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Quais as evidências da evolução biológica?


> Este artigo é parte de uma discussão mais ampla sobre Evolução Biológica. Para mais informações sobre a história por trás da Teoria Evolutiva, evidências evolutivas e esclarecimento dos questionamentos mais frequentes sobre o tema, acesse: Evolução Biológica é um FATO CIENTÍFICO

- Atualizado no dia 30 de junho de 2023 -


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             A Evolução Biológica é um fenômeno natural e um fato científico suportado por múltiplas linhas de evidências (observacionais e experimentais). Não é algo que depende da sua vontade de acreditar. Simplesmente é um fato, assim como a geração de gravidade por um corpo com massa é um fato. A seguir, várias dessas linhas de evidências serão exploradas.

   


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     FÓSSEIS

           Através dos registros fósseis (restos conservados ou traços de seres vivos de um passado remoto), temos uma ampla fonte de evidências sustentando a Evolução Biológica. A partir da análise de camadas de rochas sedimentares e datação radioativa (!), podemos datar com grande precisão os fósseis encontrados e criar uma linha do tempo evolucionária, encaixando quem veio primeiro e quem veio depois, deixando claro a existência de um ancestral comum para o surgimento de um novo ser.


         Hoje, muitos buracos nos registros paleontológicos já foram preenchidos com o enorme volume de pesquisas nessa área. Centenas de milhares de fósseis já foram descobertos e muito bem datados, todos representando sucessões de formas e transições evolucionárias ao longo das eras. A vida microbiana do tipo mais simples já existia há 4 bilhões de anos, segundo as evidências mais recentes. Já os organismos mais complexos (ou seja, células eucarióticas, as quais são mais complexas dos que as procarióticas, das bactérias) foram descobertas em rochas de aproximadamente 2 bilhões de anos. Depois disso, organismos multicelulares, como aqueles dos reinos fungi, plantae e animalia, só foram encontrados em depósitos mais recentes ainda. Em outras palavras, todos os achados seguem uma ordem lógica de complexidade, marcando um processo de evolução gradual e previsto em teoria, como exemplificado no esquema abaixo.



           Somando-se a isso, ao considerarmos o grupo mais complexo dos vertebrados, onde nós estamos incluídos, diversos fósseis encontrados preenchem a sequência lógica de evolução entre eles. Elos entre peixes e anfíbios, entre anfíbios e répteis, entre répteis e mamíferos e, dentro deste último, temos os primatas (nós), onde são incontáveis os fósseis encontrados, especialmente do nosso gênero Homo. E temos que dar um holofote especial à descoberta prevista pela teoria evolucionária em 2004 (Ref.25), onde os fósseis da espécie Tiktaalik roseae foram descobertos, mostrando claramente uma morfologia de transição entre nadadeiras e membros. Ou seja, um peixe adquirindo características de um tetrápode terrestre, marcando um dos vários possíveis intermediários entre a vida marinha e a vida terrestre para os tetrápodes. Em 2010, cientistas encontraram registros fósseis de pegadas ainda mais antigas do que quando os Tiktaalik começaram a se preparar para o avanço no ambiente terrestre (Discutirei isso mais para frente).

Descoberto em 2004 e detalhado em uma publicação de 2006 na Nature, o Tiktaalik roseae é um potencial passo evolucionário das águas para a terra

          Concluindo, o recorde fóssil fornece consistentes evidências de uma mudança sistemática com o decorrer temporal. Com o tamanho gigantesco do corpo de evidências, é praticamente um fato de que não ocorrerá descobertas reversas, ou seja, de que anfíbios terão surgido primeiro do que os peixes, ou de que os mamíferos terão surgido antes dos répteis. Aliás, até hoje, depois de inúmeros fósseis analisados, nenhuma ordem reversa foi encontrada. A complexidade é crescente e obedece perfeitamente à Teoria que hoje explica a Evolução Biológica.

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Exemplos recentes de transições evolutivas evidenciadas pelos fósseis:

         É comum muitos criticarem os registros fósseis ao acusarem que até hoje nenhuma transição completa - passo a passo - foi encontrada entre eles. Ora, obviamente os registros fósseis são limitados, já que a fossilização é um evento raro.  A maioria massiva dos seres que morrem acabam não deixando fósseis para trás ou por causa da degradação biológica ou por outros efeitos ambientais destrutivos, como erosões e movimentações geológicas. E, quando deixam, em vários casos os fósseis se encontram muito fragmentados. Além disso, organismos como plantas, invertebrados e seres muito simples em geral, enfrentam ainda maior dificuldade de fossilização e muita sorte acaba sendo requerida para criar condições perfeitas que permitam um registro fóssil de mínima qualidade. Sem sombra de dúvida, apenas uma fração minúscula da diversidade de vida na Terra desde o seu início se encontra fossilizada e disponível para os cientistas.


   FÓSSEIS DE TRANSIÇÃO

         Já tendo sido mencionados em detalhes os dinossauros, hoje possuímos diversos fósseis de transição, ou seja, fósseis mostrando transições evolucionárias de um táxon (espécie, gênero, Reino etc.) para outro, em direção a uma nova clade (grupo de organismos originados de um único ancestral comum exclusivo - esse ancestral comum pode ser um indivíduo, uma espécie ou até mesmo um Reino). Dos dinossauros terópodes em direção às aves temos tantos registros fósseis - somados com tantas estruturas comuns - que fica impossível questionar que as aves evoluíram dos dinossauros.

         O mais famoso modelo de transição foi do peixe Tikaalik, o qual foi encontrado em 2004 e representava claramente uma transição dos animais vertebrados (tetrápodes) da água para a terra, e o qual tinha sido previsto pela Teoria da Evolução. (Na seção 'Criacionistas X Evolução Biológica' a questão do Tikaalik será abordada com mais detalhes).

          Outro famoso exemplo foi a descoberta de um fóssil de 49 milhões de anos atrás de uma "baleia com patas". Desenterrado no Paquistão em 1992 pelo paleontólogo Hans Thewissen - com a ajuda do seu time de pesquisa -, esse é um dos mais perfeitos fósseis de transição, pertencente à espécie Ambulocetus natans e representando a transição de um tetrápode terrestre para um mamífero exclusivamente marinho (no caso, um ancestral das baleias). O animal fossilizado possuía orelhas e dentes típicos de baleias, entre outras características morfológicas semelhantes, mas trazia quatro membros e dedos nas patas.



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ATUALIZAÇÃO (06/04/19): Mais uma importante lacuna de transição evolutiva das baleias foi preenchida, com a descoberta e a descrição de uma espécie anfíbia e quadrúpede de cetáceo (uma baleia com quatro pernas) que viveu há cerca de 42,6 milhões de anos. O estudo sobre o achado foi publicado na Current Biology (2). Para saber mais, acesse: Descoberto fóssil de uma baleia com quatro pernas no Peru, em clara transição evolutiva




ATUALIZAÇÃO (12/12/19): Em um estudo publicado no periódico PLOS ONE, pesquisadores da Universidade de Michigan descreveram o fóssil de mais um novo gênero e espécie de baleia primitiva que representa um importante passo no percurso evolutivo das baleias modernas, e trazendo um corpo similar ao gênero Basilosaurus. Datada em cerca de 35 milhões de anos atrás, a nova espécie, Aegicetus gehennae, é o mais recente representante da família Protocetidae. Comparado com baleias mais primitivas, o A. gehennae possuía um corpo e uma cauda mais alongados, pernas traseiras mais curtas, e a falta de uma firme conexão entre as pernas traseiras e a coluna espinhal, indicando um animal mais próximo de ser totalmente adaptado ao meio aquático e dependente da cauda para o nado do que seus ancestrais (incluindo o P. pacificus). Para mais informações e detalhes do fóssil descritos, acesse: Outro fóssil de baleia de quatro pernas foi descrito, em crucial transição evolutiva
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          Cobras - apesar de não serem os únicos répteis que evoluíram um corpo alongado sem membros - são também notáveis por terem evoluído de répteis com quatro membros, adotando tipicamente um modo rastejante de locomoção ao perdê-los durante o curso evolutivo. Hoje existem mais de 3 mil espécies de cobras, todas predadoras, mas explorando um espectro muito amplo de nichos ecológicos, habitando desde desertos e florestas úmidas até montanhas e ambiente marinho. Sem os membros, as cobras podem rastejar, cavar, subir em árvores, nadar e até mesmo planar. Nesse sentido, um número de fósseis de transição já foram descritos para as cobras, particularmente de espécimes trazendo ainda membros traseiros (!). 


           Notavelmente, em um estudo publicado em 2015 no periódico Science (Ref.179), pesquisadores descreveram um fóssil do Cretáceo Inferior, descoberto aqui no Ceará, de uma alegada cobra em estágio de transição evolutiva trazendo quatro membros reduzidos mas completos. A espécie - batizada de Tetrapodophis amplectus - parece ter usado os membros reduzidos para melhor agarrar presas. Proporções cranianas e corporais, assim como espinhas neurais reduzidas, indicaram uma adaptação fossorial, sugerindo que as cobras evoluíram de ancestrais fossadores (que cavam) e não de ancestrais marinhos como previamente argumentado. Evidências subsequentes, porém, apontaram também traços de adaptação aquática nessa espécie observados tipicamente em escamados marinhos (Ref.180), suportando ainda uma possível origem marinha das mais antigas cobras. Nesse mesmo caminho, um estudo mais recente, publicado no periódico Journal of Systematic Palaeontology (Ref.184), concluiu que o espécime não representa uma cobra, e, sim, um dolicossauro, um gênero extinto de escamado marinho.





         Fica aqui também a sugestão de leitura das matérias abaixo descrevendo fósseis de transição recentemente encontrados e descritos em estudos de grande impacto:

         Para não ficarmos apenas nos animais, podemos citar fósseis recentemente revelados de uma planta angiosperma do gênero Chauleuria, datada do Emsiano Inferior (~408-400 milhões de anos atrás) (Ref.173), e a qual representa um claro estágio evolutivo associado ao processo reprodutivo. As mais antigas plantas terrestres se reproduziam via esporos de tamanhos aproximadamente similares que teriam germinado em uma fase de produção de gametas (gametófito) dos seus ciclos de vida, os então controlavam a expressão e reprodução sexuais. No entanto, pelo fim do Devoniano Médio (~385 milhões de anos atrás), as plantas terrestres evoluíram modos mais complexos de particionamento de recursos reprodutivos, com a existência de esporos muito pequenos produtores de gametas masculinos (micro-esporos) e esporos muito grandes produtores de gametas femininos (mega-esporos). Essa evolução de diferentes classes de tamanho de esporos - heterosporia - foi essencial para um controle reprodutivo mais refinado, assim como cruciais evoluções que marcaram a formação de sementes. 


          Os novos fósseis (USNM 769061) - muito bem preservados e corroborando um fóssil prévio incompleto de outra espécie do gênero Chauleuria - mostram uma clara transição evolutiva para a existência de tamanhos tão extremados de esporos (mega- e micro-esporos). Como pode ser visto na imagem acima, os fósseis estavam associados a mais de 80 estruturas reprodutivas (esporângios) contendo esporos de massas e tamanhos variados, desde 70 micrômetros até 200 micrômetros de diâmetro. Enquanto algumas das estruturas continuam exclusivamente esporos grandes ou pequenas, outras possuíam apenas esporos de tamanho intermediário e outras possuíam todo o espectro de tamanhos - possivelmente com algumas produzindo gametas femininos e outras gametas femininos.


   "TRANSIÇÕES VIVAS"

          Aliás, não é necessário nem recorrer exclusivamente aos fósseis para mostrar exemplos de transições evolucionárias. Na nossa fauna e flora temos notáveis modelos e representantes vivos de transição, onde podemos citar os famosos ornitorrincos, estes os quais são mamíferos monotremados que possuem diversas características morfológicas e genéticas em comum com os répteis -  incluindo também as aves -, sendo que botar ovos é a mais óbvia. Além disso, certas espécies de peixes, como aquelas da família Oxudercinae - e até mesmo a classe Dipnoi, a qual é composta por peixes ósseos que apresentam pulmões primitivos, conseguindo respirar fora da água - são também famosas por conseguirem se locomover fora da água, frequentemente com as nadadeiras dianteiras, representando possíveis passos para a saída dos vertebrados da água. 

