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Parece uma estrela-do-mar mas não é: O que são Ofiúros?

Figura 1. Ofiúro da espécie Ophiura ooplax. Ref.11

 - Atualizado no dia 9 de maio de 2025 -

           Ofíuros - também conhecidos como serpentes-do-mar - são equinodermos da classe Ophiuroidea.

           Diferente das estrelas-do-mar (equinodermos da classe Asteroidea), os ofiúros (Fig.2-3):

- não apresentam ânus;
- possuem todos os órgãos vitais confinados ao disco central;
- exibem o madreporito (conectando o sistema vascular aquoso à água marinha ao redor) na parte ventral (boca);
- e a boca é rodeada por cinco placas mandibulares. 

           Os ofiúros representam o maior e mais diverso grupo entre os atuais equinodermos, com mais de 2600 espécies não-extintas descritas. Habitam ambientes marinhos bentônicos  e são encontrados em todos os oceanos desde zonas intertidais até grandes profundezas (1). Aliás, o primeiro animal a ser reportado das profundezas oceânicas foi justamente um ofiúro da espécie Gorgonocephalus caputmedusae, na Baía de Baffin, em 1818 (Ref.1). Registro fóssil desses animais datam do Ordoviciano Inferior, há cerca de 480 milhões de anos (Ref.2).

Figura 2. (A) Visão esquemática geral de um ofiúro. (B) Visão oral/ventral. Os braços dos ofiúros se conectam ao disco central do corpo, onde se encontra um esqueleto interno de carbonato de cálcio e todos os órgãos. Os braços dos ofiúros são tipicamente finos e similares a "chicotes" e muito flexíveis. O trato digestivo é "cego", com a entrada dos alimentos e a saída dos restos de alimentares ocorrendo pela boca. Ref.3

Figura 3. Estrelas-do-mar vêm em várias formas, cores e números de braços (tipicamente cinco, mas podem ter até 40), mas exibindo sempre uma simetria radial. Diferente dos ofiúros, estrelas-do-mar não possuem uma parte central do corpo e os órgãos são espalhados por todos os braços que se unem em um ponto central. Além disso, esses animais são carnívoros ativos, enquanto ofiúros se alimentam de plâncton. Estrelas-do-mar se movem com centenas de pés ambulacrários que revestem a parte ventral do corpo, onde fica a boca; na parte dorsal fica o ânus.

Figura 4. Resolução filogenética para os equinodermos, mostrando que as estrelas-do-mar (classe Asteroidea) são os animais hoje vivos mais próximos dos ofiúros (grupo-irmão) e dividindo esses últimos em três principais clados. Evidências apontam que a radiação dos ofiúros teve início ou a partir do Permiano Médio ou no início do Triássico. Hoje a classe Ophiuroidea é a mais diversa entre os equinodermos, com ~2100 espécies não-extintas descritas. Ofiúros divergiram de outros equinodermos há cerca de 500 milhões de anos. Ref.5-7

Figura 5. Fóssil de um ofiúro da espécie Arenorbis santameraensis, descoberto na região de Asturias, Espanha, e datado do Jurássico Inferior. Ref.8

           O típico plano corporal dos ofiúros mostra um disco central pentagonal a redondo, acompanhando por cinco braços. Porém, um considerável número de espécies diverge dessa forma genérica, e formas com seis, sete e até 10 braços são conhecidas - mas todas conservado um plano de simetria radial (2). A maioria das espécies são moderadas em tamanho, com diâmetro do disco entre 3 mm e 50 mm; maiores espécies podem ter discos de até 150 mm de diâmetro. O comprimento dos braços é geralmente medido em relação ao diâmetro do disco, e varia de ~2-3 vezes o diâmetro do disco até 20 vezes ou mais. Ao contrário das estrelas-do-mar, os braços são raramente usados para locomoção no solo e não possuem estruturas de sucção ou múltiplos pés hidráulicos [ambulacrários]; ao invés disso, os ofiúros se movem ao torcer e enrolar seus braços, puxando-os contra a superfície como uma cobra ou agarrando objetos e empurrando a si mesmos para frente (!). Nado é reportado em algumas espécies. Embora não tenham olhos, já foram descobertos órgãos sensitivos à luz em espécies do gênero Ophiocoma (3).

