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Qual a fórmula comparativa entre a idade de cães e de humanos?


- Atualizado no dia 23 de outubro de 2023 -

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          Um mito bastante comum diz que 1 ano de vida de um cão equivale a 7 anos de vida de um humano. Provavelmente, tal "fórmula" pode ter sido baseada na expectativa de vida média observada para cães domésticos mais populares (~10 anos) e humanos (~70 anos) ao redor do mundo. Isso cria óbvias inconsistências, especialmente porque existe considerável variação de longevidade ou de expectativa de vida média tanto entre as linhagens caninas quanto entre os humanos, com fatores diversos (ex.: geográfico) influenciando esses valores. Podemos citar também o notável caso da cadela Bluey (1910-1939), a qual detém o recorde de cão com maior longevidade já registrada e verificada: 29 anos e 5 meses (!). Bluey era um cão boiadeiro Australiano e vivia em uma fazenda localizada no distrito de Rochester, Austrália. Se seguíssemos a regra genérica de equivalência de idade (1 ano canino = 7 anos humanos), Bluey seria equivalente a um humano com quase 210 anos - um valor absurdo. E não existe nenhum recorde de longevidade nem próximo na nossa espécie.




          Nesse sentido, em um recente estudo publicado no periódico Cell Systems (Ref.2), pesquisadores identificaram componentes epigenéticos no DNA dos cães que melhor traduzem a idade biológica (real idade em termos de envelhecimento) entre as duas espécies, mas com base em uma fórmula um pouco mais complexa do que uma simples regra de três.

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(!) ATUALIZAÇÃO: Um cão da linhagem Rafeiro do Alentejo, chamado Bobi, ganhou o título de cão mais velho conhecido. Bobi, com 31 anos e 165 dias, morreu no último sábado (21 de outubro/2023). A sua morte foi divulgada pela Dra. Karen Becker, uma veterinária que se encontrou com o cão várias vezes. Bobi vivia na aldeia Conqueiros, Portugal. Ref.3-4
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   RELÓGIOS EPIGENÉTICOS

          Os mamíferos progridem através de estágios fisiológicos similares durante a vida, desde o desenvolvimento inicial até a puberdade, envelhecimento e morte. Porém, a extensão na qual essa fisiologia conservada reflete eventos moleculares conservados ainda não é muito clara. Entre esses aspectos a nível molecular, um destaque que marca o envelhecimento dos vertebrados (anfíbios, répteis, aves e mamíferos) é a remodelação do metiloma do DNA, ou seja, o padrão de modificações epigenéticas onde grupos metila (-CH3) estão presentes em alguns dinucleotídeos citosina-guanina (CpGs) mas ausentes em outros (!).

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(!) Leitura recomendada: Epigenética, Plasticidade Fenotípica e Evolução Biológica

          Por outro lado, mesmo entre os mamíferos, essas mudanças de metilação parecem depender de fatores como a longevidade máxima da espécie e de diferentes estruturas epigenéticas no DNA entre as espécies, especialmente considerando que muitas possuem nichos ecológicos drasticamente distintos, apesar da ancestralidade comum próxima. Esses fatores tornam difícil a tarefa de identificar características epigenéticas evolucionalmente conservadas entre diferentes espécies e que possam ser diretamente relacionadas.

          No entanto, cães domésticos (Cannis familiaris) fornecem uma oportunidade única para investigar essa questão. Os cães têm sido seletivamente cruzados por humanos modernos (Homo sapiens) visando ocupação e fenótipos estéticos, o que resultou em mais de 450 grupos cujos membros compartilham traços morfológicos e comportamentais. A maioria dos cruzamentos caninos derivam de um pequeno - ou popular - número de linhagens ancestrais, levando a uma forte homogeneidade genética e fenotípica dentro dessas linhagens ("raças") (!!).

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(!!) Em termos biológicos, raça é sinônimo de subespécie, e não existem subespécies entre os cães domésticos. No decorrer do artigo esse termo ainda continuará sendo usado para facilitar o entendimento. Para mais informações, acesse: Existem raças humanas?
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          E apesar de humanos e cães divergirem há muito tempo durante a evolução dos mamíferos, os cães compartilham quase todos os aspectos dos seus ambientes com os humanos. Isso incluiu, criticamente, níveis similares de observação no status de saúde e de intervenção nos cuidados de saúde. Enquanto a longevidade difere dramaticamente entre as linhagens caninas, dentro de algumas delas, como o Labrador retriever, existem variações extensivas na longevidade, o que facilita a busca por fatores genéticos associados com qualquer traço complexo. Além disso, mesmo com as diferenças extensivas, todos os cães exibem uma trajetória fisiológica, patológica e de desenvolvimento similar, mas completam essa progressão vários anos mais cedo do que os humanos, geralmente em menos de 20 anos.

