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Implante de silicone salva a vida de uma mulher

          Uma mulher de 30 anos de idade com um histórico de implante subpeitoral de silicone introduzido através de uma incisão periareolar (450 mL, liso e arredondado) apresentou-se ao hospital para a avaliação de um trauma de penetração causado pelo disparo de uma arma de fogo. A paciente reportou que estava andando na rua quando, de repente, sentiu um rápido aquecimento e dor no seu peito esquerdo. Olhando para baixo e vendo sangue, correu para o departamento de emergência do hospital mais próximo. A arma de fogo nunca foi recuperada, e o atirador permanece desconhecido.

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          Durante o exame clínico no centro de traumas do hospital, os médicos encontraram uma paciente calma com uma única entrada de ferida no polo superior da mama esquerda (!). A entrada da perfuração demonstrou lesões térmicas cercando o buraco do projétil ("bala"), indicando uma grande proximidade do disparo em relação à vítima. Uma massa dura, subcutânea, no formato de projétil, era também palpável na parede inferior torácica abaixo da mama direita. Radiografia (Figura 1) revelou o projétil na parede torácica lateral direita, além de uma costela fraturada e gás na mama esquerda. Essas evidências deram pistas sobre a trajetória da bala da mama esquerda até a parede torácica direita.

(!) Para visualização da ferida, acesse: Entrada do projétil na mama esquerda 

          Uma tomografia computacional (CT) revelou áreas de contusão pulmonar mas não lesão intratorácica. No implante de silicone da mama esquerda, havia detritos e ar. Existia cerca quantidade de ar também no implante da mama direita. Após novas avaliações, a paciente foi liberada do setor de traumas e levada para o setor cirúrgico, para remoção do projétil e dos implantes de silicone. Após extração, o projétil foi enviado para a polícia, onde foi determinado ser de calibre 0.40 e encamisado com cobre.

          Examinando o implante esquerdo, os médicos observaram claramente o caminho feito pelo projétil no seu interior (Figura 2), saindo pela porção mediana, penetrando nos tecidos paraesternal e pré-esternal, e entrando no espaço acomodando o implante da mama direita. O implante de silicone direito (Figura 3) foi encontrado em uma posição completamente virada, indicando que foi atingido com força pelo projétil, apesar de não ter havido penetração. O rastro do projétil associado à mama direita envolveu os tecidos da parede do peitoral na região dos músculos intercostais, saindo finalmente pela parte inferolateral subcutânea e de tecido mamário, e parando na parede lateral direita do peito. 




          Ambos os espaços nas mamas antes comportando os implantes foram irrigados com bastante solução salina e betadine, e então fechados. A entrada da ferida na mama esquerda foi protegida contra detritos do ambiente e tratada com cuidados básicos diários. 

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          Análise balística, auxiliada por reconstrução tridimensional (Figura 4) e tecnologia CT de alta-resolução, demonstrou em detalhes como o projétil saiu do implante de silicone esquerdo para o aspecto posterior do implante direito. Com base na trajetória detalhada do projétil a partir da sua entrada na mama esquerda e avaliação radiológica e clínica, os pesquisadores-médicos determinaram que a única fonte de deflexão do projétil foi o implante esquerdo. O implante na mama esquerda sobrepõe o coração e a cavidade intratorácica, e, portanto, provavelmente salvou a vida da mulher.


          De acordo com os autores do relato de caso - publicado em 2020 no periódico Plastic Surgery Case Studies (Ref.1) - o evento se junta a outros dois descritos e reportados na literatura acadêmica de um implante de silicone salvando a vida de uma mulher contra o disparo de um arma de fogo. Aliás, esses casos representam evidência de suporte para a hipótese já previamente explorada de que implantes de silicone podem representar proteção extra contra a penetração de projéteis.


   IMPLANTE DE SILICONE

          O aspecto das mamas é um dos principais traços relacionados ao bem-estar psicosexual feminino, sendo símbolo importante da feminilidade, da sexualidade e da maternidade. Nesse sentido, muitas mulheres, insatisfeitas com o tamanho ou mesmo forma das mamas, acabam recorrendo aos implantes de silicone.

          A cirurgia de mamoplastia de aumento com inclusão de implantes é um dos procedimentos cirúrgicos mais realizados anualmente, no Brasil e no mundo. Possui como principais indicações os casos de assimetria mamária, hipomastia, alterações congênitas da parede torácica e situações nas quais a paciente apenas deseja aumentar o volume de suas mamas com fim estético. 

          A história da cirurgia para aumento das mamas remonta ao século XIX, quando Gersuny, em 1889, realizava a injeção de parafina no parênquima mamário. Desde então, os materiais para realização deste procedimento mudaram muito, sendo que podemos citar as próteses de marfim, os enxertos dermogordurosos, as esponjas de diferentes composições, o silicone líquido ou em gel ou os recipientes de silicone que podem ser inflados com diferentes líquidos.