     

          Um exemplo ainda mais notável nessa linha são os peixes marinhos da família Blenniidae, cujas diferentes espécies representantes exibem variados graus de comportamento anfíbio: algumas raramente ou nunca emergem da água, outras gastam grande quantidade de tempo dentro e fora da água, enquanto outras são altamente terrestres e gastam toda a fase juvenil e vida adulta fora da água na zona de 'splash' (zona supralitoral, onde o ambiente é continuamente úmido devido às ondas mas não submerso) (Ref.168). A predação aquática é um dos fatores que empurraram esses peixes gradualmente para fora da água, e muitos variam o tempo fora e dentro da água dependendo das condições temporais, do nível da maré e da disponibilidade de refúgios/abrigos terrestres (fendas ou buracos nas rochas). Uma dieta também mais generalista - possibilitada pelo tipo distinto de dentição desses peixes - e grande plasticidade comportamental são outros fatores contribuintes importantes para a transição. Esse contínuo espectro de adaptabilidade aquática-terrestre pode espelhar o que ocorreu há centenas de milhões de anos quando os primeiros peixes emergiram da água para dar origem aos tetrápodes terrestres.



          Existem pelo menos 33 famílias de peixes que possuem, no mínimo, uma espécie que demonstra alguma atividade terrestre, e em vários casos esse comportamento evoluiu de forma independente nas diferentes famílias. Nos peixes da família Blenniidae são pelo menos 7 convergências para um estilo de vida altamente anfíbio (Ref.169). Apesar de ser comumente pensado que é muito raro tais transições, exemplos ainda hoje vivos indicam que o comportamento anfíbio evoluiu repetidas vezes ao longo de famílias ecologicamente diversas, sugerindo poucas limitações para esse tipo de processo adaptativo.

          Isso sem contar o recente achado científico de que o Raie-de-Verão (Leucoraja erinacea) possui um sistema de locomoção no solo oceânico idêntico ao dos tetrápodes terrestres, sugerindo um ancestral comum bem próximo entre essa espécie de peixe e os vertebrados terrestres (Para saber mais, acesse: Cientistas descobrem que um peixe marinho anda no solo oceânico exatamente como os vertebrados terrestres)


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  ESTRUTURAS COMUNS

            Quando comparamos a anatomia de diferentes animais, extintos ou não, vemos semelhanças que sugerem fortemente a necessidade de uma descendência comum. Entre os mamíferos, por exemplo, podemos citar o fato dos humanos, ratos e morcegos terem modos de vida completamente diferentes, além de características externas (tamanho, aparência) muito diferenciadas, mas todos eles manterem semelhanças fisiológicas e ósseas muito parecidas, incluindo órgãos e, principalmente, o esqueleto. Aliás, ratos são usados como excelentes modelos humanos para estudos diversos em laboratório. Os ossos são ainda mais surpreendentes, porque apesar de serem usados para funções diversas (voo, corrida ou escrita), os braços/membros desses três animais, por exemplo, são muito parecidos e compostos de componentes esqueléticos comuns. Outra semelhança óbvia é a presença sempre constante de quatro membros. Fica claro que compartilhamos um ancestral comum tetrápode (possuidores de quatro membros).
           Essas estruturas similares são chamadas de homólogas pelos cientistas. Darwin, aliás, estava seguro que a evolução biológica era um fato apenas observando essas estruturas. Ora, por que um morcego precisa de longos dedos para a formação das asas e possui toda a extensão do braço extremamente similar àquela vista nos outros tetrápodes, incluindo humanos? Por que, ao invés disso, os morcegos não possuem uma assa similar aos insetos e mãos livres para fazer outras atividades? Obviamente, o morcego não é um animal "planejado", e, sim, fruto de processos evolutivos, derivado de descendentes com modificações, ou seja, herdando (conservando) estruturas e carregando outras modificações adaptativas a partir de ancestrais em comum com outros tetrápodes. E, nesse mesmo caminho, por que raios os golfinhos, ictiossauros, plesiossauros, entre outros répteis e mamíferos aquáticos extintos ou não possuem a estrutura óssea de dedos dentro das nadadeiras? Por que esses dedos não estão presentes dentro das nadadeiras de peixes, como os tubarões? Ora, a resposta é óbvia: porque esses animais descenderam de répteis ou mamíferos terrestres tetrápodes que possuíam dedos funcionais, ganhando modificações no processo evolutivo para a adaptação ao ambiente aquático mas conservando estruturas dos seus ancestrais.



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> Alguns ictiossauros são também bem similares a golfinhos. Importante não confundir evolução convergente com evolução paralela. Evolução convergente ocorre quando descendentes são mais parecidos do que os ancestrais em relação a alguma característica do corpo (ex.: embora golfinhos e ictiossauros sejam bem parecidos entre si em várias características, seus ancestrais terrestres eram bem distintos entre si). Já evolução paralela implica que duas ou mais linhagens mudaram de forma muito similar desde o início do processo evolutivo, ou seja, os ancestrais em cada linhagem são similares entre si assim como seus descendentes (ex.: uma população de ratos da mesma espécie é dividida em duas populações, colocadas cada uma em um ambiente distinto, mas ao longo do tempo as duas populações continuam evoluindo de forma muito similar devido a pressões seletivas similares). Sugestão de leitura:
       
          Todos os seres vivos carregam várias estruturas homólogas - óbvias e não-óbvias - derivadas dos seus ancestrais comuns, e quanto mais próximos dois ou mais organismos estão de um mesmo ancestral comum, maior é a quantidade de similaridades homólogas, já que terão acumulado menos modificações em relação a outros ancestrais mais longínquos. Podemos fazer um paralelo com as diferentes línguas no mundo: no Ocidente e parte do Oriente, temos a família de línguas Indo-Europeias, todas derivadas de ancestrais comuns, como o Grego Micênico, as línguas Anatólias, e o Latim. O Latim, por exemplo, é o ancestral comum das línguas neolatinas (Italiano, Francês, Espanhol, Português, Romeno, Catalão, entre outros idiomas), e, apesar do acúmulo de modificações, todas elas conservam estruturas e várias palavras comuns. E do Inglês até as línguas Germânicas, todos compartilham essencialmente o mesmo alfabeto. Aliás, assim como ocorre com o criacionismo, acadêmicos Europeus antes do Iluminismo acreditavam que as palavras e linguagens tinham sido criadas como elas se encontravam no presente, via intervenção divina. A partir do século XVI, com o explosivo aumento do comércio internacional, a contínua observação das grandes similaridades entre as linguagens de regiões geograficamente muito distantes - da Índia até as ilhas Britânicas -, logo começaram a deixar claro que todas elas possuíam uma ancestralidade comum, algo que ficou mais do que bem estabelecido com o avanço dos estudos linguísticos, historiográficos e arqueológicos. 

          De fato, é possível estudar a 'evolução' das linguagens através de modelos evolutivos de filogenia, como  demonstrado recentemente em um interessante estudo sobre a origem dos Contos de Fada (1).


           Ainda com foco no sistema esquelético, um outro exemplo marcante é a composição óssea dos mamíferos e répteis. A mandíbula inferior dos mamíferos contêm apenas um osso, sendo que nos répteis a mesma estrutura é constituída por vários. Porém, encontramos que os ossos do ouvido dos mamíferos (martelo, bigorna e estribo) são homólogos com os ossos encontrados na mandíbula inferior dos répteis! E mais: voltando ao tópico dos fósseis de transição, paleontólogos já descobriram várias formas intermediárias que compartilham características tanto de mamíferos quanto de répteis (Therapsida, um grupo de synapsidas que incluem mamíferos e seus ancestrais) com um mandíbula de junção dupla - uma contendo os ossos que persistiram nos mamíferos e outra que contém os ossos que eventualmente se transformaram no martelo e na bigorna do ouvido. E esses ossos do ouvido médio dos mamíferos acabam sendo homólogos aos ossos de sustentação da guelra (arches) de peixes agnatanos (um tipo de enguia sem maxilar - início de evolução do maxilar) - e ossos encontrados no maxilar de anfíbios.



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OSSÍCULOS AUDITIVOS

          Os mamíferos possuem três ossículos no ouvido médio - martelo, bigorna e estribo - responsáveis pela aguçada audição nesse grupo, e associados com o osso timpânico responsável por dar suporte à membrana do tímpano. Nos répteis e nos ancestrais dos mamíferos, esses ossos fazem parte da mandíbula e ajudam a processar o alimento, ou seja, a junta mandibular primária serve tanto para o função de mastigação quanto para a função de audição (transferência de sons). Nesse sentido, nos mamíferos, as duas funções e estruturas relacionadas são separadas, com a existência de uma única mandíbula inferior ossificada e, como mencionado, um ouvido médio tri-ossicular.

> Os três ossículos no ouvido médio são os menores ossos do corpo humano. Na média, o marte possui uma altura de 8 mm e cerca de 2,7 mm de largura; a bigorna possui 6,8 mm de altura e 5,3 mm de largura; e o estribo - o menor osso do corpo humano - possui 3,5 mm de altura e 2,4 mm de largura. O martelo é o primeiro ossículo e está anexado e se move com a membrana timpânica. A bigorna é o segundo ossículo e conecta o martelo ao estribo. As ondas sonoras inicialmente fazem contato com o ouvido externo e a membrana timpânica; o tímpano vibra e transmite a vibração para a cadeia de ossículos, com o estribo transmitindo a vibração diretamente para a janela oval do ouvido interno (vibrando finalmente o fluido na cóclea e gerando sinais nervos conduzidos pelo nervo auditivo para o cérebro).  [Referência]


Três ossículos do ouvido interno de humanos.

          É proposto inclusive que a complexa transição mandíbula → ouvido médio foi facilitada pelo aumento da capacidade de evolução adaptativa proporcionada pela independência dos ossículos em relação aos maxilares, e associada às funções sensoriais do sistema tri-ossicular (Ref.171). Com o aumento de grau de liberdade para diferentes modificações morfológicas, os mamíferos puderam se adaptar melhor a diferentes habitats, aquáticos ou terrestres.

           Apesar da junta mandibular primária e os ossos pós-dentários diferirem dos ossos auditivos nos mamíferos em termos de morfologia, suas homologias já foram exaustivamente demonstradas via evidências genéticas, paleontológicas e de desenvolvimento embrionário. Em particular, já foi mostrado que genes trabalhando em concerto na regulação dos ossos do ouvido médio de mamíferos também regulam padrões de desenvolvimento na junção mandibular de vertebrados não-mamíferos (Ref.157).

          No final de 2011, o fóssil do mamífero primitivo Liaconodon hui foi reportado e descrito por paleontólogos, representando um estágio transicional: um pedaço de cartilagem endurecida na mandíbula (cartilagem de Meckel, em laranja na imagem abaixo) suportava parte dos ossículos em separação e o tímpano (Ref.158). Enquanto que os ossos auditivos estavam desanexados da estrutura dentária, eles ainda retinham um substancial contato ósseo com a cartilagem de Meckel, fazendo com que as funções de mastigação e de audição ainda interferissem uma com a outra.


        (I) No final de 2019, um time internacional de pesquisadores reportaram e descreveram no periódico Science (Ref.159) uma nova espécie de simetrodonte (Origolestes lii) a partir de dois espécimes fossilizados. Datados do Cretáceo Inferior, essa espécie não possuía os ossos auditivos, incluindo o angular, em contato com a cartilagem ossificada de Meckel; esse último se encontrava alojado solto na parte traseira medial do dentário. Segundo os pesquisadores, essa configuração provavelmente representa o estágio morfológico inicial do ouvido médio definitivo dos mamíferos e corrobora a teoria evolutiva relativa à evolução do ouvido médio nesse grupo.



          Em um estudo publicado em 2021 no periódico Nature (Ref.185), pesquisadores descreveram o fóssil de um mamífero primitivo do Jurássico Médio (Vilevolodon diplomylos) que não mais possuía o sulco Meckealiano, trazendo a configuração dos ossículos mais próxima daquela dos mamíferos modernos. Aliás, a morfologia da bigorna do V. diplomylos e sua articulação com o martelo lembram aquelas dos atuais monotremos (equidna e ornitorrinco).

