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Um filósofo Muçulmano formulou a Teoria da Evolução mil anos antes de Darwin?


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          Recentemente, a BBC Brasil publicou um artigo com uma manchete mais do que sensacionalista: "O filósofo muçulmano que formulou a teoria da evolução mil anos antes de Darwin" (Ref.1). Obviamente, a publicação do artigo gerou grande repercussão e inúmeros compartilhamentos. Seu conteúdo traz que a teoria da evolução pode ter tido um ancestral no mundo Islâmico, através da obra de um filósofo Muçulmano que vivia no Iraque, conhecido pelo apelido de Al-Jahiz. Nessa obra, intitulada 'O Livro dos Animais' (Kitab al-Hayawan), Al-Jahiz descreve como os animais mudam para atender as peculiaridades do ambiente em um processo de adaptação que o autor teria chamado também de 'seleção natural' (considerando uma tradução interpretativa).

         Mas qual a verdade nessa história? Al-Jahiz realmente formulou uma Teoria Evolutiva no período Medieval? Suas ideias evolucionárias eram muito similares às defendidas por Darwin e podem ter influenciado este último? O Livro dos Animais pode ser equiparado à Origem das Espécies?

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   EVOLUÇÃO PRÉ-DARWINISTA NO ISLÃ

          Ao contrário da crença popular, nem o termo nem a ideia de uma evolução biológica começou com o Darwin e seu famoso trabalho, On the Origin of Species by Means of Natural Selection (1859). Muitos acadêmicos e filósofos da Grécia Antiga já tinham sugerido que espécies similares tinham descendido de um ancestral comum, a partir de observações anatômicas. A Evolução Biológica, em si, não é a teoria e, sim, o fenômeno natural basicamente caracterizado pela descendência com modificação, onde os organismos vivos vão se modificando ao longo das gerações e com esse processo eventualmente gerando novas espécies e toda a diversidade da vida como hoje a conhecemos. A Teoria Evolutiva busca explicar esse fenômeno (mecanismos, fatores de fomento, história evolutiva da Terra, etc.) (1).

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(1) Para mais informações, acesse: Evolução Biológica é um FATO CIENTÍFICO


          Nesse sentido, de fato, filósofos e outros acadêmicos Muçulmanos, assim como pensadores Antigos e Medievais no Ocidente, chegaram também a discutir ideias evolutivas ao observarem a natureza, as homologias inerentes e as dinâmicas ecológicas. Aliás, esses pensamentos evolutivos foram semeados na cultura Islâmica justamente por Aristóteles. Ibn Miskawayh, Al-Beruni, Ikhwan Al-Safa, Nidhami Arudi, Tusi e Ibn Khaldun foram todos filósofos Muçulmanos na Idade Média que se debruçaram sobre a noção de 'Reinos' no mundo natural, propondo uma hierarquia consistindo de minerais, plantas, animais e humanos, com cada 'Reino' dando origem a e/ou servindo o próximo. Esse conceito - conhecido como scalae naturae - foi originalmente desenvolvido por Aristóteles no século IV a.C., e adotado e expandido por esses acadêmicos Muçulmanos após o século VII d.C., quando as traduções dos trabalhos Aristotélicos tornaram-se disponíveis em Árabe.

          Dos acadêmicos Muçulmanos Medievais citados, podemos destacar Ibn Miskawayh e Ibn Khaldun, ambos os quais deixam explícitos pensamentos que relativamente se aproximam das ideias de Darwin, Wallace, Huxley e de outros cientistas do Ocidente pioneiros no desenvolvimento e na defesa da Teoria Evolutiva.

