth, A. J. (2004). Functional Morphology of the Sperm Whale (Physeter macrocephalus) Tongue, with Reference to Suction Feeding. Aquatic Mammals 30(3), 405-418. https://doi.org/10.1578/AM.30.3.2004.405
  3. Johnson et al. (2010). Evidence that sperm whale (Physeter macrocephalus) calves suckle through their mouth. Marine Mammal Science, 26(4): 990–996. https://doi.org/10.1111/j.1748-7692.2010.00385.x
  4. Lambert et al. (2010). The giant bite of a new raptorial sperm whale from the Miocene epoch of Peru. Nature 466, 105–108. https://doi.org/10.1038/nature09067
  5. Lambert et al. (2014). Bony outgrowths on the jaws of an extinct sperm whale support macroraptorial feeding in several stem physeteroids. Naturwissenschaften 101, 517–521. https://doi.org/10.1007/s00114-014-1182-2
  6. Werth & Crompton (2023). Cetacean tongue mobility and function: A comparative review. Journal of Anatomy, Volume 243, Issue 3, Pages 343-373. https://doi.org/10.1111/joa.13876
  7. Werth & Beatty (2023). Osteological correlates of evolutionary transitions in cetacean feeding and related oropharyngeal functions. Frontiers in Ecology and Evolution, Volume 11. https://doi.org/10.3389/fevo.2023.1179804
  8. Serano et al. (Nursing Behavior in Sperm Whales (Physeter macrocephalus). Animal Behavior and Cognition, 10(2):105-131. https://doi.org/10.26451/abc.10.02.02.2023