           As evidências acumuladas até o momento, portanto, mostram que os aparatos da audição e da mastigação evoluíram de forma modular na transição réptil-mamífero. Nesse sentido, iniciando como um complexo integrado nos cinodontes não-Mammaliaformes, os dois módulos, regulados por mecanismos genéticos e de desenvolvimento similares, eventualmente foram desacoplados durante o processo evolutivo, permitindo uma otimização que possibilitou uma mastigação e uma audição mais eficientes nos mamíferos. A independência entre os dois módulos liberou a mandíbula para uma maior especialização (modificações mandibular e dentária) para um melhor processamento de diversos tipos de alimentos, possibilitando a exploração de um maior espectro de nichos ecológicos; ao mesmo tempo, o módulo auditório, livre, pôde ser otimizado para uma audição mais sensível, englobando altas-frequências sonoras sem distúrbios masticatórios. Importante lembrar também que o ouvido médio definitivo nos mamíferos, em termos de filogenia, evoluiu múltiplas vezes a partir do complexo integrado.


MONOTREMOS E MARSUPIAIS: Interessante também mencionar o caso dos mamíferos monotremados e marsupiais. Os mamíferos articulam seus maxilares usando uma nova articulação (temporomandibular) entre os ossos dentários e escamosos, desde que parte importante articulação original (ligação entre o quadrado e o maxilar superior. Em mamíferos euterianos, essa articulação se forma já no embrião, suportando alimentação e vocalização desde o nascimento. Em contraste, marsupiais e monotremos exibem extrema dependência ao nascerem e nascem antes dessa articulação se formar. Em um estudo publicado no periódico eLife (Ref.170), os pesquisadores mostraram que a função vital de alimentação nos recém-nascidos desses mamíferos é realizada por uma ligação cartilaginosa com os ossos do ouvido médio, permitindo que a base craniana forme uma articulação crânio-mandibular. Foram analisadas comparativamente quatro espécies: um Rato-cachorro-de-orelhas-curtas (um opossum, marsupial da família Didelphidae), um ornitorrinco (Ornithorhyncus anatinus), uma equidna (Tachyglossus aculeatus) e um camundongo (Mus musculus). Comparações adicionais foram realizadas com uma lagartixa, um porquinho-da-Índia e um morcego. 


A natureza dessa articulação varia entre monotremos e marsupiais, com os monotremados juvenis retendo uma dupla articulação, similar àquela do Morganucodon (Mammaliaformes), enquanto os marsupiais usam tecido conectivo entre os ossículos do ouvido e a base do crânio para simular temporariamente a articulação. O achado pode representar verdadeiros "fósseis vivos" espelhando a transição réptil-mamífero em relação à separação dos ossículos do ouvido, e reforçando que o grupo dos monotremados retiveram consideráveis características desde a divergência dos répteis em relação aos outros mamíferos [a deposição de ovos sendo a mais óbvia característica].


TERRA PARA O MAR: É interessante também apontar que durante as transições de répteis e de mamíferos do ambiente terrestre para o ambiente aquático, é bem documentado no registro fóssil não só o passo a passo das modificações anatômicas mais externas (membros, crânio, cauda, etc.) como também os ossículos do ouvido, e de forma também homóloga. O clado Thalattosuchia representou crocodilomorfos marinhos que evoluíram de espécies terrestres que se adaptaram ao ambiente aquático - se tornando eventualmente excelentes nadadores -, assim como ocorreu com os cetáceos. Essa transição evolucionária ocorreu durante a Era Mesozoica (182-125 milhões de anos atrás) e envolveu uma gradual modificação muito similar no sistema sensorial vestibular àquela observada nos cetáceos, particularmente uma miniaturização do labirinto (adaptação ao modo de vida pelágico) (Ref.167). Porém, com uma nítida diferença: essa modificação ocorreu em um passo bem mais acelerado nos cetáceos. 

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          Outra notável transição evolutiva, bem representada no registro fóssil, é a emergência do processo de amamentação. Todos os mamíferos alimentam seus filhotes com leite, e, para fazer isso, os recém-nascidos precisam de um osso especial (hioide) na região da garganta para sugar e engolir. O Microdocon gracilis - um docodonte (Mammaliaformes) do Jurássico, que viveu há 165 milhões de anos - é o mais antigo animal conhecido capaz de sugar leite, possuindo uma forma desse osso hioide que lembra aquele de mamíferos modernos, representando uma importante transição evolutiva. Os cinodontes - outra importante transição evolutiva de répteis para mamíferos - já traziam no Triássico uma forma primitiva de hioide.


          Voltando a citar os tetrápodes marinhos, estes os quais evoluíram de tetrápodes terrestres que começaram a voltar para o mar há cerca de 250 milhões de anos, durante o Mesozoico várias diferentes linhagens de répteis (mosassauros, ictiossauros, tartarugas, cobras, etc.) deram origem à linhagens de animais marinhos obrigatórios, incluindo algumas que persistem até hoje. E, mais recente na história do nosso planeta, os mamíferos terrestres também começaram a voltar para as águas, durante o Cenozoico, com diversos representantes ainda vivos, como as baleias e golfinhos. Entre os mamíferos marinhos, são diversas as semelhanças com os terrestres, como as já citadas homologias ósseas, mas temos uma ainda mais notável: o sistema pulmonar, e a necessidade de estarem sempre voltando à superfície para respirarem. Isso mostra claramente uma forte ligação com o ambiente terrestre não completamente superada pelo curso evolucionário (como o desenvolvimento de uma espécie de guelra e um metabolismo mais otimizado para permitir uma maior liberdade dentro do ambiente aquático).


          Mais exemplo interessante de homologia pode ser visto nas raias do gênero Manta e seus parentes próximos da família Myliobatidae, os quais possuem nadadeiras peitorais modificadas para uma espécie de "voo" aquático e um par de projeções/chifres na parte anterior do corpo chamados de lobos cefálicos, especializados para a alimentação. Esses lobos podem, à primeira vista, parecerem partes anatômicas completamente novas em relação a outros gêneros de rais - e supostamente apêndices separados -, mas são apenas modificações das nadadeiras temporais via regulação diferenciada de certos genes ligados à determinação de planos corporais, como o Hoxa13 e o Hoxa2 (Ref.137). Isso é também outra óbvia evidência de que os "chifres" desses peixes evoluíram a partir das nadadeiras peitorais.

         

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Leitura complementar:

   DINOSSAUROS E AVES

          Obviamente, não podemos nos esquecer dos dinossauros e a relação desses répteis com as aves. A evidências são tão amplas que fica, virtualmente, inquestionável o fato das aves serem descendentes evolucionários diretos dos dinossauros (no caso, dinossauros terópodes (bípedes), como os Velociraptores). Na verdade, aves são consideradas os únicos dinossauros que sobreviveram ao evento cataclísmico de extinção há 66 milhões de anos. Nesse sentido, a origem das aves é um dos exemplos mais bem documentados de notável transição macroevolucionária. Aliás, hoje em dia, muitos cientistas preferem incluir as aves, as quais compreendem mais de 10 mil espécies, como um sub-grupo dos répteis, já que várias delas compartilham muitas características com esses últimos; e, de fato, dinossauros são répteis. A classe Reptilia (dos répteis) já é oficialmente expandida por vários pesquisadores para incluir as aves.

          Um recente estudo de revisão (Ref.174) encontrou forte suporte de que os dromaeossaurídeos ('raptores') e os terópodes troodontídeos (ambos do clado Deinonychosauria) são os grupos de dinossauros não-aviários mais próximo relacionados (táxon irmão, Paraves) das primeiras aves (Avialae), e que os terópodes anquiornitinos (Anchiornithinae) representaram as mais antigas aves (dinossauros aviários) a divergirem dos dinossauros terópodes. Aliás, os pesquisadores nesse estudo - através de uma compreensiva análise biomecânica e morfológica - encontraram que a maioria das espécies nesses grupos tinham o potencial de voar, mas com apenas algumas ultrapassando o limite de real voo, não apenas capacidade de planar. Isso sugere que o voo auto-sustentado evoluiu pelo menos três vezes entre os dinossauros terópodes: uma vez nas aves e duas vezes nos dromaeossaurídeos. Isso significa que houve inúmeras experimentações evolutivas da locomoção assistida pelas asas antes da habilidade de voo se estabelecer nas aves.


          Entre outros estudos e descobertas publicados nos últimos anos, vale citar:

1. Todas as aves modernas - talvez com algumas exceções entre pássaros canoros - possuem um tecido ósseo chamado de Osso Medular (OM). Esse tecido é encontrado apenas em fêmeas e é dependente da presença altos níveis de estrógeno. É caracterizado por ser um rápido depósito ósseo que surge a partir do endostemo (tecido conectivo associado à medula óssea) e de curta duração, se estendendo dentro da cavidade medular e espaços inter-trabeculares de ossos longos de fêmeas de aves grávidas e tendo sua formação e depleção estritamente regulada pelos níveis de estrógeno que acompanham a ovulação. A composição e bioquímica do OM também difere dos outros tecidos ósseos.

          Bem, mas o fato que nos interessa é que esse tecido ósseo também é encontrado em fósseis de dinossauros, e praticamente só concentrado no grupo dos terópodes, ou seja, no grupo que deu origem às aves! Nem mesmo os crocodilos, parentes mais próximos dos dinossauros aviários e não-aviários (incluindo as aves modernas e extintas) possuem tal tecido. Até o momento, o OM só foi observado presente nas aves e dinossauros, já tendo sido mostrado até mesmo no Tiranossauro rex.(Ref.39) E outra: os machos das aves podem formar tais tecidos se administrado um excesso de estrógeno em seus corpos, algo que não acontece com os crocodilos. O OM, claramente, marca a linhagem evolucionária que liga as modernas aves com os extintos dinossauros aviários.

2. Depois de um intenso trabalho em um dos fósseis de dinossauro mais bem conservados já encontrados, os pesquisadores puderam dar o visual próximo de um legítimo elo direto entre dinossauros não-aviários e aves (figura abaixo). A espécie (Zhenyuanlong suni)), apelidada de 'Dragão de Zhenyuan', - em homenagem ao seu descobridor original -, é um parente distante dos velociraptores (os carniceiros clássicos da franquia Jurassic Park). De acordo com as evidências, parece que as asas não tinham um propósito inicial de voo, e, sim, de proteção aos ovos do ninho. Alguns especulam também que as asas serviriam para amortecer pulos entre as copas das árvores. O trabalho foi publicado na Nature (Ref.19).



3. Um estudo publicado em 2016 (Ref.20) reportou fortes evidências de que os dinossauros extintos participavam de rituais de acasalamento e na criação de ninhos de forma muito similar às aves modernas, fortalecendo ainda mais a já bem aceita ideia de que esse dois grupos de animais estão diretamente relacionados e intimamente ligados na escala evolutiva. A principal evidência é a descrição de marcas encontradas em algumas partes do Colorado, EUA, que são muito provavelmente arranhões desferidos no solo pela "dança" dos dinossauros em volta dos ninhos e durante o acasalamento. Seria como se estivessem ciscando, deixando arranhões que ultrapassam os 2 metros de largura em alguns casos encontrados! A imagem abaixo mostra algumas das marcas (no artigo existem outros padrões mais complexos de 'arranhões') e uma ilustração de como os terópodas se comportavam em um acasalamento.

Marcas fósseis (b) indicando uma possível dança dos dinossauros

4.  Em um trabalho publicado no periódico Evolution, pesquisadores conseguiram modificar os bicos de uma galinha ao bloquearem duas proteínas durante o desenvolvimento embrionário do animal, a FGF e a Wnt. Ambas são responsáveis pelo desenvolvimento facial típico dessas aves e, quando bloqueadas, elas deram origem a uma estrutura diferente de bicos mas próxima da boca de um réptil, em uma relativa grande semelhança com os velociraptores! Os pesquisadores envolvidos no trabalho estavam querendo saber como aconteceu a transição de dinossauros para as nossas modernas aves. (Ref.21).


