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Treino de musculação junto com treino aeróbico prejudica a hipertrofia muscular?

 
           De forma genérica (1), existem basicamente dois tipos de exercícios físicos - aeróbios e anaeróbios - os quais podem ser diferidos com base na intensidade, intervalo e tipos de fibras musculares incorporadas:

- Exercícios aeróbios: Qualquer atividade que usa grandes grupos musculares, que pode ser mantida continuamente e que é rítmica em natureza. Como implica o nome, os grupos musculares ativados por esse tipo de exercício dependem fortemente de metabolismo aeróbio (uso de oxigênio molecular) para extrair energia na forma de adenosina trifosfato (ATP) a partir da oxidação de aminoácidos, carboidratos e ácidos graxos. Exemplos de exercícios aeróbios incluem bicicleta, dança, caminhada, corridas de longa distância e natação.

- Exercícios anaeróbios: Atividades físicas de duração muito curta, alimentadas por fontes de energia dentro dos músculos em contração e independentes do uso de oxigênio molecular inalado pelos pulmões. Sem o uso direto de oxigênio, as células musculares passam a produzir ATP via glicólise e fermentação. Esse processo produz significativamente menos ATP do que os exercícios aeróbios e leva ao acúmulo de ácido lático (2). Exercícios anaeróbios envolvem fibras musculares de rápida contração e incluem corrida explosiva e levantamento de peso (ex.: treinos de musculação).

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(1) IMPORTANTE mencionar que essa divisão genérica entre exercícios 'aeróbios' e 'anaeróbios' é bastante criticada na literatura acadêmica (Ref.2). Contribuições metabólicas para diferentes exercícios não podem ser facilmente separadas ou categorizadas. Existem também frequentes confusões com os termos: por exemplo, é erroneamente e comumente interpretado que existe ausência de reações com oxigênio nos exercícios anaeróbios - algo obviamente falso, já que somos organismos aeróbios (nosso corpo é dependente de oxigênio molecular para funcionar); a metabolização de substratos energéticos para as contrações musculares em certos esforços físicos é que não depende de oxigênio (metabolismo anaeróbio).

(2) Interessante mencionar que o aumento de lactato e consequente acidose metabólica na circulação sanguínea em uma série de musculação contribui em parte para o robusto aumento da taxa respiratória tipicamente observado, mesmo com esse tipo de exercício não envolvendo grande consumo de oxigênio molecular. Para mais informações, fica a sugestão de leitura: Sensação aguda de sufocamento é devido à redução de oxigênio no sangue?

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             O treinamento aeróbio determina adaptações tanto na oferta central de oxigênio quanto na capacidade da sua utilização, podendo melhorar índices fisiológicos relacionados com o rendimento aeróbio como o LL, o VO2máx e a sua respectiva intensidade (IVO2máx), como também a economia de movimento. Nesse sentido, o treinamento aeróbio possui impactos positivos na saúde cardiovascular, cardiopulmonar e metabólica, e é recomendado inclusive para otimizar os treinos de musculação (visando desenvolvimento muscular hipertrófico e/ou de força). Aliás, nesse último ponto, atuais recomendações para atividades físicas recomendam que todas as crianças, adolescentes e adultos unam treinos aeróbios e de força para benefícios significativos à saúde de curto a longo prazo.

          No entanto, quando os programas de treinamento envolvem as duas modalidades (treinamento combinado), resistência aeróbica e força/hipertrofia, uma pode interferir no efeito da outra e impedir, dessa forma, o resultado esperado nas adaptações músculo-esqueléticas, o que é referido como o "fenômeno de interferência". 

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           Evidências acumuladas na literatura acadêmica sugerem que o aumento na força explosiva pode ser atenuado pelo treinamento aeróbio concorrente com o de força, mas sem comprometimento no ganho de hipertrofia muscular, massa muscular e desenvolvimento de força máxima. Porém, no caso da hipertrofia muscular, achados em estudos clínicos isolados são muitas vezes conflitantes ou limitados quanto às técnicas analíticas usadas para avaliar quantitativamente e qualitativamente a musculatura esquelética.

          A nível de fibra muscular, especialistas em medicina esportiva geralmente concordam que o treinamento de força, mas não o treinamento aeróbio, promove a acreção miofibrilar de proteína. Portanto, treinamento resistivo (com cargas) de longo prazo aumenta o tamanho da fibra muscular, enquanto treinamento aeróbio a longo prazo induz mudanças morfológicas e metabólicas na musculatura esquelética que resultam em melhora na resistência à fatiga, mas com relativo pouco efeito no tamanho da fibra muscular. É possível que os caminhos de adaptação para esses dois processos não "conversem bem entre si".

           Para melhor esclarecer essa questão, um robusto estudo de revisão sistemática e meta-análise foi recentemente conduzido e publicado no periódico Sports Medicine (Ref.4). Incluindo na análise final 15 estudos englobando adultos saudáveis de ambos os sexos e variadas idades, os autores da revisão encontraram que, de fato, o treinamento aeróbio concorrente com o treinamento de força pode ter um pequeno efeito negativo sobre a hipertrofia das fibras musculares (tipos I e II combinados) quando comparado com o treinamento de força isolado. Evidência preliminar sugeriu que essa interferência negativa pode ser mais pronunciada quando o treino aeróbio é realizado com corrida em comparação com o uso de bicicleta, pelo menos para fibras do tipo I. 

          Os achados do estudo de revisão, porém, não necessariamente indicam que o treinamento concorrente resulte em significativo efeito deletério na hipertrofia muscular como um todo, e não recomenda contra essa forma de treinamento mesmo para quem busca otimizar ao máximo a hipertrofia muscular. 


IMPORTANTE: Peça sempre orientações e acompanhamento de treino a educadores físicos capacitados. O artigo explora o tema apenas de forma geral e não leva em conta limitações e necessidades individuais. Converse com o seu educador físico sobre os estudos aqui referenciados.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Patel et al. (2017). Aerobic vs anaerobic exercise training effects on the cardiovascular system. World Journal of Cardiology, 26;9(2):134-138. https://doi.org/10.4330%2Fwjc.v9.i2.134 
  2. Chamari & Padulo (2015). 'Aerobic' and 'Anaerobic' terms used in exercise physiology: a critical terminology reflection. Sports Medicine - Open 1, (1):9. https://doi.org/10.1186%2Fs40798-015-0012-1 
  3. Schumann et al. (2022). Compatibility of concurrent aerobic and strength training for skeletal muscle size and function: an updated systematic review and meta-analysis. Sports Medicine, 52(3):601–612. https://doi.org/10.1007/s40279-021-01587-7 
  4. Lundberg et al. (2022). The Effects of Concurrent Aerobic and Strength Training on Muscle Fiber Hypertrophy: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Med 52, 2391–2403. https://doi.org/10.1007/s40279-022-01688-x