 

Figura 6. Algumas espécies de ofiúros encontrados na costa de Maceió, Alagoas, Brasil: (A) Ophiolepis paucispina; Ophiocomidae. (B) Ophiocoma echinata; (C) Ophiocomella ophiactoides; Ophionereididae. (D) Ophionereis reticula; Ophiodermatidae. (E) Ophioderma appressa; (F) Ophioderma cinerea. Ref.9

Leitura complementar:

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(!)  Vídeo mostrando a movimentação de um ofiúro: acesse aqui.
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Figura 7. Ofiúros da ordem Euryalida exibem extensas ramificações nos braços - que podem se estender em milhares de terminações - usadas para alimentação suspensa noturna, e incluem as famílias Gorgonecephalidae e Euryalidae. Nas fotos, ofiúros das espécies (A) Gorgonocephalus eucnemis e (B) Gorgonocephalus chilensis, da família Gorgonecephalidae.

Figura 8. Árvore evolucionária dos ofiúros da ordem Euryalida, trazendo alguns táxons relevantes. O gênero Aspiduriella do Triássico é um membro basal dessa ordem, enquanto o gênero Melusinaster é um antigo membro representando uma transição entre Aspiduriella e os atuais membros do clado. Ref.12

          Uma notável característica dos ofiúros é a capacidade de auto-fragmentação quando estressados ou ameaçados, se desfazendo facilmente dos próprios braços (e frequentemente deixando essa parte do corpo para despistar predadores). Assim como outros equinodermos, os ofiúros podem regenerar de forma completa todos os tecidos de grandes partes corporais e órgãos - quando "arrancam" um braço, este se regenera rapidamente (Fig.7). Estudos genéticos têm sido conduzidos para um melhor entendimento dessa habilidade e potencial aplicação terapêutica em humanos.

Figura 8. Uma sequência de fotos (B-H) da espécie Ophioderma brevispinum (A) mostrando a regeneração de um braço decepado. Ref.3

> A espécie Amphiura filiformis consegue regenerar um braço inteiro dentro de apenas 4 semanas. Os ofiúros exibem uma notável expansão no número de genes envolvidos em regeneração e compartilham genes regenerativos com animais filogenicamente muito distantes e também com alta capacidade regenerativa, como axolotes (Ambystoma mexicanum) e um pequeno crustáceos da espécie Parhyale hawaiensis. Ref.13

> Mais de 77 espécies de ofiúros exibem bioluminescência (produção de luz por organismos vivos) (Fig.8). É sugerido que a produção de luz nos ofiúros é uma defesa contra potenciais predadores, funcionando talvez como um sinal aposemático ou como um isca atraindo a atenção para os braços e longe da parte central do corpo (onde os órgãos vitais se encontram). Bioluminescência evoluiu pelo menos 94 vezes ao longo de táxons sem proximidade evolutiva e é produzida quando enzimas, geralmente chamadas de luciferases - oxidam oxidam qualquer um de vários substratos (luciferinas). Os ofiúros obtém coelenterazina - o substrato mais comum para bioluminescência entre organismos marinhos - a partir da dieta. Ref.14-16

 
Figura 9. Bioluminescência azul (~472 nm) produzida pelo ofiúro da espécie Amphiura filiformis a partir de células concentradas nos espinhos dos braços chamadas de fotócitos. Sem fornecimento de coelenterazina na dieta, a capacidade de bioluminescência dessa espécie cessa dentro de 5 meses. Apenas juvenis e adultos de A. filiformis são bioluminescentes. Ref.17-18


Leitura recomendada:

Curiosidade: O nome Ophiuroidea é derivado das palavras Gregas ophis ("cobra") e oura ("cauda"), em referência aos braços - e movimento dos braços - nos ofíuros. Existe também uma constelação chamada de Ophiuchus (ou Serpentário) que causa bastante confusão entre a Astrologia e a Astronomia. Sugestão de leitura: A NASA mudou o Zodíaco?


