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Terceira dose e vacinação heteróloga garantem super reforço imune contra o novo coronavírus

- Atualizado no dia 7 de outubro de 2021 -

          A combinação de um rápido desenvolvimento de efetivas vacinas contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2) e a ampla aplicação nas populações de vários países provou-se altamente eficaz no sentido de reduzir tanto a transmissão do vírus quanto a pressão nos centros hospitalares, com consequente queda acentuada no número de casos da doença associada (COVID-19) e mortes. No entanto, a emergência de novas variantes de preocupação (em particular, a variante Delta) (!) levou a uma recente ressurgência tanto de infecções confirmadas quando de doença severa em vários países. 

           Soma-se a isso uma acentuada queda no nível de imunidade humoral (anticorpos) conferida pelas vacinas desde o início do ano, especialmente entre homens, indivíduos com mais de 65 anos e imunossuprimidos (Ref.14). No Catar, onde as variantes Delta e Beta dominaram o cenário de transmissão, a efetividade da vacina da Pfizer (BNT162b2) contra infecção (sintomática e assintomática) caiu de um pico de 77,5% (1 mês depois da segunda dose) para aproximadamente 20% dentro de 5-7 meses após a segunda dose, apesar da efetividade contra progresso severo da doença ter continuado alta, acima de 90% (Ref.15).

(!) Leitura recomendada: Por que a variante Delta é muito mais transmissível?

          Várias causas são propostas para os altos níveis de transmissão da variante Delta, incluindo maior transmissibilidade da variante, redução progressiva na imunidade induzida pelas vacinas, e maior capacidade de evasão imune. Dessas causas, as duas últimas diretamente contribuem para uma redução na eficácia dos imunizantes. Nesse sentido, duas estratégias já estão sendo testadas para reforçar a imunidade da população e garantir uma maior defesa contra as variantes de preocupação: terceira dose (dose de reforço) e vacinação heteróloga.

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   TERCEIRA DOSE

           Evidências acumuladas têm sugerido um robusto aumento de neutralização (bloqueio das partículas virais por anticorpos neutralizantes) a partir de uma terceira dose de reforço. Um estudo preliminar publicado no The New England Journal of Medicine (Ref.1) investigou a administração de uma terceira dose de reforço 7,9 a 8,8 meses após a segunda dose da vacina da Pfizer (BNT162b2) em 11 participantes com idades de 18 a 55 anos (grupo 1) e em 12 participantes com idades e 65 a 85 anos de idade (grupo 2) nos EUA. Os pesquisadores encontraram um aumento do nível de neutralização 5 e 7 vezes maiores nos grupos 1 e 2, respectivamente, um mês após a terceira dose em comparação com um mês após a segunda dose. Frente à variante Beta - associada com forte evasão imune - neutralização aumentou em até 20 vezes em relação ao período pós-segunda dose.

           Também no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.2), um estudo ainda mais recente, conduzido em Israel - onde a variante Delta avançou rápido mesmo com quase 62% da população completamente imunizada com a Pfizer -, analisando dados médicos de quase 1,14 milhão de pessoas, comparou a efetividade da terceira dose da vacina BNT162b2 em indivíduos com 60 anos ou mais. Após 12 dias da dose de reforço, a taxa de infecção confirmada mostrou-se dramaticamente inferior por um fator de 11,3, e o nível de doença severa foi reduzido por um fator de 19,5, em comparação com indivíduos que receberam apenas duas doses. Em uma análise secundária, a taxa de infecções confirmadas 12 dias após a dose de reforço era menor do que a taxa após 4-6 dias por um fator de 5,4.

           Esses dados corroboram evidências prévias de estudos clínicos randomizados analisando o efeito de uma terceira dose em pacientes submetidos a um transplante de órgãos e hemodiálise (Ref.3-9) - indivíduos com um sistema imunológico muito comprometido -, onde foram observados um robusto aumento na capacidade imune de neutralização (imunidade humoral) e também na imunidade celular (ex.: células-T) na maioria desses pacientes em comparação com um placebo (apenas segunda dose), incluindo muitos que não haviam respondido minimamente à segunda dose. Esses estudos incluíram as vacinas da AstraZeneca (ChAdOx1 nCoV-19), da Moderna (mRNA-1273) e BNT162b2, e indicaram bom perfil de segurança nesses pacientes.  

> Para mais informações sobre esses imunizantes:

           Em relação à CoronaVac (vacina baseada em vírus inativado), um robusto estudo clínico randomizado, duplo-cego, placebo-controlado, ainda publicado como preprint (Ref.10), analisou 540 participantes na China com idades de 18 a 59 anos que receberam a terceira dose. Os pesquisadores encontraram que o nível de anticorpos neutralizantes aumentou em até 34 vezes em relação ao nível 6-8 meses após a segunda dose, e em 3-5 vezes em relação a 28 dias após a segunda dose. Os resultados também indicaram uma ótima resposta imune celular relativa às células B de memória após a segunda dose da CoronaVac.