À direita, o formato facial típico de uma galinha; no meio, temos a galinha modificada; à esquerda, temos a estrutura facial de um lagarto

 5. Um dinossauro desconhecido preservado em lama, e datado em cerca de 72 milhões de anos, quase foi destruído por explosivos antes de ser descoberto (Ref.22). Trabalhadores no sudeste da China, na província de Jiangxi, acharam o fóssil enquanto estavam usando dinamites em um local de construções. Mesmo o fóssil tendo sofrido algumas perdas, os pesquisadores conseguiram pegá-lo muito completo. A espécie, chamada Tongtianlong limosus, pertence a um grupo dos últimos dinossauros remanescentes antes da extinção em massa (oviraptorossauros) e que já tinham características muito próximas das aves (como pode ser notado pela reconstrução artística do espécime encontrado, momentos antes da sua morte, na foto abaixo). Seu porte é próximo das dimensões de uma ovelha. Seu estudo mais detalhado com certeza dará mais pistas sobre o processo de evolução dos dinossauros para as aves modernas, adicionando mais um exemplar aos inúmeros já encontrados possuindo penagem.


6. Analisando o crescimento ósseo e de massa corpórea em fósseis de dinossauros, paleontólogos acreditam que estes animais não possuíam sangue frio, ou quente, mas algo talvez no meio termo. Essa hipótese ajuda a explicar o domínio desses animais por tanto tempo na Terra, em torno de 130 milhões anos. Os dinossauros não-aviários teriam a agilidade de cobertura territorial e taxa de crescimento acelerada um pouco próxima a dos mamíferos, e a necessidade de pouco alimento, assim como os répteis, adaptando-se fácil em diversos ambientes e adversidades. Isso também é outra forma de reforçar a origem das aves modernas como evolução direta a partir dos dinossauros extintos. As aves possuem sangue quente (endotérmicas), são ágeis e possuem uma taxa de crescimento alta. Ou seja, se a hipótese estiver certa, os dinossauros não-aviários representam uma transição perfeita para os seus futuros descendentes aviários (Ref.23). Um estudo publicado recentemente na Nature (Ref.186), comparando assinaturas biomoleculares em fósseis de dinossauros com os ossos de aves modernas, concluiu inclusive que dinossauros terópodes e não-terópodes (ex.: saurópodes) possuíam sangue quente, ou seja, eram vertebrados endotérmicos - com um metabolismo cada vez mais alto acompanhando a linhagem evolutiva aviária.

7. Os amniotas modernos - animais cujos embriões são rodeados por uma membrana amniótica e que englobam os mamíferos e os sauropsídeos (répteis e aves) - tipicamente desenvolvem dois centros de ossificação na região proximal (superior) do tornozelo: o astrágalo e o calcâneo. O astrágalo dos dinossauros terópodes possui um processo triangular ascendente (PTA) projetando sobre a superfície anterior da tíbia. O PTA também está presente nos aves quando filhotes e durante a fase embrionária, porém desenvolve um centro de ossificação separado, projetando-se do calcâneo na maioria das espécies. Apesar disso, à primeira vista não tornar esse desenvolvimento ósseo comparável com os dinossauros terópodes em termos de homologia - apenas uma evolução convergente -, um estudo de 2015 publicado na Nature (Ref.152), analisando representantes aviários extintos e não extintos, mostrou que o PTA não é uma projeção nem do astrágalo ou do calcâneo, mas, sim, um elemento independente - o intermédio. Ou seja, isso explica a mobilidade dessa estrutura óssea homóloga durante a evolução dos dinossauros terópodes para as aves modernas. Aliás, também explica porque nas aves paleognatas o PTA é projetado mais perto do astrágalo e nas aves neognatas a projeção ocorre mais perto do calcâneo. Os pesquisadores também mostraram que durante o processo evolutivo, o PTA dos dinossauros adquiriu um desenvolvimento similar aos anfíbios (evolução reversa) nas aves modernas.

8. Um estudo publicado no Current Biology (Ref.24) descreveu a descoberta de uma cauda de dinossauro - provavelmente do grupo Coelurosauria - preservada em âmbar, a qual possuía uma antiga plumagem! Quer prova mais sólida do que essa? Datado de um período em meados do Cretáceo, a estrutura é mais do que valiosa, porque mostra os padrões de penas em um real substrato ósseo, o qual também tem preservado outros tecidos, como o epitelial, e até vestígios sanguíneos (presença significativa do íon Fe2+ no interior da cauda). Antes, diversas descobertas de plumagens em terópodes não-aviários vinham confirmando várias características previstas pelo modelo da Evolução das Penas, como os dois espécimes descritos acima. Essa nova descoberta bate o martelo de aprovação no modelo.


9. Analisando três novas espécies de antigas aves com dentes do período Cretáceo Superior, descobertas aqui no Brasil, pesquisadores em um estudo publicado na Scientific Reports (Ref.177) concluiu que a troca de dentes nesses animais ocorria como nos crocodilianos e nos seus parentes mais próximos, os dinossauros terópodes. Usando escaneamento CT (tomografia computacional) de alta resolução, eles descobriram um padrão alternado de substituição dentária. Ou seja, fica sugerido que o controle dentário foi geneticamente conservado nas linhagens dos dinossauros-aves e dos crocodilianos.

Mesmo os dois grupos separados há milhões de anos a partir do ancestral comum entre dinossauros e crocodilianos, estes últimos (ex.: crocodilos e jacarés) são atualmente os répteis mais próximo-relacionados às aves em termos evolutivos.  

Os crocodilianos são os únicos arcossauros hoje vivos com dentes. A lâmina dentária dentro dos soquetes de dentes desses animais forma um nicho de células tronco para múltiplas gerações de dentes (mecanismo controlado por uma rede de genes regulatórios). Nesse sentido, a substituição dentária nesses animais começa, geralmente na parte posterior da mandíbula, avançando como uma onda. Em média, um dente é substituído a cada poucos meses. 

Os fósseis analisados no novo estudo foram descobertos em 2004 na cidade de Presidente Prudente, São Paulo, na Formação Adamantina. Os espécimes pertencem ao clado Enantiornithes: MPM-373 (a, b), MPM-90 (c, d) e MPM-351.


10. Em um estudo publicado no periódico Nature Communications (Ref.187), pesquisadores do Instituto de Paleontologia Vertebrada e Paleoantropologia da Academia Chinesa de Ciências reportaram e descreveram um fóssil datado em 120 milhões de anos atrás, do Cretáceo Inferior, na China, pertencente a uma antiga espécie de ave do clado Enantiornithes que trazia características cranianas tanto de aves modernas quanto de dinossauros terópodes não-aviários, em particular similares àquelas de dinossauros como o Tyrannosaurus rex e Velociraptores. 




O espécime descrito cabe na palma da mão, com o crânio possuindo 2 cm de comprimento, e foi descoberto na Província de Liaoning, no nordeste da China. Os traços cranianos revelados por detalhada análise de tomografia computacional indicam que as primeiras aves ainda mantinham notáveis características dos seus ancestrais dinossauros e que o crânio funcionava mais como aquele de dinossauros terópodes não-aviários do que das aves modernas. 

Em aves modernas, o quadrado é um dos ossos mais móveis no crânio e gera uma funcionalidade única chamada de "crânio cinético", permitindo que o maxilar superior se mova de forma independente do maxilar inferior e do cérebro. Em contraste, o crânio do novo fóssil é similar ao de dinossauros terópodes não-aviários, ou seja, um "crânio acinético", com os ossos presos e incapazes de se moverem. Além disso, as regiões temporais do crânio eram mais reptilianas do que aviárias.

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> Relevante também mencionar que todas as aves, independentemente se voam ou não, possuem asas, mostrando uma clara relação de ancestralidade comum entre todas as espécies desse grupo.
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  Leitura complementar:

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     DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES

           Hoje já se tem documentado e descrito quase 1,5 milhão de espécies de plantas, fungos e animais. Enquanto muitas delas possuem amplos espaços de ocupação e nichos ecológicos pelo mundo, como o ser humano e os cães, outras são altamente especializadas e habitantes exclusivas de uma região, como uma espécie de fungo do gênero Laboulbeni que cresce exclusivamente na parte traseira da estrutura que cobre as asas de um besouro (Aphaenops cronei), este o qual é encontrado apenas em algumas cavernas do Sul da França. Mas apesar das grandes diferenças nos papéis ecológicos e estruturas corporais únicas, diversas espécies são bastante parecidas entre si. Ilhas são um excelente exemplo disso, onde muitos animais são parecidos com aqueles habitando porções de terra maiores e próximas (como a ilha Galápagos), mas são muito similares entre si. A Teoria da Evolução Biológica explica isso.

           Quando isolamentos geográficos separam e isolam regiões, criam-se ambientes novos para os espécimes separados ou que migram para essas áreas. Uma população original contendo uma única espécie pode ser dividida em duas áreas e os indivíduos tomarem um rumo evolucionário diferente um do outro por causa das novas condições que levarão a distintos mecanismos de seleção natural. Quando a América do Norte e a América do Sul eram separadas entre si, as espécies de mamíferos em cada uma das áreas evoluíram de forma completamente diferente, dando origem a diversas espécies únicas. Há cerca de algo entre 3 e 8 milhões de anos (1), os dois continentes foram unidos pelo istmos do Panamá (seta vermelha na imagem abaixo), e permitiu que diferentes espécies cruzassem os continentes, onde tatus, ouriços e opossuns (um tipo de marsupial) - todos os três de origem sul-americana - acabaram indo para o Norte, enquanto a onça-parda - e outras espécies de origem norte-americana - migrou para o Sul. Por isso hoje todos esses mamíferos são encontrados em toda a América, mas os registros fósseis são claros: antes essas espécies tão diferentes entre si só eram encontradas ou em um ou em outro continente.



           O Havaí é outro caso bem interessante. Cerca de um quarto de todas as quase 2000 espécies de moscas do gênero Drosophila vivem lá. Além disso, também habitam o Havaí mais de 1000 espécies de caracóis, e outros moluscos também são encontrados apenas lá. A explicação para tal diversidade de espécies tão próximo relacionadas entre si em uma única região é também explicada pela Teoria da Evolução. Como as ilhas do Havaí são muito afastadas de qualquer porção de terra continental, relativamente poucas espécies foram capazes de alcançá-la. Com isso, essas poucas dominaram todos os seus ambientes e nichos ecológicos, gerando suficiente espaço e baixa competição por recursos para várias populações de uma mesma espécie evoluírem de forma distinta à medida que colonizavam o arquipélago. Para se ter uma ideia, apenas uma espécie de mamífero - no caso, um morcego - foi encontrada lá pelos registros fósseis antes da chegada e estabelecimento do ser humano na América do Norte. Ou seja, um animal da porção continental capaz de migrar para lá, com a ajuda das asas.

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   SIMILARIDADES EMBRIONÁRIAS

          Diversas espécies de organismos que, aparentemente, não são nada parecidos entre si, acabam possuindo similaridades incríveis durante o estágio inicial de desenvolvimento, algo que pode ser encarado também englobado pela homologia. Uma vasta variedade de espécies, de moscas-da-fruta a vermes até homens a ratos, possuem sequências muito similares de genes que são ativados durante a fase embrionária. Esses genes influenciam a segmentação ou orientação em todos esses diversos grupos. A presença de tais similaridades na ação dos genes entre seres tão distintos entre si é perfeitamente explicada pelo fato deles tido um ancestral em comum.
         Podemos citar vários exemplos interessantes para ilustrar. Barnacles são crustáceos sedentários com muito pouca aparente similaridade com outros crustáceos como lagostas, siris ou copépodes. Porém, na fase larval de todos eles, existem várias similaridades, fortemente indicando um ancestral comum para todos e justificando serem englobados no clado dos crustáceos. Outros dois exemplos são os rudimentos pélvicos encontrados em cobras no seu estágio embrionário, assim como dentes em baleias-verdadeiras também no estágio inicial de desenvolvimento - ambas as estruturas não são encontradas nos adultos, mas, sim, em outras espécies dos grupos onde estão inseridas.

       
          No caso específico dos cetáceos, baleias da subordem Mysticeti (baleias-verdadeiras), como as baleias-azuis e as baleias-jubartes, possuem, no lugar de dentes, fileiras de cerdas bucais usadas para filtrar o alimento da água marinha. Porém, durante o desenvolvimento fetal dessas baleias, existe o desenvolvimento inicial e temporário de dentes não funcionais, que nem mesmo emergem das gengivas. Esses dentes germinativos são claramente remanescentes evolutivos - ativados durante a diferenciação embrionária dos tecidos - de reais dentes nos ancestrais terrestres das baleias, os quais eram similares a hipopótamos e vacas e que viveram há dezenas de milhões de anos. Nos fetos das jubartes, por exemplo, são 40 dentes germinativos em cada lado de cada mandíbula, com dimensões inferiores a 0,5 milímetro (Ref.129), e cuja transição para as cerdas ocorre na terceira parte final da gestação. Provavelmente, os genes que expressam proteínas para o desenvolvimento dos dentes foram conservados durante o percurso evolucionário porque também são necessários para o desenvolvimento das cerdas bucais, e, por isso, os proto-dentes são inicialmente gerados até que outros mecanismos regulatórios deem início ao desenvolvimento das cerdas.




