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O que é a Síndrome de Swyer?

- Atualizado no dia 12 de dezembro de 2022 -

          Uma mulher de 25 anos de idade, apresentou-se em um hospital na Índia com infertilidade primária de 2 anos. Ela reportou um histórico de menarca aos 18 anos de idade e menstruação irregular a cada 3-4 meses persistindo por 2-3 dias pelos 2-3 anos subsequentes. Após esse período, ela relatou que havia retornado aos sangramentos menstruais seguindo uma terapia hormonal. Ela tinha se submetido a uma laparo-histeroscopia em outra clínica a qual foi sugestiva de útero reduzido com tubos falopianos normais e ovários bilaterais reduzidos. A paciente tinha também se submetido a dois ciclos de ovulação induzida com clomifeno e gonadotropinas e um ciclo de IVF (inseminação artificial in vitro) com doação de óvulo, mas sem sucesso.          

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          A paciente tinha uma genitália feminina normal e mamas no estágio de Tanner 3 (tecido mamário palpável fora da aréola, mas sem desenvolvimento areolar). Seus níveis hormonais eram os seguintes: hormônio folículo-estimulante (FSH) - 43,14 mIU/mL, hormônio luteinizante (LH) - 36,23 mIU/mL, hormônio estimulante da tireoide - 3,08 μIU/mL, prolactina - 3,21 ng/mL, hormônio anti-Mülleriano (AMH) - 0,27 ng/mL, e testosterona - 0,52 ng/mL. Um diagnóstico de falha ovariana prematura foi feito e a paciente foi aconselhada a realizar novamente um IVF com doação de óvulo. 

           No entanto, os médicos também revelaram algo mais do que interessante após análise genética da paciente: ela era 46XY, ou seja, um cariótipo do sexo masculino. Após revelação desse fato, ela foi novamente questionada pelos médicos, e acabou confessando que tinha amenorreia (ausência de menstruação) primária, e que só teve menstruação quando iniciou tratamento hormonal. Ela escondeu o fato de nunca ter tido naturalmente uma menstruação por vergonha e medo de julgamento por terceiros, temendo também que isso afetasse seu relacionamento amoroso. Ela pediu aos médicos que essa informação não fosse revelada ao seu marido, pedido que foi atendido para evitar possíveis conflitos no casamento.

          Devido aos riscos de gonadoblastoma (tumor gonadal benigno com alto potencial de transformação maligna) no cenário de presença do cromossomo Y, a paciente foi aconselhada a primeiro realizar uma gonadectomia (remoção dos ovários, no caso) antes da IVF. Porém, ela recusou por causa de pressão social para engravidar (a retirada dos ovários, se descoberta, talvez fosse interpretada como um sinal de repulsa à gravidez) e optou apenas pela IVF com doação de óvulo.

           Para a preparação do endométrio, ela recebeu um tablete de estradiol (E2, 2 mg) a cada 8 horas e E2 em gel a cada 8 horas. A transferência de um embrião fresco falhou. Uma gravidez com sucesso foi obtida a partir da transferência de um embrião congelado, resultando em um bebê do sexo masculino saudável após 37 semanas e com uma massa corporal de 2,9 kg. A paciente amamentou o bebê de forma exclusiva até os 6 meses de idade. Ela então foi aconselhada novamente a realizar uma gonadectomia.

           Um ano mais tarde, sua irmã mais nova também foi diagnosticada com infertilidade e amenorreia primária, com menstruação possível apenas após terapia hormonal. Exame de ultrassom mostrou um útero hipoplástico com ovários bilaterais reduzidos. Análise genética revelou que ela também tinha um cariótipo 46XY. Seus níveis de hormônio eram os seguintes: FSH – 93.05 mIU/mL, LH – 25.29 mIU/mL, e AMH – 0.05 ng/mL. Ao contrário da sua irmã mais velha, a paciente aceitou realizar uma gonadectomia antes da IVF com doação de óvulo. Após remoção dos ovários, exame histopatológicos mostraram gônadas disgenéticas (com problemas de diferenciação, funcionalidade e estruturas irregulares). 

          Dois meses mais tarde, IVF com doação de óvulo foi realizada na irmã mais nova após preparação endometrial com terapia estrogênica. Ela conseguiu com sucesso ficar grávida seguindo a transferência com embrião fresco e, até o momento da publicação do estudo, a gravidez estava com andamento normal, a 14 semanas.

