Qual é a relação entre bicho-pau e bicho-folha?
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Figura 1. Duas espécies de fasmídeos: (A) Diapheromera femorata (Diapheromeridae) e (B) Phyllium westwoodii (Phylliinae). Ref.1 |
- Atualizado no dia 14 de fevereiro de 2025 -
Bichos-paus e bichos-folhas são insetos fitófagos - que se alimentam de plantas - de tamanho médio a grande, e muito próximo relacionados entre si em termos filogenéticos. Aliás, esses insetos constituem uma única ordem (Phasmatodea, ou fasmídeos).
A maior parte dos representantes desse grupo são noturnos, permanecendo imóveis durante o dia, camuflados como galhos, folhas ou outras partes de plantas (ex.: casca de árvore). Além da aparência críptica, esses insetos também exibem adaptações comportamentais para a camuflagem, como balanço do corpo de um lado para o outro quando atingidos por vento enquanto andam ou ausência de significativo movimento ao longo do dia. Muitos fasmídeos são também capazes de secretar uma substância irritante de um par de glândulas torácicas, um mecanismo de defesa o qual em algumas espécies parece estar combinado com coloração aposemática (sinalização visual de alerta para a natureza tóxica), apesar de evidência recente não suportar tal associação (Ref.14).
A maioria desses insetos não possuem asas funcionais para o voo (ausentes ou muito reduzidas), e naqueles que exibem longas asas (~40% das espécies), é incerto a capacidade de voo autossustentado (asas podem servir alternativamente para planar ou na produção de sons visando comunicação ou defesa) (Fig.2). O ancestral dos fasmídeos parece ter perdido as asas, com reganho independente dessas estruturas em um número de clados (Ref.8). Análises mais recentes também suportam a perda ancestral de asas nos fasmídeos, com o ancestral das principais linhagens nessa ordem exibindo ausência de asas (Ref.12). Houve também perdas e reduções independentes de asas entre diferentes clados; por exemplo, a família Timematodea, hoje caracterizada por ausência de asas, foi representada por espécies com asas pelo menos durante o Cretáceo Médio. (Ref.13). Asas nesses insetos exibem dimorfismo sexual, tendencioso para as fêmeas na maioria das espécies.
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Os bichos-folhas, em particular, pertencem a um clado subordinado (Phylliidae) dentro da ordem, e são achatados dorso-ventralmente no sentido de imitarem folhas. Esse clado engloba seis gêneros descritos (Chitoniscus, Cryptophyllium, Microphyllium, Nanophyllium, Phyllium e Pseudomicrophyllium), e parece ter emergido na região da Australásia/Pacífico, provavelmente no Eoceno Inicial (após a emergência das florestas úmidas dominadas por plantas angiospermas). A maioria dos fasmídeos são bichos-paus, com corpo fino e alongado lembrando frequentemente galhos, apesar de grande diversidade fenotípica entre as espécies (Fig.3).
Os fasmídeos englobam mais de 450 gêneros e aproximadamente 3500 espécies válidas, das quais ~230 são registradas aqui no Brasil; porém, esse número representa menos da metade da diversidade estimada de bichos-paus Brasileiros. A maioria das espécies habitam regiões tropicais e subtropicais. Estima-se radiação inicial dos primeiros fasmídeos no Permiano-Triássico e coincidindo com a radiação de pararrépteis insetívoros, anfíbios e sinapsídeos (Ref.10). Uma subsequente radiação parece ter ocorrido no Cretáceo Tardio, coincidindo com a Revolução Terrestre do Cretáceo, e foi provavelmente fomentada por predadores visuais como antigas aves (Enatiornithes) e a radiação das angiospermas, há cerca de 66 milhões de anos. Modos de deposição de ovos (1) e estratégias de reprodução variam entre as espécies, e inclui partenogênese (reprodução sem participação de machos) (!).
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Figura 5. Na foto abaixo, uma espécie de bicho-pau (Cladoxerus cryphaleus) nativa do Brasil; no caso uma fêmea adulta. Hoje os principais predadores dos fasmídeos são aves, lagartos e aranhas. Ref.1 |
(!) MACHOS INÚTEIS?