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   VACINAÇÃO HETERÓLOGA

           Devido à escassez de vacinas e preocupações com raros eventos trombóticos após vacinação com o imunizante da Oxford-AstraZeneca, muitos países têm apostado na aplicação de uma segunda dose com uma vacina diferente daquela aplicada na primeira dose, geralmente envolvendo uma vacina mRNA-baseada (mRNA-1273 ou BNT162b2) na segunda aplicação. A aplicação de diferentes imunizantes em um mesmo indivíduo (vacinação heteróloga) tem mostrado induzir níveis muito mais altos de anticorpos neutralizantes e de células-T CD4+ e CD8+ do que a aplicação de duas doses com um mesmo imunizante. Isso provavelmente é explicado pela exposição ao corpo a diferentes veículos de entrega do agente imunogênico, reduzindo interferência indesejada do sistema imunológico.

          Por exemplo, na vacina da AstraZeneca, um adenovírus modificado carrega o material genético com as instruções para a síntese intracelular da proteína Spike do SARS-CoV-2. Na primeira dose, o corpo não irá reconhecer prontamente o adenovírus-vetor, deixando este mais livre para entregar as instruções às células. Na segunda dose, o corpo pode já estar prontamente apto a reconhecer o adenovírus-vetor (via memória imune), impedindo boa parte daqueles injetados no organismo de alcançarem as células, potencialmente reduzindo de forma significativa a produção do antígeno de interesse. Esse mesmo raciocínio tem sido proposto para explicar a alta eficácia reportada para a vacina Russa Sputnik V, a qual usa diferentes adenovírus-vetores para cada dose (!).

(!) Leitura recomendadaO que sabemos sobre a vacina Russa (Sputnik V)? A decisão da Anvisa foi injusta?

          Em um estudo publicado no periódico The Lancet (Ref.11), vacinação heteróloga com os imunizantes BNT162b2 e ChAdOx1 nCoV-19 mostrou manter alta a capacidade de neutralização contra as variantes de preocupação (incluindo a variante Delta), enquanto que a vacinação homóloga com duas doses da ChAdOx1 nCoV-19 induziu um nível apenas moderado de neutralização.

          Em um estudo publicado na Nature Medicine (Ref.12), englobando 216 indivíduos imunocompetentes, vacinação heteróloga ChAdOx1 nCoV-19/mRNA-baseada induziu um nível de anticorpos IgG 9-13 vezes maior do que a vacinação homóloga (duas doses da ChAdOx1 nCoV-19); diferença similar foi observada para anticorpos neutralizantes. Apesar de ter sido observado eventos sistêmicos adversos mais pronunciados com o regime heterólogo, este foi bem tolerado entre os participantes.

           Mais recentemente, em um estudo publicado no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.13), pesquisadores investigaram 88 profissionais de saúde que tinham recebido uma dose da vacina ChAdOx1 nCoV-19; 37 deles (média de idade de 46 anos) escolheram uma segunda dose homóloga e 51 deles (média de idade de 40 anos) escolheram uma segunda dose heteróloga com o imunizante mRNA-1273. Após 7-10 dias da segunda dose, os níveis de anticorpos IgG RBD-específicos e Spike-específicos mostraram ser 24-25 vezes maior no grupo heterólogo do que no grupo homólogo; o nível de anticorpos neutralizantes mostrou ser 10 vezes maior no grupo heterólogo, e capaz de deter a variante Beta (algo não observado no grupo homólogo).

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   CONCLUSÃO

          Enquanto vacinas de 2° geração não estiverem disponíveis para aplicação em massa, a administração de uma terceira dose de reforço e a vacinação heteróloga são estratégias mais do que promissoras para deter o avanço das variantes do preocupação do SARS-CoV-2, em particular da variante Delta, associada com uma transmissibilidade pelo menos 2 vezes maior do que a cepa original do vírus.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc2113468 
  2. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2114255
  3. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc2111462
  4. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673621016998
  5. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc2108861
  6. https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2782538
  7. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/ajt.16775
  8. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0272638621008337
  9. https://academic.oup.com/ckj/advance-article/doi/10.1093/ckj/sfab152/6352496 
  10. https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.07.23.21261026v1
  11. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)01442-2/fulltext
  12. https://www.nature.com/articles/s41591-021-01464-w
  13. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc2110716
  14. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2114583
  15. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2114114