          Finalmente, relógios epigenéticos já foram demonstrados em cães, o que facilita ainda mais o estabelecimento de uma relação entre os padrões de mudanças epigenéticas associadas ao envelhecimento entre cães e humanos.

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   FÓRMULA MATEMÁTICA

          No novo estudo, realizado por cientistas Norte-Americanos, incluindo pesquisadores da Universidade da Califórnia e da Universidade de Pittsburgh, 104 cães, primariamente consistindo de Labradores retrievers e representando todo o espectro de longevidade dessa raça (0,1 a 16 anos), tiveram seus genomas sequenciados e suas amostras genéticas analisadas por um sistema chamado de Synteny Bisulfite Sequencing (SyBS).

          O SyBS permitiu realizar uma comparação evolucionária de alta qualidade dos metilomas caninos com o metiloma humano. Essa comparação metilômica revelou uma relação não-linear traduzindo anos caninos para anos humanos, alinhando eventos fisiológicos de maior importância entre as duas espécies, e as quais se mostraram extensíveis para outras espécies de mamíferos (ratos, no caso do novo estudo). A trajetória das mudanças epigenéticas seguidas por uma espécie à medida que ela vai envelhecendo não se mostrou necessariamente a mesma seguida por outra - em particular, a remodelação metilônica dos cães ocorre muito rápido no início da vida comparado com os metilomas nos humanos -  mas a metilação se mostrou bastante similar em regiões genéticas com altas taxas de mutação. Especificamente, certos grupos de genes envolvidos no desenvolvimento mostraram-se similarmente metilados durante o envelhecimento em ambas as espécies.



           Nesse sentido, com base nas análises via SyBS e na taxa de metilação em regiões específicas do DNA, os pesquisadores conseguiram chegar em uma fórmula logarítmica que relaciona o relógio epigenético dos cães com o relógio epigenético dos humanos: 16 ln (idade do cão) + 31 [logaritmo natural da idade real do cão, multiplicado por 16 e adicionado 31 ao total]. Usando a fórmula, os estágios de vida entre humanos e cães mostraram se alinhar bem. Por exemplo, um filhote canino de 7 semanas de idade seria equivalente a um bebê humano de 9 meses de idade, ambos em uma fase onde os dentes estão começando a aparecer. A fórmula também alinha bem a expectativa de vida média de um Labrador retrievers (~12 anos) com a expectativa de vida média global dos humanos (~70 anos). A cadela Bluey, com 29 anos e 5 meses, teria a idade biológica equivalente àquela de um humano com 85 anos.


> Para quem quiser um passo a passo em vídeo do cálculo em uma calculadora científica, acesse o vídeo abaixo: 

          

          Apesar da fórmula ser baseada em grande parte na análise genética de Labradores retrievers, ela provavelmente funciona bem para outras linhagens caninas, já que estas apresentam padrões de desenvolvimento e de envelhecimento similares ao longo da vida. E lembrando, claro, que humanos e cães respondem de formas distintas ao avanço da idade. Um ser humano maduro de 57 anos, apesar de espelhar um cão maduro de 5 anos de idade com base no relógio epigenético, não espelha necessariamente a saúde e a capacidade física de um cão com idade equivalente.

Aplicando a fórmula à idade de Bobi (~31,55 anos), encontramos o valor equivalente a cerca de 86 anos de idade humana.



REFERÊNCIAS
  1. https://www.guinnessworldrecords.com/world-records/oldest-dog
  2. Ideker et al. (2020). Quantitative Translation of Dog-to-Human Aging by Conserved Remodeling of the DNA Methylome. Cell Systems, Volume 11, Issue 2, P176-185.E8. https://doi.org/10.1016/j.cels.2020.06.006
  3. https://www.guinnessworldrecords.com/news/2023/10/worlds-oldest-dog-ever-bobi-dies-aged-31-760019
  4. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/morre-bobi-o-cao-mais-velho-do-mundo-aos-31-anos/