          Ambas as irmãs foram diagnosticadas com Síndrome de Swyer. Os dois casos foram reportados e descritos em 2019 no periódico Journal of Human Reproductive Sciences (Ref.1).


   SÍNDROME DE SWYER

          A síndrome de Swyer foi primeiro descrita em 1955 pelo médico Jim Swyer e é uma relativamente rara desordem do desenvolvimento sexual caracterizada por digênese gonadal, útero hipoplástico (ou útero infantil) e fenótipo sexual feminino, mas em um indivíduo 46XY (cariótipo masculino). Com uma incidência populacional estimada de 1 para cada 80 mil, resulta de uma falha do desenvolvimento testicular no início da embriogênese, e vários genes estão implicados na manifestação da síndrome, podendo esta ser uma herança ligada ao cromossomo Y ou cromossomo X, herdada de forma dominante autossômica ou recessiva. 

          O mais comumente aceito mecanismo para a síndrome é que uma proteína produzida pelo gene SRY (região do cromossomo Y sexo-determinante) (!), o qual é responsável pela diferenciação de uma gônada primitiva em testículos. Mutações no gene SRY levam à produção de uma proteína defeituosa, a qual resulta em gônadas incompletas e persistência em certa extensão de estruturas de Müller (representadas por dutos precursores do útero, das tubas uterinas e dos dois terços superiores da vagina). Mutações no gene SRY têm sido implicadas em 10-20% dos casos de síndrome de Swyer. Em outros casos, atuação de genes localizados no cromossomo X ou em cromossomos autossomos que afetam a diferenciação sexual têm sido sugeridos (ex.: fatores de determinação testicular como os genes MAP3K1, DHH e NR5A1).

           Um estudo publicado em 2020 no periódico Translational Pediatrics (Ref.3), investigando uma adolescente de 15 anos com síndrome de Swyer, identificou uma mutação no códon 281 do gene SRY, onde uma timina tinha sido substituída por uma guanina (c.281T>G), dentro da caixa HMG, um domínio ligante de DNA altamente conservado. Através da caixa HMG, o SRY interage com sequências específicas de DNA para ativar a transcrição do gene de determinação testicular SOX9, portanto atuando de forma crítica na determinação sexual. Mais recentemente, no periódico Andrologia (Ref.4), pesquisadores identificaram uma mutação c.226C>A (p.Arg76Ser) também na caixa HMG em uma mulher de 26 anos com a síndrome.

          As taxas de gonadoblastoma em indivíduos com síndrome de Swyer são tão altas quanto 15-35%, e aumentam com a idade. Enquanto gonadoblastomas são benignos, esses tumores estão associados a um risco de 50-60% de transformação maligna para disgerminoma, coriocarcinoma, tumores do saco vitelino, carcinoma embriônico, seminoma e teratomas imaturos. Por isso a importância da gonadectomia profilática. No geral, pacientes 46XY com desordens de determinação sexual carregam um alto risco de desenvolver tumores de células germinativas, o qual varia de 30% até 75%.

           Nesse último ponto, é interessante mencionar que alguns indivíduos com a síndrome podem exibir desenvolvimento normal das mamas, pelos pubianos e axilares, e até mesmo menstruação - mas persistindo características como útero pequeno e gônadas com tecido fibroso disfuncional. Casos reportados na literatura acadêmica nesse sentido estão tipicamente associados com a presença de tumores malignos, gonadoblastomas e disgerminomas, sugerindo que neoplasmas de células germinativas podem produzir esteroides gonadais como estrógenos e testosterona, portanto, permitindo o desenvolvimento pubertário (Ref.11). Por outro lado, parece ser também possível o desenvolvimento pubertário normal e menarca espontânea em indivíduos afetados mesmo na ausência de tumores.

          Recentemente no periódico Fertility & Reproducion (Ref.12), foi reportado um caso de síndrome de Swyer envolvendo uma mulher de 32 anos de idade com desenvolvimento pubertário normal (mamas e pelos pubianos), genitália feminina normal e ciclo menstrual regular persistindo por mais de 15 anos, mas sem a existência de um tumor. Útero pequeno (3 x 1 x 2 cm) e gônadas disfuncionais levantaram a suspeita da síndrome, e a paciente havia procurado ajuda médica porque estava tentando engravidar e desenvolveu amenorreia com persistência de 1 ano. Nenhuma mutação no gene SRY foi identificada, ou qualquer outra relevante anormalidade. Terapia hormonal com estrógeno e progesterona reiniciaram o ciclo menstrual normal da paciente. O exato mecanismo explicando o desenvolvimento das mamas e a menstruação espontânea não pode ser identificado, ou mesmo a causa da amenorreia secundária.