          Outro exemplo notável está associado à estrutura óssea no ouvido dos mamíferos. Nos ossículos do ouvido médio, temos o estribo, o qual evolutivamente tem origem do osso hiomandibular nos peixes, o qual suporta as guelras. Primeiro, esse osso nos peixes migrou para o palato duro, o qual é englobado contra o crânio nos peixes com mandíbula e nos primeiros tetrápodes. Uma nova mudança evolutiva fez esse osso se tornar a columela no ouvido médio dos pássaros e o estribo no ouvido médio dos mamíferos. Ou seja, agora um auxiliar auditivo, o estribo antes era um auxiliar alimentar e ainda antes um auxiliar respiratório. Aqui chegamos no ponto mais do que interessante. Os gambás (ordem Didelphimorphia) - mamífero marsupial endêmico das Américas -, quando nascem imaturos e vão em direção à bolsa da mãe para terminar o desenvolvimento fetal, seus futuros ossículos do ouvido ainda estão articulando as mandíbulas; o estribo migra para o ouvido médio à medida que o embrião se desenvolve. Essa é uma evidência vestigial mais do que óbvia da transição evolutiva dessa estrutura óssea.

          Uma mais dramática expressão da ancestralidade comum impregnada no desenvolvimento embrionário/larval foi observada com a descoberta de vários fósseis datados em 95 milhões de anos de idade pertencentes à mais estranha espécie de crustáceo já encontrada (no caso, um caranguejo). Representando também um fóssil de transição evolutiva e descrita em um estudo publicado na Science Advances (Ref.132), o Calichimaera perplexa não possui um plano corporal típico de um caranguejo caracterizado por uma carapaça encurtada, margens laterais bem definidas e um abdômen ventralmente escondido. Ao invés disso, essa espécie é uma mistura quimérica de vários grupos de crustáceos, incluindo caranguejos verdadeiros e falsos. Sua carapaça dorsal é similar àquelas de algumas lagostas e de membros da família Palaeocorystidae; seus grandes olhos compostos similares ao gênero Ekalakia e a vários homoloides; pediforme mxp3 carregando uma crista dentada similar a lagostas, a maioria dos anomuranos e a linhagens iniciais braquiuranas; dois pares de pernas achatadas na forma de remo, similares a membros da família Matutidae; dois pares de pernas anteriores reduzidas, como em caranguejos ermitas, braquiuranos podotreomos e linhagens iniciais eubraquiuranas; abdômen simétrico com ausência de anéis articulados e placas uropodais, como a maioria dos braquiuranos; entre outras características quiméricas.



          Essa singular composição anatômica observada no C. perplexa é similar àquela vista no estágio larval dos caranguejos, a qual espelha uma ancestralidade comum com vários táxons de crustáceos. Nesse sentido, essa espécie provavelmente evoluiu via desenvolvimento heterocrônico (pedomorfose) durante os estágios iniciais ontogenéticos, retendo características juvenis para a fase adulta.

          Por último, outro destaque mais do que válido de ser citado é um robusto e inédito estudo publicado no periódico Development, onde um time de biólogos especializados em evolução biológica, e liderados pelo Dr. Rui Diogo da Universidade de Howard, EUA, mostrou que numerosos músculos atavísticos dos membros (pernas e braços) - conhecidos de estarem nos membros de vários animais mas geralmente ausentes nos adultos humanos - são de fato formados durante o desenvolvimento embrionário humano e então perdidos previamente ao nascimento. Além disso, os pesquisadores mostraram que alguns desses músculos, como os metacarpais dorsais, desapareceram dos nossos ancestrais vertebrados adultos há mais de 250 milhões de anos, durante a transição evolutiva dos répteis sinapsídeos para os mamíferos. Para mais detalhes, acesse: Cientistas revelaram vários vestígios evolucionários nos músculos de embriões humanos.

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Leituras complementares:

   - ATAVISMO -

          Atavismo é o reaparecimento de um certo fenótipo ancestral no organismo (morfológico ou comportamental) depois de várias gerações de ausência. Como explorado acima, vários traços ancestrais se manifestam durante o desenvolvimento embrionário, sendo eventualmente suprimidos até o final do desenvolvimento fetal. Porém, em alguns casos, traços esperados de serem silenciados persistem além da fase fetal. Outras vezes, genes ancestrais dormentes por milhões de anos e nem mesmo ativados durante o desenvolvimento fetal podem ser reativados.

           Inúmeros exemplos de atavismo podem ser citados nesse sentido, incluindo pernas traseiras em cobras e baleias; barbatanas traseiras em cetáceos; dedos extras em equídeos e dromedários; dedo espigão nas patas traseiras de cães e gatos; dentes em galinhas; reaparecimento de asas em bichos-pau e dermápteros.

             Em humanos, temos também vários casos notáveis de atavismo, como cauda conectada à coluna; mamilos supranumerários (!); daltonismo;  aparecimento de pele nevus, tubérculo de Darwin (condição congênita na orelha); e coração reptiliano.


           Talvez a característica atávica em humanos mais citada é o aparecimento de cauda (projeção coccígea), traço bem comum em outros animais vertebrados, incluindo primatas. 

          Diferente de pseudocaudas, as quais emergem devido a malformações na coluna espinhal, cóccix, e região caudal de recém-nascidos, reais caudas humanas atavísticas são estruturas complexas que emergem devido à imperfeita regressão da cauda formada no início do desenvolvimento fetal. Entre quatro e cinco semanas de idade, o embrião humano normal possui de 10 a 12 vértebras de cauda que se estendem além do ânus e das pernas, respondendo por mais de 10% do comprimento do embrião. Pelo fim da oitava semana, as últimas seis vértebras posteriores terão sido obliteradas via apoptose, enquanto a quarta e a quinta ainda estarão em regressão. As células constituindo a cauda fetal não são oriundas apenas de tecido ósseo, mas também de tecidos musculares conectivos e associados de suporte. Uma vez que essas células passam por apoptose durante a embriogênese, elas são fagocitadas e as quatro vértebras restantes são fusionadas em um único osso vestigial (cóccix), o qual não é mais protuberante.

          Se ocorre distúrbio a nível genético (ex.: ativação de homólogos dos genes Wnt-3a e Cdx1) ou epigenético na coordenação da morte celular programada envolvida na regressão da cauda, teremos a persistência parcial ou completa da cauda embrionária (cauda humana ou cauda vestigial), como ocorre em outros animais com cauda. Uma cauda em bebês e adultos humanos é uma estrutura intricada que consiste de tecidos adiposo e conectivo assim como músculos estriados, células nervosas e vasos sanguíneos; ocasionalmente pode conter vértebras totalmente articuladas e responder com contrações voluntárias em resposta a estados emocionais. Por exemplo, um caso notável foi descrito em 2012 no periódico BMJ Case Reports (Ref.182), onde um bebê de 3 meses de idade do sexo feminino foi apresentada ao hospital com uma cauda de 11 cm de comprimento e 3,5 cm de diâmetro na base, a qual foi cirurgicamente removida. 


           Mais recentemente, no periódico Journal of Pediatric Surgery Case Reports (Ref.188), pesquisadores reportaram e descreveram um bebê de 2 meses de idade do sexo feminino nascido no México que exibia uma cauda de 6,5 cm de comprimento e diâmetro entre 3 e 5 mm, coberta com pele e finos pelos; apesar de não mostrar movimento espontâneo, o bebê chorou quando a estrutura foi picada com uma agulha.


A cauda do bebê Mexicano continha tecido mole, incluindo tecido fibroadiposo, estruturas vasculares, e maços de nervos, cobertos por pele e finos pelos. (A) Fotografia clínica da cauda humana, na região sacrococcígea, bem acima da fissura glútea e levemente à esquerda na linha mediana. (B) MRI no plano sagital demonstrando características normais na coluna vertebral e na medula espinhal, e onde podemos notar a cauda humana no nível coccígeo (seta branca). Raio x foi realizado, sem evidência de anomalias ou estruturas ósseas dentro da cauda. (E) Cauda removida cirurgicamente. Muñoz et al., 2022


          No geral, menos de 200 casos são conhecidos (descritos na literatura médica) de caudas humanas (Ref.188).

          Apesar de muito mais raramente reportado na literatura acadêmica (apenas 2 casos até o momento descritos), outro exemplo mais notável de atavismo humano é o 'coração reptiliano', onde uma estrutura cardíaca típica de um réptil está presente no indivíduo após o nascimento.

          A anatomia e a fisiologia básicas do coração mamífero é bem diferente daquela do coração de um réptil (ancestral direto dos mamíferos). Ao contrário de mamíferos, répteis possuem um único ventrículo responsável por distribuir sangue misturado (venoso e arterial) para as circulações sistêmica e pulmonar. Essa estrutura tem sido chamada de "coração transicional". Em répteis de "sangue frio" (poiquilotérmicos), esse tipo de coração possui uma característica adaptativa que permite a conservação de energia durante hibernação prolongada.

          A circulação sanguínea em mamíferos é também distinta daquela de outros vertebrados. Até a emergência de aves e mamíferos, artérias não existiam. No coração humano, o suprimento arterial do miocárdio é fornecido pelas artérias coronárias direita e esquerda, e drenagem venosa ocorre através das veias anteriores cardíacas, as quais drenam a maior parte das artérias coronárias esquerda e direita, e o sino coronário. Em répteis, no entanto, uma fina periferia, com ~1/12 da massa miocárdica, é suprida por pequenos vasos coronários externos. A estrutura do miocárdio é suprida diretamente por sangue luminal da cavidade ventricular. O coração de répteis é não é compacto, com sinusoides que canalizam o sangue ao miocárdio diretamente do lúmen do ventrículo. Esse tipo de circulação é suficiente para répteis poiquilotérmicos, por causa das baixas demandas metabólicas desses últimos, mas não é suficiente para mamíferos. Em mamíferos, artérias coronárias formam comunicações com redes sinusoidais para formar capilares, estes os quais se juntam (anastomose) com as veias coronárias para criar uma circulação mais eficiente.

          Na nossa espécie (H. sapiens), os sinusoides fornecem sangue oxigenado para o miocárdio. Portanto, em um coração humano normal, assim como em outros mamíferos, o miocárdio é compacto e é suprido por dois grandes sistemas arteriais coronárias e seus tributários, ao invés de sinusoides. Apesar de uma trabécula prominente ser vista em um ventrículo direito normal, a persistência de uma trabécula ventricular esquerda não normalmente aparece após o nascimento.

          Como já mencionado, a evolução de uma espécie é reiterada durante o desenvolvimento embrionário. Nos estágios iniciais do desenvolvimento embrionário, o coração humano é similar àquele de um peixe, no qual cada câmara não possui divisão e sangue sai através de uma única aorta. Nos estágios posteriores de desenvolvimento, o coração humano - agora com átrios totalmente separados e um ventrículo parcialmente separado - é similar àquele de répteis. No estágio final de desenvolvimento embrionário, o coração humano possui quatro câmaras separadas (átrios esquerdo e direito, e ventrículos esquerdo e direito) constituídas de um compacto miocárdio, e sangue é suprido por três grandes artérias epicárdicas. 

           Em um caso descrito em 2010 no periódico Texas Heart Institute Journal (Ref.183), pesquisadores reportaram um caso de coração reptiliano em um paciente de 59 anos reclamando de persistente dor no peito. Exame de angiografia mostrou que o paciente tinha um miocárdio não-compactado, junto com múltiplas fístulas coronárias camerais que drenavam sangue dos sistemas direito e esquerdo das artérias coronárias diretamente na cavidade do ventrículo esquerdo, similar à morfologia de um réptil. O "roubo coronário" da fístula coronária artéria-ventrículo esquerdo foi considerada a provável causa da dor no peito, e uma dose alta de beta-bloqueadores oferecida como tratamento resultou em grande melhora sintomática - talvez via redução da demanda miocárdica de oxigênio.