Enquanto a maioria dos animais se reproduzem sexualmente, algumas espécies realizam reprodução exclusivamente assexuada, na forma de partenogênese. Na reprodução partenogênica, fêmeas produzem clores de si mesmas, gerando filhotes sem participação do material genético de machos. Mas mesmo nas espécies exibindo partenogênese exclusiva ou obrigatória, raros machos ocasionalmente aparecem.
Muitas espécies de fasmídeos são reconhecidas como partenogênicas obrigatórias, embora com ocasional e rara ocorrência de machos ainda persistindo. Mas a funcionalidade desses machos tem sido pouco explorada e entendida. Evidência experimental e genética confirma capacidade de cópula e fluxo genético efetivo entre machos e fêmeas de espécies assexuadas do gênero Timema ligadas a linhagens partenogênicas com mais de 1 milhão de anos. Sexo raro pode ajudar a explicar como espécies partenogênicas persistem por centenas de milhares até milhões de anos, mantendo suficiente variabilidade genética através de ocasionais fluxos genéticos entre machos e fêmeas e, assim, prevenindo acúmulo excessivo de alelos deletérios e lenta taxa de evolução adaptativa. (Ref.15). Mas é incerto se machos são funcionais em outros táxons de fasmídeos.
Em um estudo recente publicado no periódico Ecology (Ref.16), pesquisadores investigaram machos e fêmeas da espécie Ramulus mikado, um bicho-pau nativo do Japão que se reproduz de forma predominantemente ou exclusivamente partenogênica e cuja população é quase inteiramente formada por fêmeas. Para isso, os pesquisadores e outros colaboradores uniram esforços para coletar raríssimos machos da espécie no meio selvagem ao longo de 4 anos. Os esforços renderam a coleta de 7 machos. Todos os machos coletados exibiam morfologia externa normal.
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Figura 6. Fêmea e um raro macho de bicho-pau da espécie Ramulus mikado. |
Na parte experimental, os pesquisadores reuniram machos e fêmeas no mesmo ambiente e passaram a observar o comportamento desses insetos. As observações confirmaram atividade espontânea de acasalamento, com aproximação entre macho e fêmea, contato de antenas, monta do macho sobre a fêmea, e inserção do pênis na abertura genital da fêmea (Fig.7). Além disso, machos produziram com sucesso espermatóforo, que é uma massa contendo espermatozoides e sendo formada por machos na bolsa copulatória da fêmea. Esses comportamentos e produção de gametas masculinos foram observados em quatro machos. Isso indica que os raros indivíduos do sexo masculino da espécie ainda retêm não apenas morfologia normal como também comportamento de acasalamento.
> Vídeo de um evento de acasalamento: acesse aqui.
Porém, apesar do acasalamento efetivo, análise genética dos pesquisadores não detectaram nenhuma contribuição do material genético dos machos nos filhotes produzidos pelas fêmeas. Ovos depositados pelas fêmeas que copularam com machos foram coletados antes e após os eventos de acasalamento, e os embriões em desenvolvimento foram submetidos a análises genéticas, mas nenhum elemento genético dos machos (ex.: alelos masculinos específicos) foi detectado. Os filhotes eram clones das fêmeas, apontando que todos foram gerados por partenogênese.
Para investigar o porquê da ausência de contribuição genética masculina, os pesquisadores dissecaram dois machos e encontraram problemas na produção de espermatozoides. Um dos machos era incapaz de formar espermatozoides maduros e o outro não possuía testículos, mas uma estrutura similar a ovários. Além disso, análise de fêmeas dissecadas revelou degenerações na bolsa copulatória (onde esperma é armazenado).
É estimado que a linhagem partenogênica do R. mikado emergiu entre 340 e 510 mil anos atrás. Os achados do novo estudo sugerem que ao longo desse tempo, após a evolução da partenogênese como modo de reprodução dominante, mutações neutras foram sendo acumuladas em genes associados aos órgãos reprodutivos e criaram uma barreira prevenindo fluxo genético entre machos e fêmeas. Ou seja, a espécie provavelmente não pode mais retornar à reprodução sexual (é partenogênica obrigatória) e os machos se tornaram inúteis em termos reprodutivos.
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> É incerto como machos são produzidos por bichos-paus partenogênicos. Um possível caminho é a perda acidental de um cromossomo X (aneuploidia) durante a partenogênese. Bichos-paus possuem um sistema XX/XO de determinação sexual. Se um ovo partenogênico perde um X, isso potencialmente resulta em um macho.