          Ibn Maiskawayh (930-1030 d.C.) foi um filósofo Persa Muçulmano, o qual acreditava que as espécies de animais e de plantas emergiam ("evoluíam") a partir de espécies inferiores, postulando inclusive que os humanos descendiam de outros animais, com a nossa inteligência sendo a principal diferença nos distinguindo dos outros seres, e a qual teria sido um presente de Deus. Maiskawyh acreditava que a "evolução" humana trouxe mudanças psicológicas atreladas a um crescente poder de discriminação e de espiritualidade até que a humanidade passasse do barbarismo para a civilização. Em suas próprias palavras (Ref.2):

"O primeiro passo da ascensão das plantas, de uma maior ordem, é de se libertarem do chão e das suas necessidades de consolidarem suas veias nesse último... Este primeiro estágio animal é fraco... Animais nesse estágio permanecem fracos na locomoção mesmo após terem se libertado do chão e promoverem uma nova vida... Então, eles passaram desse para outro estágio: aqui suas capacidades de movimento e de sentido se tornaram mais fortes; como é o caso dos vermes, muitos tipos de borboletas e dos seres rastejantes... Sensitividades nesses novos animais se tornam mais fortes e deles emergem animais possuindo quatro sentidos como a toupeira e outros similares... A partir daqui, eles [os animais] progressivamente passam para um mais alto nível, no qual visão é gerada; esse é o caso com as formigas e abelhas... então eles se aproximam do último estágio do reino animal. Apesar dessa posição ser superior, todavia ela permanece básica e inferior, muito longe do nível dos macacos e de seus semelhantes. Estes se tornam próximos do homem em estrutura e aparência humana. Não existem diferenças entre esses tipos [primatas não-humanos] e o homem em estrutura e aparência humana."

          Já Ibn Khaldun (1332-1406) foi um pensador, historiador e polímata Muçulmano do Norte da África que ficou bastante conhecido pelo seu livro Al-Muquaddimah ('Prolegomena' no Ocidente), no qual é explorado ideias evolucionárias que dão ênfase à emergência humana. Khaldun explicitamente acreditava que os humanos emergiram de um ancestral macaco/primata superior, um conceito que a maioria dos Muçulmanos e pessoas de outras religiões e de Cristãos Criacionistas enfaticamente rejeitam. Além disso, Khaldun rejeitava a crença Cristã e Talmúdica de que a cor escura da pele Africana seria uma maldição visando seres humanos pecaminosos. Observando o contraste na cor da pele entre as pessoas nativas do Norte e as pessoas nativas do Sul - em particular a cor bem escura dos Sudaneses -, ele sugeriu uma relação causal entre os climas quentes do Sul (no caso, nas regiões tropicais) e a pele negra, algo de fato correto, apesar da real causa principal que sabemos hoje não ser a temperatura, mas a maior exposição aos raios UV (2). Sobre ideias evolutivas em geral, Khaldun escreveu (Ref.2):

"Alguém deveria então olhar para o mundo da criação. Começou dos minerais e progrediu, de uma engenhosa, gradual maneira, para plantas e animais. O último estágio dos minerais é conectado com o último estágio das plantas, como ervas, e plantas sem sementes. O último estágio das plantas, como palmas e vinhas, é conectado com o primeiro estágio dos animais, como caracóis e mariscos, os quais possuem apenas o poder do toque... O mundo animal então se expandiu, suas espécies se tornaram numerosas, e, em um processo gradual de criação, finalmente levou ao homem, este o qual é capaz de pensar e de refletir. O maior estágio do homem é alcançado do mundo dos macacos, no qual tanto sagacidade quanto percepção são encontrados, mas onde o estágio de real reflexão e de pensamento não foi alcançado. Após este ponto [o mundo dos macacos], nós chegamos ao primeiro estágio do homem. Esse é o quão longe nossa observação [física] se estende."

"... É também o caso com os macacos, criaturas combinando em si mesmas esperteza e percepção, em suas relações com o homem, o ser que possui a habilidade de pensar e de refletir... plantas não possuem a mesma sofisticação e o poder que os animais possuem... Animais são o último e máximo estágio das três permutações. Minerais se transformam em plantas, e plantas em animais, mas animais não podem se transformar em nada mais sofisticado do que eles mesmos."