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     BIOLOGIA MOLECULAR

            Pouco tempo depois da elucidação do código genético da bactéria Escherichia coli, foi observado que um particular mapa de 64 códons feitos a partir de 20 aminoácidos e duas marcas de pontuação (sinais de início e fim) era compartilhado, com ínfimas modificações, por todas as formas de vida conhecidas na Terra. Diversas outras regularidades também foram observadas serem similares com o resto da vida no planeta, mesmo havendo mais de 1084 possibilidades alternativas do rearranjo dos códons a partir dos aminoácidos a disposição. Além disso, o próprio fato de existir apenas quatro nucleotídeos e 20 aminoácidos (com notável exceção da selenocisteína e pirrolisina) para, virtualmente, todas as formas de vida, sugerem uma forte existência de ancestralidade comum a todas elas, obedecendo, mais uma vez, à lógica da Evolução Biológica. Diversas estruturas proteicas e hormonais, como a hemoglobina e a mioglobina - transportadores proteicos de oxigênio no sangue - acabam, por consequência, sendo muito similares entre diferentes grupos de animais, por exemplo, de moluscos a mamíferos.

         
   
          Todos os seres vivos compartilham proteínas vitais, como o ribossomo, DNA polimerase e o RNA polimerase, desde primitivas bactérias até os complexos mamíferos. O RNA é universal.  Os organismos aeróbicos compartilham a proteína citocromo c, a mitose é um processo presente em todos os organismos celulares, a meiose é bastante similar em todos os organismos que se reproduzem sexuadamente, o ATP é usado por todos os organismos para a transferência de energia, quase todas as plantas usam a mesma molécula de clorofila para a fotossíntese, etc. E quanto mais próximo relacionados os organismos parecem ser, mais similares suas sequências genéticas são, mostrando, novamente, a ação esperada da Evolução Biológica. Por exemplo, humanos, bonobos e chimpanzés compartilham em torno de 95,8% das sequências de genes codificantes do DNA; já os humanos compartilham 1,6% das sequências genéticas com os gorilas, e 3,1% com os orangotangos (um primata superior Asiático); saindo dos primatas superiores, os humanos compartilham cerca de 7% das sequências genéticas com os macacos Rhesus. De fato, quanto mais distante o ancestral em comum do primata com a nossa espécie, menos similaridades genéticas são compartilhadas, como esperado do processo evolutivo.

          Nesse sentido, é mais do que válido mencionar dois estudos de alto impacto recentemente publicados (1), onde foi alcançada a feitura de organismos geneticamente modificados que possuíam nucleotídeos artificiais. No primeiro estudo, o editor genético CRISPR-Cas9 (2)  inseriu as letras X e Y em bactérias E.coli , as quais foram capazes de continuarem a se reproduzir normalmente. Em testes laboratoriais, após se dividirem mais de 60 vezes, as bactérias modificadas conseguiram manter os nucleotídeos "alienígenas" na seu material genético (DNA). Antes desse feito, apenas as clássicas quatro letras - adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (A) - eram conhecidas de atuarem de forma eficiente nos seres vivos. Já no segundo estudo, mais recente, pesquisadores conseguiram criar quatro novas letras artificiais altamente estáveis (S, B, P e Z) capazes de manter sozinhas uma estrutura de dupla-hélice e ainda atenderem os requisitos teóricos para que processos evolutivos possam emergir. Além disso, as quatro letras artificiais foram capazes de codificar proteínas.

Leitura complementar: 

             Esse exemplo, somado à existência dos aminoácidos selenocisteína e pirrolisina em alguns poucos organismos, mostra que a vida como um todo poderia ter uma estrutura química bem diversificada, mas acabou ficando limitada a padrões e blocos moleculares muito parecidos. Os organismos compartilham vários genes entre si e inúmeros genes encontrados no DNA humano, por exemplo, podem também ser encontrados no DNA de outras criaturas, incluindo plantas e até bactérias. E temos os notáveis genes Homeobox - os quais atuam na determinação de planos corporais durante o desenvolvimento embrionário através da expressão de proteínas Hox - que são altamente conservados entre todos os animais (vertebrados e invertebrados) e inclusive estão posicionados na mesma ordem em seus respectivos cromossomos (Ref.122-123), algo que grita uma ancestralidade comum. São associados também a esse último caso os "genes fósseis", ou seja, genes desativados presentes em uma espécie e que estavam presentes ativos em outras espécies ancestrais. Em outras palavras, genes que perderam sua função original no processo evolucionário (como os citados dentes expressos em galinhas, por exemplo). Não faria sentido tê-los se os seres vivos fossem frutos de uma 'criação inteligente'. Somando-se a isso, processos de plasticidade fenotípica e epigenéticos podem expressar fenótipos mal-adaptativos ao ativarem esses genes 'dormentes'. A única lógica que explica isso é a evolução biológica.

             Isso sem contar que todos os seres vivos partilham de algo em comum: só utilizam os isômeros L (levógiros) de aminoácidos, mesmo com os isômeros D (destrógiro) possuindo as mesmas propriedades físico-químicas e serem formados em igual quantidade (mistura racêmica) em reações não biológicas. Tudo isso representa fortíssimas evidências de que a explicação mais provável e lógica é que todos tiveram origem de um ancestral comum para esse curioso fato ser explicado com mínima plausibilidade.

          Temos notavelmente também as ferredoxinas, uma diversa classe de pequenas proteínas ferro-sulfuradas - e dímero-simétricas - presente em vários grupos de seres vivos, de bactérias até animais e plantas, e um essencial componente das cadeias de transferência de elétrons nas células. É proposto que as ferredoxinas possuem uma origem simétrico, evoluindo e se diversificando via duplicações genéticas seguido por mutações. Em um estudo publicado na PNAS (Ref.153), pesquisadores realizaram engenharia reversa para produzir uma proteína mais simples e simétrica carregando características comuns entre as ferredoxinas bacterianas. Em seguida, eles deletaram o gene responsável pela expressão da ferredoxina na bactéria E. coli e inseriram um gene para expressão da nova proteína criada. As bactérias geneticamente modificadas sobreviveram e foram capazes de se replicarem, mesmo que de forma mais lenta.

          E falando em proteínas, mais de 40% delas não possuem uma estrutura definida nos organismos vivos devido a mecanismos de geração de microestruturas em regiões proteicas desordenadas, mesmo na ausência de mutações, reforçando que o processo que as produzem estão longe de perfeitos, e indicando um processo de refinamento natural através de pressões evolutivas diversas (Ref.154) e de potenciais oportunidades para a emergência de novas estruturas proteicas e locais de catálise a partir de uma proteína ancestral.

            Aliás, analisando a evolução a nível molecular, diversos padrões podem ser previstos, ajudando a paleontologia, por exemplo, a elucidar os caminhos evolucionários ao longo das eras, ou mesmo criar relógios evolucionários a partir das pequenas diferenciações moleculares entre os seres vivos. Podemos citar o caso dos cetáceos, animais que descendem de mamíferos terrestres que voltaram para as águas, especificamente mamíferos com casco (vacas, ovelhas, camelos, hipopótamos, etc.). Análises de genes codificadores de proteínas do leite (beta-caseína e kappa-caseína) confirmam essa relação evolucionária e reforçam outras evidências genéticas prévias de que os mamíferos modernos terrestres mais próximo relacionados com as baleias são os hipopótamos (família Hippopotamidae, a qual possui hoje apenas duas espécies vivas: hipopótamo-comum - Hippopotamus amphibius - e o hipopótamo-pigmeu - Choeropsis liberiensis)  . Aliás, estudos nos últimos anos usando embriões de golfinhos já mostraram que mutações em um gene responsável pela produção de uma proteína necessária para o desenvolvimento normal dos membros em tetrápodes resulta na perda dos membros traseiros, mutações essas presentes nos golfinhos e baleias modernos. 


          E além dos padrões comuns que observamos no genoma de todos os seres vivos, o material genético de organismos simples e complexos é encharcado de sequências genéticas adquiridas de outros organismos e de estruturas impossíveis de não estarem associadas a mutações e hibridizações. Os humanos, por exemplo, possuem várias sequências genéticas que foram transmitidas através de vírus. As células eucarióticas possuem mitocôndrias (1) e/ou cloroplastos (2) que claramente são organelas oriundas de bactérias englobadas por células procariontes ancestrais, por possuírem material genético diferentes daquele presente no núcleo e por se assemelharem muito com organismos bacterianos tanto morfologicamente quanto geneticamente. E não precisamos nem comentar a suruba de transferências laterais de genes entre os procariontes e o verdadeiro ecossistema de elementos transponíveis (jumping genes) moldando continuamente os genomas (3). Já em termos de mutações, diversos organismos, especialmente plantas, são marcadas por duplicações genômicas, as quais deixam um rastro de enorme 'sobra' genética (excesso de sequências repetidas) e gigantescos genomas totalmente inconsistentes com quaisquer ideias de um design inteligente.


Leitura recomendadas

         Tudo isso mostra que o material genético nos seres vivos é fruto de uma enorme e tumultuada junção de eventos associados a mecanismos evolutivos diversos. Na verdade, apenas a existência dos  elementos transponíveis - como os transposons - e das duplicações genômicas são suficientes para consolidar a evolução biológica como um fato científico. De fato, nos últimos milênios, os humanos foram os responsáveis pela emergência de diferentes espécies de plantas via contínuas hibridizações de espécies selvagens e domesticadas, em eventos marcados por frequentes duplicações genômicas inteiras (3).
   
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     ESTRUTURAS VESTIGIAIS 

          Vestigialidade, em termos evolucionários, é a retenção de estruturas geneticamente determinadas ou atributos de ancestrais que perderam alguma ou todas as funcionalidades em uma dada espécie. Esses vestígios são claramente previstos nos processos de seleção natural e deriva genética, já que estruturas que não trazem prejuízos mas que ao mesmo tempo não trazem vantagens podem ser mantidas por um longo período de tempo durante os processos evolucionários. Geralmente muitas delas ganham novas funções ou mantêm funções secundárias. Lembre-se: a evolução é um processo dinâmico, não possuindo um fim específico ou uma fase estática.

          E nesse quesito, temos inúmeros exemplos (Ref.69), sendo muitos deles óbvios demais para não serem atribuídos à evolução biológica. Aliás, só são explicados em termos evolucionários. Se levarmos em conta diferentes graus de vestígios, é provável que toda a fauna e a flora os possuem em alguma extensão. Vamos, então, fazer uma lista de alguns principais.

Mamíferos MarinhosOs cetáceos (baleias e golfinhos) evoluíram de mamíferos terrestres há 54 milhões de anos. Apesar de terem perdido os membros anteriores, ficando com apenas dois visíveis na forma de nadadeiras, todas as 92 espécies hoje existentes (com exceção de duas) mantiveram vestígios muito reduzidos dos ossos da pelve e até muitas vezes dos membros traseiros (subcutâneo). Além disso, no desenvolvimento embrionário tanto de baleias dentadas (Odontocete) quanto em baleias de barbatana (Mysticete), protuberâncias dos membros anteriores estão presentes, regredindo completa ou parcialmente durante o desenvolvimento desses animais. No caso da pelve, esse vestígio parece ter evoluído e mantido para dar apoio ao pênis nos machos. As duas espécies na exceção, Kogia sima e K. breviceps, parecem ter substituído os ossos pélvicos com estruturas cartilaginosas funcionais (Ref.75). E, além das baleias, esses vestígios também estão presentes na ordem Sirenia (englobando os famosos peixe-bois).



Vestígios pélvicos em: (a) Dugong dugon (dugong) (b) Trichechus manatus (Peixe-boi indiano) (c) Physeter catodon (baleia cachalote) (d) Delphinapterus leucas (baleia beluga) (e) Eschrichtius robustus (baleia cinza) (f) Eubalaena glacialis (Baleia-do-Atlântico-Norte)

CobrasPítons e boas (grupos de cobras) mantiveram prováveis vestígios de membros anteriores na forma de estruturas parecidas com esporões na região pélvica, como mostrado na foto abaixo, os quais não parecem trazer significativas vantagens e oferecem uma das várias evidências de que esses animais evoluíram de répteis com quatro membros. Esses animais também trazem estruturas vestigiais rudimentares de um fêmur. Aliás, já foram revelados fósseis de antigos ancestrais das cobras que não possuíam os membros dianteiros, apenas os traseiros (transição evolutiva).