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          Indivíduos com a síndrome de Swyer devem ser assegurados da possibilidade de gravidez mesmo com estruturas reprodutivas limitadas, através de terapias hormonais e IVF com doação de óvulo. Vários casos de efetiva gravidez têm sido reportados na literatura acadêmica nos últimos anos, incluindo gestações múltiplas (Ref.5-7, 9). Geralmente o parto é feito por cesárea, mas existe possibilidade em um número de casos para o parto vaginal (Ref.8). Terapia hormonal também pode ser usada para iniciar menstruação e engatilhar o desenvolvimento de características sexuais secundárias típicas do corpo feminino quando ausentes (ex.: desenvolvimento mamário e crescimento de pelos pubianos) (Ref.10).

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IMPORTANTE não confundir a síndrome de Swyer com a Síndrome da Insensibilidade Androgênica Completa, onde o indivíduo afetado também apresenta cariótipo 46,XY e um fenótipo feminino externo normal. Porém, estruturas reprodutivas femininas internas são ausentes nessa outra síndrome, com a vagina possuindo um fundo cego; além disso, testículos estão presentes, mas internamente. Para mais informações, acesse: O que é a Síndrome da Insensibilidade Androgênica Completa?

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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. Gupta et al. (2019). A Rare Case of Swyer Syndrome in Two Sisters with Successful Pregnancy Outcome in Both. Journal of human reproductive sciences, 12(3), 267–269. https://doi.org/10.4103/jhrs.JHRS_14_19
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470280/
  3. Xu et al. (2020). A case report of 46,XY partial gonadal dysgenesis caused by a novel mutation in the sex-determining region gene. Translational pediatrics, 9(6), 867–872. https://doi.org/10.21037/tp-20-414
  4. Pal et al. (2021). A missense mutation (c.226C>A) in HMG box SRY gene affects nNLS function in 46,XY sex reversal female. Andrologia, Volume 53, Issue 5, e14011. https://doi.org/10.1111/and.14011
  5. Plante & Fritz (2008). A case report of successful pregnancy in a patient with pure 46,XY gonadal dysgenesis. Fertility and Sterility, 90(5), 2015.e1–2015.e2.
  6. Tsuari & Chrysostomou (2019). Successful pregnancy in a patient with Swyer syndrome, or pure 46,XY gonadal dysgenesis. South African Journal of Obstetrics and Gynaecology, Vol.25, N°.1. https://hdl.handle.net/10520/EJC-1940a092b6
  7. Urban et al. (2021). Two successful pregnancies after in vitro fertilisation with oocyte donation in a patient with Swyer syndrome - a case report. Przeglad menopauzalny = Menopause review, 20(3), 158–161. https://doi.org/10.5114/pm.2021.109361
  8. Weisshaupt et al. (2021). "Mode of delivery of women with Swyer syndrome in a German case series" Journal of Perinatal Medicine, vol. 49, no. 6, pp. 725-732. https://doi.org/10.1515/jpm-2020-0562
  9. Winkler et al. (2022). A Successful New Case of Twin Pregnancy in a Patient with Swyer Syndrome—An Up-to-Date Review on the Incidence and Outcome of Twin/Multiple Gestations in the Pure 46,XY Gonadal Dysgenesis. International Journal of Environmental Research and Public Health, 19(9), 5027.0 https://doi.org/10.3390/ijerph19095027
  10. Cherukuri et al. (2022). The Mysteries of Primary Amenorrhea: Swyer Syndrome. Cureus 14(8): e28170. https://doi.org/10.7759/cureus.28170
  11. Pirastehfar et al. (2022). Dysgerminoma in a 15 years old phenotypically female Swyer syndrome with 46, XY pure gonadal dysgenesis: A case report. Clinical Case Reports, Volume10, Issue7, e6083. https://doi.org/10.1002/ccr3.6083
  12. Park, J. C. (2022). Atypical Swyer Syndrome Presenting with Spontaneous Breast Development and Secondary Amenorrhea. Fertility & Reproduction, Volume 4, Issue 1, Pages 1-48. https://doi.org/10.1142/S2661318222500050