"... [Circunstâncias físicas e ambientais] são sujeitas a mudanças que afetam as gerações posteriores; elas não necessariamente permanecem inalteradas. Assim é como Deus procede com seus servos... E certamente, você não será capaz de mudar os caminhos de Deus."

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(2) Leitura recomendada: Cor da pele e Vitamina D


          Mas tanto Ibn Miskawayh quanto Ibn Khaldun provavelmente inspiraram muitas das suas ideias evolucionárias a partir dos trabalhos realizados séculos antes por Al-Jahiz.

   AL-JAHIZ

           Nascido como Abu Usman Amr Bahr Alkanani al-Basri, e mais tarde recebendo o apelido de Al-Jahiz (o termo significa 'alguém com olhos esbugalhados'), temos aqui o mais notável percursor de ideias evolucionárias no mundo Islâmico. Al-Jahiz era um semi-zoólogo Muçulmano do século VIII que ganhou grande reconhecimento pela sua obra Kitab Al-Hayawan ("Livro dos Animais"), um livro detalhando seus trabalhos sobre a natureza dos animais, particularmente seus estudos em relação aos pássaros.

          Além de estudos em filosofia, literatura e Árabe, Al-Jahiz devotou anos estudando  minuciosamente os animais, observando de perto seus comportamentos e classificando-os pelas suas características e similaridades. Alguns acadêmicos hoje consideram que os trabalhos de investigação científica de Al-Jahiz impactaram em certa extensão a construção da Biologia moderna, substancialmente influenciando pensadores Árabes-Muçulmanos e também Europeus. E, de fato, existe um certo paralelo entre os trabalhos de Al-Jahiz e a Teoria desenvolvida por Darwin, apesar do primeiro defender que os organismos se modificavam por causa da vontade divina e sob a orientação de Deus, desenvolvendo novos traços adaptativos para a sobrevivência como parte dos planos de Deus para manter a natureza em ordem.

          Al-Jahiz descreveu um processo de "seleção natural" resultando do desejo inato de um animal de viver, afirmando que a adaptação biológica é essencial para esse fenômeno. Ele observou que indivíduos da mesma espécie lutavam entre si, e que a mais forte, a mais bem adaptada espécie resistia com menores taxas de mortalidade. Seu entendimento do ciclo da vida - e da ideia de uma cadeia alimentar - é exemplificado pelas suas observações de que um rato se alimenta de animais menores e cava habitações debaixo do solo para a proteção contra predadores, estes os quais, por sua vez, possuíam suas próprias defesas contra predadores ainda maiores, e assim por diante. Nas próprias palavras de Al-Jahiz:

"Essa é a lei que algumas existências são alimento para outras... todos os pequenos animais comem animais menores ainda; e todos os grandes animais não podem comer os maiores. Homens uns com os outros são como animais..."

          Al-Jahiz foi o primeiro a reconhecer o papel das condições ambientais na determinação da cor de pele dos humanos, após notar que as variações de pigmentação entre os povos do Norte e do Sul, assim como fez Ibn Khaldun séculos mais tarde. Além disso, Al-Jahiz explorou o conceito de um ancestral comum para todos os tetrápodes, o 'al-miskh' (quadrúpede original), já explorado por Antigos pensadores Gregos:

"Pessoas dizem diferentes coisas sobre a existência de um al-miskh... alguns aceitam essa existência e que esta deu origem à existência de cães, lobos, raposas, e dos seus similares. Os membros dessa família vêm dessa forma."