Aqui, os prováveis vestígios de membros de uma Píton-Africana-Rochosa (Python sebae)

Peixes de caverna: Certos peixes de caverna e salamandras possuem olhos não funcionais, os quais representam uma clara herança dos seus ancestrais. O mais estudado é o Tetra-Cego (Astyanax mexicanus), um peixe cego de caverna que evoluiu de peixes da superfície durante alguns poucos milhões de anos, ao ficarem isolados na escuridão de cavernas Mexicanas. Nesses ambientes de completa ausência de luz, existem populações com total perda dos olhos (mas presentes durante o estágio larval) e outras populações que mantiveram os olhos mas praticamente sem funcionalidade e sem utilidade. Essas observações só são explicadas por mecanismos evolutivos (regressão evolutiva).


         Basicamente, existem duas hipóteses evolucionárias, uma via genética e a outra via epigenética. Na via genética, mutações que levaram à perda de funcionalidade do olho nesses peixes foram acompanhadas de mudanças adaptativas - ou outras mutações benéficas - que compensaram a perda total ou parcial de visão, esta a qual, já não era mais necessária nas cavernas. Porém, nenhum gene diretamente ligado a esse processo foi ainda encontrado (!). A segunda e mais aceita explicação é que mecanismos epigenéticos herdados, ligados à hipermetilação do DNA, geram efeitos não só de desativação dos genes responsáveis pelo desenvolvimento ocular normal, mas também efeitos adaptativos compensatórios - nesse caso para explicar as populações de A. mexicanus com total perda do olho durante a fase adulta, como aqueles encontrados na caverna Pachón (Ref.112). Um estudo publicado recentemente na  Nature Ecology & Evolution (Ref.115) trouxe fortes evidências de que a perda de tecido ocular no A. mexicanus ocorre em grande parte através do silenciamento epigenético - via hipermetilação - de vários genes ligados ao desenvolvimento dos olhos.

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(!) ATUALIZAÇÃO: Um estudo publicado em 2020 na Nature Communications revelou de forma definitiva que uma mutação no gene cistationina beta-sintase a (cbsa) - gene responsável por codificar uma enzima essencial na via de transsulfuração - impede o fluxo sanguíneo normal para os olhos desses peixes durante uma crítica fase de desenvolvimento. Isso leva a uma atrofia dos olhos e o cobrimento do globo ocular por pele e tecido conectivo em todas as variedades de peixes de caverna Mexicanos. Aliás, mutações nesse mesmo gene em humanos - conservado desde o ancestral comum entre peixes e mamíferos - levam a uma doença chamada de homocistinúria, a qual causa defeitos na visão e problemas circulatórios que podem promover hemorragias, derrames, ataques cardíacos e morte prematura. Os pesquisadores também sugeriram que a perda da estrutura ocular pode conferir uma vantagem evolutiva para os peixes de caverna ao eliminar o alto custo energético de manutenção da visão, já que esse sentido é inútil no ambiente de total escuridão das cavernas.
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Cavalos modernos: O segundo e quarto metacarpos dos cavalos modernos (Equus ferus) não mais funcionam como suporte entre o dedo e o carpo ou tarso, sendo vestígios do segundo e quarto dedos dos seus ancestrais (na imagem abaixo, sentido de evolução: a → e). Apesar disso, essas estruturas ósseas reduzidas passaram a funcionar como guias para ligamentos suspensórios e como locais de anexação muscular, além de suporte para os ossos carpais (!). A longa evolução da linhagem associada aos equídeos (Equus) resultou na conservação de apenas um dedo em cada pata desses animais (monodáctilos). O estabelecimento de um único dedo [somado ao casco] facilita a locomoção do cavalo no seu ambiente - geralmente planícies -, prevenindo supinação e pronação, e gerando uma maior estabilização ao reduzir o número total de articulações.


          Importante realçar que a razão para a evolução de monodactilia em uma tribo da família Equinae, a Equini (incluindo atuais equídeos do gênero Equus e vários gêneros extintos como Pliohippus, Dinohippus, Astrohippus e Hippidion) ainda é debatida. É tradicionalmente proposto que o traço monodáctilo é uma inovação inicialmente fixada por permitir melhor velocidade de galope ao tornar mais leve a parte distal da pata, mas também pode ter sido simplesmente um meio para uma ótima eficiência locomotora durante deslocamentos mais lentos (ex.: trote). Enquanto isso, a perda dos dedos laterais pode não ser adaptativa em si, mas refletir um reforço extra e alongamento do dedo mediano conservado.

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(!) ATUALIZAÇÃO: Em 2018, um estudo publicado no periódico Royal Society Open Science chegou a sugerir que os cavalos ainda retinham os cinco dedos, quatro deles muito reduzidos dentro do casco. Porém, um estudo mais recente e robusto publicado no mesmo periódico concluiu e reforçou que os cavalos perderam todos os quatro dedos ao longo do processo evolutivo, conservando apenas um.

O extinto cavalo de três dedos [tridáctilo] do gênero Hipparion viveu durante o Mioceno até o fim do Plioceno, e representa uma transição evolutiva entre cavalos tridáctilos e monodáctilos. Os dois dedos muito reduzidos na parte de trás da pata provavelmente não tocavam o solo sob circunstâncias normais, mas podem ter fornecido suporte em situações excepcionais, como durante escorregões ou impactos forçados. (Vincelette et al., 2023)

Os antigos ancestrais dos cavalos modernos tinham dedos separados com casco ao invés de um único casco. Por exemplo, o gênero Hyracotherium, no Eoceno, tinha patas como aquelas do tapir moderno: quatro dedos nos membros dianteiros e três dedos nos membros traseiros, e cada um deles trazendo uma almofada de proteção. Em contraste, os equídeos modernos, como cavalos, burros e zebras*, possuem um único dedo encapsulado em um espesso casco queratinoso, associado a uma estrutura triangular [sapo] que atua como um absorvedor de choque. 

Enquanto existe boa evidência anatômica e embriológica para a retenção proximal de todos os dedos acessórios nos cavalos modernos (ex.: I e V, assim como os II e IV), não existe evidência de retenção de quaisquer porções distais desses dedos. O 'sapo' na parte inferior do casco evoluiu de forma independente dos dedos como uma estrutura única fornecendo função de absorção de choque e tração durante a locomoção - e não como uma modificação dos antigos dedos, uma ideia proposta no estudo de 2018 - e existe boa evidência de que estava já presente nos antigos cavalos tridáctilos.

Pata esquerda de uma zebra-de-burchell (Equus burchelli) e de um equídeo extinto da espécie Hypohippus equinus, essa última exibindo três dedos.

Anatomia comparativa. O dedo conservado na pata do cavalo e de outros equídeos modernos é equivalente [ancestralidade comum] ao dedo do meio de humanos

Enquanto que as patas dos cavalos modernos podem ser tecnicamente consideradas polidáctilas nas porções proximais [retenção de vestígios evolutivos de ossos dos dedos], esses animais são definitivamente monodáctilos distalmente. E, na prática, cavalos possuem um único real dedo.

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Cóccix: O cóccix de primatas superiores (incluindo nossa espécie) - uma série fundida de três a seis vértebras - é um claro vestígio de caudas presentes em outros primatas e mamíferos ancestrais. Essa extensão de vértebras não fica visível fora do corpo e, portanto, não possui mais função de sinalização, balanço, etc. De qualquer forma, tal estrutura desenvolveu outras funções de suporte e absorção de impacto. Aliás, durante o desenvolvimento embrionário humano e dos outros primatas superiores, os fetos apresentam uma real cauda - constituída de tecido conectivo, pele, músculos, vasos, nervos e 10-12 vértebras - que regride progressivamente até desaparecer, deixando o cóccix como vestígio. Porém, como já anteriormente explicado,  em alguns raros casos a cauda persiste mesmo após o nascimento, e acaba precisando ser retirada por via cirúrgica (por questões estéticas). Em outras palavras, uma herança do desenvolvimento embrionário de ancestrais com caudas.

(a) Pan troglodytes (chimpanzé), visão ventral (b) Homo sapiens (humano), visão dorsal


Dentes do Siso: Nossos dentes do siso (terceiros molares), os quais tipicamente emergem entre 17 e 25 anos de idade e totalizando um total entre 0 e 4 dentes (geralmente 4) - muitas vezes geram impactos negativos na estrutura dentária e saúde bucal e possuem limitada ou nenhuma utilidade. Nesse sentido, são considerados vestigiais. A hipótese evolutiva mais aceita é que a nossa espécie (Homo sapiens) evoluiu uma menor mandíbula por causa da dieta mais macia (com a descoberta do fogo e estabelecimento da agricultura), fazendo os terceiros molares desnecessários e difíceis de se encaixarem. Devido à falta de função, pressão seletiva para a manutenção de uma mandíbula e um maxilar maiores e mais robustos deixou de existir. Quando nossos ancestrais tinham mandíbulas e maxilares mais robustos para o processamento eficiente de alimentos duros, não-processados e sem cozimento que requeriam maior poder de mastigação, existia espaço para 32 dentes permanentes, incluindo os terceiros molares superiores e inferiores. Com a degeneração das mandíbulas e maxilares, os últimos dentes (sisos) acabaram ficando com pouco espaço para uma adequada erupção, sendo frequentemente impactados ou bloqueados, e suscetíveis a cáries. Até 70% da atual população de humanos modernos podem sofrer com problemas associados aos dentes sisos, especialmente aqueles na mandíbula (sisos inferiores) (Ref.193-194). Sem pressão seletiva para a manutenção dos sisos ou cooptação para novas funções, é possível que futuramente esses dentes deixem de existir - e muitas pessoas já nascem sem um ou mais desses dentes (o siso é o dente com ausência congênita - ou agenesia dentária -  mais comum) (Ref.193). Dependendo da população analisada, é reportado que ausência do terceiro molar pode afetar de 10% até 41% da população (Ref.193).

Localização dos sisos superiores e inferiores.

Dentes do siso são uma grande preocupação na odontologia devido à grande diversidade de desenvolvimento exibida e suas interações com o restante da dentição. É ainda motivo de debate acadêmico fatores que justifiquem a extração preventiva dos dentes do siso. Duas condições para a erupção normal do dente siso é o espaço atrás do segundo molar maior do que a largura da coroa do siso, e o ângulo entre o eixo longo do sido e aquele do segundo molar menor do que 26°. Na imagem de Raio X acima, podemos ver que o ângulo é maior do que 26°, significando que o siso não possui erupção normal e pode causar problema. O monitoramento de dentes do siso assintomáticos parece ser uma estratégia apropriada. Ref.194-195



Orelha Humana: Humanos modernos (H. sapiens) possuem músculos na parte externa do ouvido, os quais geralmente são muito pouco desenvolvidos (imagem ao lado). A maior parte das pessoas não conseguem controlar esses músculos, tornando-os inúteis. Porém, algumas pessoas ainda conseguem acioná-los para mexer a orelha, mesmo assim sem utilidade. Isso é uma óbvia herança de ancestrais primatas - e outros mamíferos - que usam a ampla movimentação da orelha para orientá-la na direção de um som e melhorar a audição.

Dieta dos Pandas: O Panda-Gigante (Ailuropoda melanoleuca), ou Panda, está inserido na ordem Carnivora, e descende de ancestrais ursos carnívoros. Porém, essa espécie evoluiu para uma dieta quase exclusivamente (99%) vegetariana, no caso, alimentando-se avidamente de bambu. E nesse quesito, seu intestino ainda possui muitas adaptações para um dieta carnívora, algo que notavelmente diminui a eficiência digestiva de bambu, sendo um dos fatores que justificam a enorme quantidade desse vegetal ingerida pelos indivíduos adultos diariamente (acima de 12 kg). No entanto, isso é enormemente compensado pelo fato de que o seu habitat original possui uma massiva quantidade de bambu e pouquíssima competição.




Dentes em Tamanduás: Os tamanduás (Vermilingua) são animais pertencentes a uma subordem de mamíferos placentários da ordem dos pilosos e endêmicos das Américas. Esses mamíferos não possuem dentes, porém, durante a fase de gestação, os fetos expressam dentes primários que mais tarde são perdidos na mandíbula. Esses dentes não possuem, obviamente, nenhuma função para o feto, sendo apenas vestígios de ancestrais com dentes.