Leitura recomendada: Partenogênese: É possível nascimento virgem em humanos?
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(1) Curioso também apontar que existe evidência de evolução convergente entre sementes de plantas e ovos de fasmídeos. Os ovos de bichos-paus e bichos-folhas são extremamente diversos em termos estruturais e de forma, de forma similar a sementes, e ainda são dispersados via água e animais vetores (ex.: são carregados por formigas) (Fig.6-7). Essa convergência evolutiva pode ajudar na proteção dos ovos contra parasitas e facilitar a exploração de novos ambientes com mais recursos alimentares. Um número de espécies de fasmídeos também enterram ovos no solo ou grudam ovos em plantas específicas.
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Figura 7. Estudo fotográfico de ovos de fasmídeos, pertencentes a mais de 70 espécies ao redor do mundo. A maioria dos ovos não possui mais do que 3 mm de comprimento. Fonte: Levon Biss Studio |
> O recorde de inseto mais longo do mundo conhecido pertence ao bicho-pau da espécie Phryganistria chinensis, o qual pode ultrapassar 60 cm de comprimento. Para mais informações: Qual é o maior inseto do mundo?
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- https://www.scielo.br/j/rbent/a/Fc85J65srtYBhG3q9DbZXCd/
- Ghirotto, V. M. (2021). Unmasking a master of camouflage: The rich morphology, taxonomy, and biology of the Brazilian stick insect Canuleius similis (Phasmatodea: Heteronemiidae), with general considerations on phasmid genitalia. Zoologischer Anzeiger, Volume 292, Pages 30-57. https://doi.org/10.1016/j.jcz.2021.02.009
- O’Hanlon et al. (2020). The dynamic eggs of the Phasmatodea and their apparent convergence with plants. The Science of Nature, 107(4). https://doi.org/10.1007/s00114-020-01690-1
- https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fevo.2019.00345/full
- https://link.springer.com/article/10.1186/s12862-022-02018-5
- https://www.nature.com/articles/s42003-021-02436-z
- https://www.nature.com/articles/s42003-021-02436-z
- Simon et al. (2019). Old World and New World Phasmatodea: Phylogenomics Resolve the Evolutionary History of Stick and Leaf Insects. Frontiers in Ecology and Evolution, Volume 7. https://doi.org/10.3389/fevo.2019.00345
- O’Hanlon et al. (2020). The dynamic eggs of the Phasmatodea and their apparent convergence with plants. The Science of Nature, 107(4). https://doi.org/10.1007/s00114-020-01690-1
- Cai et al. (2020). Integrated phylogenomic and fossil evidence of stick and leaf insects (Phasmatodea) reveal a Permian–Triassic co-origination with insectivores. Royal Society Open Science, Volume 7, Issue 11. https://doi.org/10.1098/rsos.201689
- Forni et al. (2022). Macroevolutionary Analyses Provide New Evidence of Phasmid Wings Evolution as a Reversible Process, Systematic Biology, Volume 71, Issue 6, Pages 1471–1486. https://doi.org/10.1093/sysbio/syac038
- Bank, S., Bradler, S. A second view on the evolution of flight in stick and leaf insects (Phasmatodea). BMC Ecol Evo 22, 62 (2022). https://doi.org/10.1186/s12862-022-02018-5
- Yang et al. (2023). Independent wing reductions and losses among stick and leaf insects (Phasmatodea), supported by new Cretaceous fossils in amber. BMC Biology 21, 210. https://doi.org/10.1186/s12915-023-01720-0
- Niekampf et al. (2024). High disparity in repellent gland anatomy across major lineages of stick and leaf insects (Insecta: Phasmatodea). BMC Zoology 9, 1. https://doi.org/10.1186/s40850-023-00189-2
- Freitas et al. (2023). Evidence for cryptic sex in parthenogenetic stick insects of the genus Timema. Proceedings of the Royal Society B, Volume 290, Issue 2007. https://doi.org/10.1098/rspb.2023.0404
- Nozaki et al. (2025). Lack of successful sexual reproduction suggests the irreversible parthenogenesis in a stick insect. Ecology, Volume 106, Issue 1, e4522. https://doi.org/10.1002/ecy.4522