REFERÊNCIAS

  1. Stöhr et al. (2012). Global Diversity of Brittle Stars (Echinodermata:Ophiuroidea). PLOS One, Volume 7, Issue 3, e31940.
  2.  Goharimanesh et al. (2021). Interactive identification key to all brittle star families (Echinodermata; Ophiuroidea) leads to revised morphological descriptions. European Journal of Taxonomy, 766(1), 1-63. https://doi.org/10.5852/ejt.2021.766.1483
  3. Perez, A., Gil, D. G., Rubilar, T. (2014). Los Invertebrados Marinos (pp.295-316). Edition: 1. Chapter: Echinodermata. [Livro]
  4. https://marinesanctuary.org/blog/whats-the-difference-brittle-stars-vs-sea-stars/
  5. O'Hara et al. (2014). Phylogenomic Resolution of the Class Ophiuroidea Unlocks a Global Microfossil Record. Current Biology, Volume 24, Issue 16, Pages 1874-1879. https://doi.org/10.1016/j.cub.2014.06.060
  6. Thuy & Stöhr (2016). A New Morphological Phylogeny of the Ophiuroidea (Echinodermata) Accords with Molecular Evidence and Renders Microfossils Accessible for Cladistics. PLoS ONE 11(5): e0156140. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0156140
  7. O’Hara et al. (2017). Restructuring higher taxonomy using broad-scale phylogenomics: The living Ophiuroidea. Molecular Phylogenetics and Evolution, 107, 415–430. https://doi.org/10.1016/j.ympev.2016.12.006
  8. Thuy et al. (2023). A relict Triassic brittle star (Echinodermata, Ophiuroidea) in Lower Jurassic strata of Asturias, north-west Spain. Swiss Journal of Palaeontology 142, 10. https://doi.org/10.1186/s13358-023-00275-5
  9. Freitas et al. (2011). New records of Ophiuroidea (Echinodermata) from shallow waters off Maceio´, State of Alagoas, BrazilMarine Biodiversity Records. Marine Biological Association of the United Kingdom, Vol. 4, e97. https://doi.org/10.1017/S175526721100090X
  10. Mashanov et al. (2022). Twinkle twinkle brittle star: the draft genome of Ophioderma brevispinum (Echinodermata: Ophiuroidea) as a resource for regeneration research. BMC Genomics, 23:574. https://doi.org/10.1186%2Fs12864-022-08750-y
  11. https://www.mdpi.com/2076-3921/12/2/386
  12. Thuy & Stöhr (2018). Unravelling the origin of the basket stars and their allies (Echinodermata, Ophiuroidea, Euryalida). Scientific Reports 8, 8493 (2018). https://doi.org/10.1038/s41598-018-26877-5
  13. Parey et al. (2024). The brittle star genome illuminates the genetic basis of animal appendage regeneration. Nature Ecology & Evolution 8, 1505–1521. https://doi.org/10.1038/s41559-024-02456-y
  14. Lau et al. (2025). Functional Characterization of Luciferase in a Brittle Star Indicates Parallel Evolution Influenced by Genomic Availability of Haloalkane Dehalogenase, Molecular Biology and Evolution, Volume 42, Issue 5, msaf081. https://doi.org/10.1093/molbev/msaf081
  15. Mallefet et al. (2020). Bioluminescence induction in the ophiuroid Amphiura filiformis (Echinodermata). Journal of Experimental Biology 223, jeb218719. https://doi.org/10.1242/jeb.218719
  16. Delroisse et al. (2017). Fine structure of the luminous spines and luciferase detection in the brittle star Amphiura filiformis. Zoologischer Anzeiger, Volume 269, Pages 1-12. https://doi.org/10.1016/j.jcz.2017.05.001
  17. Coubris et al. (2024). Maintain the light, long-term seasonal monitoring of luminous capabilities in the brittle star Amphiura filiformis. Scientific Reports 14, 13238. https://doi.org/10.1038/s41598-024-64010-x
  18. Coubris et al. (2024). A brittle star is born: Ontogeny of luminous capabilities in Amphiura filiformis. PLoS ONE, 19(3):e0298185. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0298185