Nervo Laríngeo RecorrenteEm um último exemplo, temos o mais amplamente citado, o qual não é um real 'vestígio' mas uma adaptação provavelmente gerada pelo processo evolucionário: o nervo laríngeo recorrente. Esse nervo é uma ramificação do nervo vago que supre funções motoras e sensitivas para a laringe (caixa vocal). O mais interessante desse nervo é a sua natureza 'recorrente', onde ele dá uma volta desnecessária em torno da artéria subclávia direita ligada ao músculo cardíaco. Considerando a localização do coração no ancestral 'peixe' dos modernos tetrápodes, e a extrema volta que esse nervo dá nas girafas (acima de 4,5 metros!), o famoso evolucionista Richard Dawkins sugeriu que, ao longo do processo evolucionário, à medida que o pescoço começou a se estender e o coração ficou cada vez mais na parte inferior, o nervo laríngeo foi pego no lado errado do coração.



            A partir de processos intermediados por seleção natural, o nervo foi sofrendo incrementos graduais em sua extensão para se acomodar ao alongamento do pescoço, resultando na longa volta observada hoje. Mais interessante ainda é que uma rara anomalia entre os humanos resulta em um nervo não-recorrente, sem prejuízos para o indivíduo (Ref.73-74)! Essa anomalia, gerada por causa de erros no desenvolvimento embrionário, faz exatamente o que a lógica demanda: um caminho reto entre o nervo vago e a laringe, como mostrado na figura abaixo (em A, um nervo laríngeo não-recorrente, e, em B, o nervo normal, recorrente), fornecendo também provas de que o nervo não precisava ser recorrente.

Essa anomalia afeta entre 0,3% e 0,8% da população no lado direito e em torno de 0,004% no lado esquerdo. Estudos científicos sempre alertam os cirurgiões sobre essa anomalia anatômica, para evitar erros cirúrgicos. 

Leitura recomendada:
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   "FALHAS" DECORRENTES DO PROCESSO EVOLUCIONÁRIO

           Complementando a questão dos órgãos vestigiais, podemos citar diversas imperfeições ligadas ao processo evolucionário, ou seja, onde prejuízos tragos por mudanças evolutivas em uma parte do corpo trazem, para compensar, um maior benefício em outra parte. Entraria também aqui partes corporais não muito bem adaptadas ao ambiente por "falta de tempo evolutivo". Como o processo evolucionário possui uma base aleatória e direcionada principalmente pela seleção natural ou sexual, as maiores vantagens sempre prevalecem, independentemente se trazem danos associados, já que nada aqui é planejado ou arquitetado, apenas favorece características que aumentam a taxa de reprodução. Na natureza existem inúmeros exemplos que podem ser citados para ilustrar isso, mas para deixar mais palpável, listaremos evidências explícitas no corpo humano.

   ENGASGOS

          Em associação com a emergência da linguagem falada entre os humanos, uma reduzida face prognática e a relativa reduzida cavidade oral foram acompanhadas por uma reorganização da garganta com uma faringe elongada e uma faringe mais baixa. Isso cria uma câmara ressonante na qual a língua pode se mover e articular sons. A baixa posição da laringe, no entanto, não permite que a epiglote se feche atrás do palato mole, algo que faz possível engasgar enquanto comendo ou bebendo. Essa adaptação da garganta humana para a fala é, portanto, uma falha, resultando de uma troca entre a vantagem seletiva de uma complexa linguagem para a comunicação social e a necessidade de engolir. De um ponto de vista evolucionário, a vantagem de uma fala sofisticada supera os riscos de engasgo.

   BIPEDALISMO

          O bipedalismo foi a adaptação inicial entre os primatas que pavimentou o nosso longo caminho evolucionário. Essa mudança veio, no mínimo, há 4 milhões de anos, transformando-nos nos únicos mamíferos bípedes hoje existentes. Muitas hipóteses existem para explicar o porquê da evolução do bipedalismo nos hominídeos, indo de adaptação a um ambiente desnivelado até as vantagens energética das corridas. De qualquer forma, muitos dos problemas de saúde que enfrentamos hoje são decorrentes desse resultado evolucionário. Devido ao fato de ficarmos de pé, o peso da cabeça e da parte superior do corpo gera uma grande compressão nas vértebras do pescoço e na coluna espinhal inferior, o que faz requerer mais esforço muscular para manter uma postura bipedal do que quadrupedal. Dor no pescoço e nas costas são problemas médicos altamente comuns entre a nossa espécie, resultando desde um desconforto até uma séria debilidade física. Joelhos, tornozelo e pés são frágeis e experimentam danos com facilidade, já que sustentam todo o peso do corpo, este o qual, em termos de ancestrais vertebrados, era sustentado por quatro membros. Problemas digestivos, hemorroidas, aderências viscerais e hérnia inguinal também ocorrem devido à compressão vertical das vísceras da cavidade abdominal. Prejuízos também se estendem para o sistema circulatório, onde a posição vertical aumenta a pressão hidrostática nos membros inferiores, podendo causar varizes e pés/tornozelos inchados. Já no polo oposto, a região cerebral recebe uma menor pressão sanguínea, o que pode resultar em tontura e desmaio, por exemplo, quando a pessoa se levanta de forma repentina. Nenhum desses problemas existe em outros primatas ou espécies de mamíferos, as quais são quadrúpedes.

         Como a evolução do bipedalismo da nossa espécie evoluiu bem antes - há cerca de 4 milhões de anos - do que o significativo e rápido aumento do volume cerebral - há cerca de 2,5 milhões de anos -, os partos se tornaram de relativo alto risco para a fêmea humana. Com o bipedalismo, nossa pélvis diminuiu, e como o cérebro do Homo sapiens triplicou de tamanho em relação aos nossos ancestrais hominídeos primordiais, a passagem do bebê pelo canal vaginal se tornou problemática. Isso levou também a outro prejuízo: os bebês humanos passaram a nascer muito pouco desenvolvidos, sendo que o tamanho cerebral dos mesmos é 25% menor do que o adulto, e onde nos bebês de outros primatas a porcentagem é bem maior (em torno de 45% nos chimpanzés, um dos nossos parentes mais próximos), para permitir uma passagem mais fácil pela vagina. Para compensar ainda mais os riscos associados ao parto, nossa espécie desenvolveu um sistema de assistência social durante o ato, onde outros indivíduos ajudam a mulher na hora de dar a luz. Além disso, como o bebê nasce extremamente dependente e demora para ter o seu desenvolvimento mínimo completado, existe outro prejuízo: maior custo para os pais, onde investe-se muito nos cuidados para a cria. Isso também provavelmente direcionou a formação de casais mais duradouros em detrimento da poligamia, para aumentar o investimento parental. No final, temos um amplo balanço de riscos e benefícios apenas explicado pelo processo evolucionário.

          Por fim, um estudo publicado no periódico Cell (Ref.172) encontrou seleção positiva moldando a regulação (epigenoma) e a morfologia do joelho humano visando suportar a nova distribuição de cargas. Isso reforça que o bipedalismo garantiu vantagens ao longo da linhagem humana. No entanto, junto com genes, elementos regulatórios adaptativos e nova morfologia, foram arrastados via deriva genética fatores de risco para o desenvolvimento de osteoartrite com o avanço da idade, incluindo uma variante regulatória no gene GDF5. Como esse problema ocorre mais nos adultos de meia idade e idosos, isso não interfere com a capacidade de reprodução da espécie e não gera prejuízos significativos em termos evolucionários. A mudança para a posição bípede foi relativamente rápida, não permitindo que a estrutura geral do joelho acumulasse mudanças o suficiente para otimizá-lo ao máximo, o que favorece vários danos a essa estrutura óssea/cartilaginosa.

   CÉREBRO

          Com o volume cerebral cada vez crescente, aumentou bastante a necessidade de energia para mantê-lo funcionando bem. O cérebro humano consome 25% da nossa energia em repouso e, portanto, a busca por alimentos altamente energéticos também aumentou bastante durante nosso processo evolucionário. De fato, o Homo sapiens desenvolveu um apetite enorme por alimentos doces e gordurosos, facilitando a satisfação da demanda energética e a manutenção de estoques energéticos para momentos de fome. Porém, essa adaptação evolucionária surgiu em ambiente selvagem, e à medida que a nossa civilização avançou socialmente e estruturalmente em um período de tempo muito curto (impedindo significativos processos evolucionários de ocorrerem para permitir uma nova adaptação), passamos a ficar mais sedentários e a ter acesso abundante à qualquer tipo de comida, incluindo gorduras e doces. Isso levou à nossa atual crise de obesidade mundial e de diabetes, além do aumento de problemas cardíacos e outros problemas decorrentes da obesidade e inadequada alimentação.

         Com um maior cérebro - muito ativo e com grande demanda metabólica - e alta taxa de plasticidade e complexidade provavelmente derivada, em parte, da alta porcentagem de desenvolvimento cerebral pós-parto (75%), ganhamos inúmeras vantagens, desde na linguagem e aprendizado até no uso de ferramentas, mas também ganhamos uma alta susceptibilidade a desenvolver doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, e doenças neuropsiquiátricas, como autismo e esquizofrenia.

   ENVELHECIMENTO

          Como já citado, o processo evolucionário não se preocupa em aumentar a longevidade de uma espécie e, sim, em aumentar sua taxa de reprodução. Como hoje somos auxiliados enormemente pela medicina e tecnologia moderna, nossa expectativa de vida aumentou bastante e, com o avanço da idade, diversas doenças se tornam extremamente comuns, já que nosso corpo não foi selecionado durante a evolução para ficar vivo por 50, 60 ou mais anos.

   VITAMINA C

          Todos os vertebrados precisam de grandes quantidades diárias de Vitamina C (ácido ascórbico), especialmente nós, humanos (média de 95 mg/dia) (!). Essa importante vitamina é necessária para a síntese de colágeno, é um potente antioxidante, participa do catabolismo da tirosina, entre várias outras funções. Por causa disso, a grande maioria dos vertebrados são capazes de produzi-la endogenamente através principalmente do fígado e/ou rins, sem a necessidade de consumi-la exclusivamente da alimentação. Porém, muitas espécies, como aquelas pertencentes aos peixes teleósteos, primatas antropoides (humanos incluídos), porcos da guineia, assim como alguns morcegos e pássaros Passeriformes, perderam a capacidade de sintetizar esse micronutriente. E isso é explicado perfeitamente por processos evolutivos. 


          Todas as espécies conhecidas que perderam a capacidade de síntese endógena da vitamina C estão associadas com mutações no gene L-gulono-γ-lactona-oxidase (GLO), o qual codifica a enzima que cataliza o passo final da biossíntese do ácido ascórbico. Ou seja, mutações aleatórias no material genético dessas espécies garantiram vantagens adaptativas, mas vieram junto com mutações deletérias no GLO. Porém, como essa parte do DNA só é importante para a síntese de uma única vitamina - o ácido ascórbico -, se as outras mutações trouxerem benefícios que compensem essa perda, o novo conjunto de mutações será selecionado pelo ambiente. 

           Analisando a filogenia relacionada com a perda de síntese endógena de vitamina C, cientistas já mostraram que essa perda ocorreu de forma independente em múltiplas linhagens evolutivas entre os vertebrados, sendo inclusive ganha novamente por algumas espécies de morcego devido a novas mutações que reativaram o GLO! Aliás, nós humanos, e outros primatas antropoides, possuímos ainda o GLO, mas com perdas de 7 a 12 éxons na sua sequência genética que o tornaram inativo, ou seja, um óbvio vestígio evolucionário. Outras potenciais mutações em genes que fazem parte do caminho sintético do qual participa o GLO trariam crucial prejuízo na síntese de outras biomoléculas vitais, não apenas a vitamina C, e, por isso, não são selecionadas e observadas nos vertebrados. Por outro lado, o GLO pode ser perdido no percurso evolucionário, já que isso traz prejuízos que podem ser compensados - especialmente considerando que a vitamina C encontra-se em abundância em vários alimentos. De fato, todas as espécies que perderam a funcionalidade do GLO possuem dietas ricas em vitamina C.


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Referências Científicas: Para consultar as referências científicas indicadas ao longo do texto, acesse o artigo completo: Evolução Biológica é um FATO CIENTÍFICO