          Em 1962, Cronin e Gerow introduziram o primeiro implante de silicone gel para aumento das mamas, modificando radicalmente este procedimento cirúrgico e auxiliando na sua popularização. Desde então, vários implantes foram desenvolvidos por diferentes fabricantes - totalizando hoje cerca de 8000 tipos diferentes - e houve significativa melhora na sua qualidade e nos materiais utilizados para os fabricar, culminando na procura e realização cada vez maiores desse procedimento cirúrgico. Entre 5 e 10 milhões de mulheres ao redor do mundo possuem implantes mamários, e aproximadamente 550 mil implantes são inseridos anualmente nos EUA. Na Holanda, é estimado que 3% das mulheres entre 20 e 70 anos possuem implantes mamários.

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           De qualquer forma, os cirurgiões que realizam operações de implante de silicone precisam discutir os riscos e benefícios do procedimento com todos os pacientes previamente à operação. Os benefícios do aumento de mama são geralmente de melhora na qualidade de vida. Entre os riscos, incluindo aqueles associados comumente com qualquer procedimento cirúrgico, o mais preocupante, e sendo cada vez mais discutido na literatura acadêmica devido à sua natureza potencialmente fatal, é o desenvolvimento do linfoma celular anaplástico grande implante-associado (BIA-ALCL), um câncer de células imunes associado aos implantes com textura. Apesar de reportada rara ocorrência, o risco de BIA-ALCL pode ser tão alto quanto 1 para cada 559 mulheres com implantes texturados (considerando uma média de diagnóstico de 10 anos) (Ref.3). Para implantes macro-texturados uma taxa de incidência de 1 para cada 355 mulheres foi recentemente reportada (Ref.4).

          Mecanismos patológicos explicando a relação entre BIA-ALCL e implantes texturados não são ainda bem esclarecidos. Atuais hipóteses incluem fatores genéticos, inflamação crônica resultando de contaminação bacteriana, descamação de particulados da cápsula do implante, ou das características superficiais causando fricção, ou por compostos associados ao implante (Ref.5). 

          Existe também uma controversa síndrome chamada de Doença do Implante Mamário (BII, na sigla em inglês), onde algumas mulheres com implante nas mamas reportam um leque de sintomas variando em severidade, incluindo mialgia, artralgia, febre, fatiga, olhos e boca secos, assim como falhas cognitivas. É sugerido algum tipo de doença autoimune, porém não só a patologia do BII é pouco explicada como também sua real associação com implantes mamários é questionada (Ref.6).

          Por fim, a complicação mais comumente reportada associada com os implantes mamários é a contratura capsular (Ref.7), uma resposta do sistema imunológico a materiais estranhos no corpo humano que leva à formação de tecido cicatrizado (cápsula) ao redor do implante. A contratura capsular pode espremer o implante com o tempo, gerando dor e mesmo ruptura do implante. A causa primária (gatilho) para a contratura capsular - que pode afetar uma ou ambas as mamas com implante - é desconhecida. Pode variar no grau de gravidade, desde quadro assintomático e sem deformação mamária, até forte dor e significativas deformações nas mamas.


REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. McEvenue et al. (2020). Life-Saving Silicone Breast Implant After Firearm Injury: Case Report and Treatment Recommendations. Plastic Surgery Case Studies, 6. https://doi.org/10.1177%2F2513826X19898821
  2. Pitanguy et al. (2010). Análise das trocas de implantes mamários nos últimos cinco anos na Clínica Ivo Pitanguy. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, 25(4). https://doi.org/10.1590/S1983-51752010000400019
  3. Nelson et al. (2021). BIA-ALCL and Textured Breast Implants: A Systematic Review of Evidence Supporting Surgical Risk Management Strategies, Plastic and Reconstructive Surgery. Volume 147 - Issue 5S - p 7S-13S. https://doi.org/10.1097/PRS.0000000000008040
  4. Peter et al. (2020). Risk of breast implant associated anaplastic large cell lymphoma (BIA-ALCL) in a cohort of 3546 women prospectively followed long term after reconstruction with textured breast implants, Journal of Plastic, Reconstructive & Aesthetic Surgery, Volume 73, Issue 5, Pages 841-846, ISSN 1748-6815, https://doi.org/10.1016/j.bjps.2019.11.064
  5. Jong et al. (2021). Final opinion on the safety of breast implants in relation to anaplastic large cell lymphoma: Report of the scientific committee on health, emerging and environmental risks (SCHEER). Regulatory Toxicology and Pharmacology, 125, 104982.
  6. Renée et al. (2021). The Prevalence of Self-Reported Health Complaints and Health-Related Quality of Life in Women With Breast Implants, Aesthetic Surgery Journal, Volume 41, Issue 6, June 2021, Pages 661–668. https://doi.org/10.1093/asj/sjaa207
  7. Bi et al. (2020). Breast Implants for Mammaplasty: An Umbrella Review of Meta-analyses of Multiple Complications. Aesth Plast Surg 44, 1988–1996 (2020). https://doi.org/10.1007/s00266-020-01866-0
  8. https://www.fda.gov/medical-devices/breast-implants/risks-and-complications-breast-implants