          Aliás, Al-Jahiz também foi o primeiro Muçulmano que se tem conhecimento a fazer uma ligação anatômica entre humanos e primatas superiores não-humanos:

"Nós temos visto que alguns navegadores Nabateus [antigo nome das tribos Árabes do deserto da Síria] se assemelham aos grandes macacos em alguns ambientes, assim como nós vimos algumas pessoas do Marrocos parecidas com os al-maskh [um tipo de primata superior], exceto por pequenas diferenças... E é possível que o ar poluído e a água, e a poeira, fizeram essas mudanças nas características desses Marroquinos... aquelas mudanças nos seus cabelos, orelhas, cores, e formas (similar a dos grandes macacos) aumentam mais..."

          É preciso observar aqui que quando os acadêmicos Muçulmanos no período Medieval se referiam a 'grandes macacos', eles poderiam estar se referindo também aos "grandes macacos bárbaros", os quais não são reais símios superiores (como chimpanzés, gorilas e orangotangos), mas um tipo peculiar de macaco sem uma cauda (Macaco-de-Gibraltar) que habita o noroeste da África e a ilha que hoje é conhecida como Gibraltar. De qualquer forma, também é mais do que plausível que o Al-Jahiz estivesse se referindo aos primatas superiores não humanos, isso porque o primeiro registro escrito sobre a existência desses primatas datam do século V a.C., quando o Grego Heródoto descreveu espécies da África na sua obra 'As Histórias'. Heródoto, nesse caso, seguiu a descrição do Fenício Hanno em sua obra 'Periplus ou circunavegação da África': "... uma estranha criatura habitando a fabulosa terra ao oeste de Cirenaica [provavelmente coincidindo com a atual República dos Camarões].

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   AL-JAHIZ FOI O PRIMEIRO A CRIAR A TEORIA DA EVOLUÇÃO?

          Embora Al-Jahiz, e outros acadêmicos Muçulmanos Medievais após ele, terem explorado ideias sobre hierarquia entre os seres vivos (reinos, estágios), noções de ancestralidade comum e mudanças de um ser para outro, seus trabalhos estão longe de serem considerados 'teorias' se levarmos o significado moderno e científico desse termo em conta, muito menos uma 'teoria evolutiva'. Darwin, sim, desenvolveu uma robusta teoria evolutiva, após décadas acumulando evidências científicas através das suas explorações naturalistas ao redor do mundo e minucioso trabalho investigativo sobre homologia, traços adaptativos, relações ecológicas, diversidade biológica, entre outros.

          Somando-se a isso, Darwin não fez suas análises preso aos dogmas religiosos, enquanto Al-Jahiz e os outros acadêmicos Muçulmanos atrelaram todas suas observações do mundo natural às vontades de um ser superior divino. E enquanto primatas superiores não-humanos são citados por esses acadêmicos como hierarquicamente próximos dos humanos, essa estrutura hierárquica também incluía anjos, santos e profetas, enfraquecendo ainda mais a natureza científica dessas propostas. Além disso, Darwin foi além da Seleção Natural, incluindo também a Seleção Sexual. O trabalho de Darwin, por exemplo, foi muito superior ao do naturalista Alfred Russel Wallace (1823-1913), co-autor da Teoria da Evolução por Seleção Natural, e, nesse sentido, não é possível equiparar em termos científicos sua obra A Origem das Espécies (1859)* com O Livro dos Animais. E considerar também essa obra como uma proto-teoria da evolução também é errôneo, já que em muitos aspectos ela é bastante similar ao não científico conceito do Design Inteligente.

          As adaptações dos animais que Al-Jahiz descrevia não eram vistas por esse autor como algo fruto de uma real seleção natural (ou seja, como uma resposta ao ambiente, como um processo natural), mas sim como um presente dado por Deus para que os animais pudessem melhor coexistirem com o ambiente. Enquanto que as obras de Al-Jahiz tinham um caráter mais literário, filosófico e religioso, Darwin deu à explicação da evolução biológica uma linguagem puramente científica. O máximo da obra de Al-Jahiz que se aproxima dos conceitos evolutivos modernos é a noção de que o ambiente é capaz de gerar mudanças físicas nos seres vivos, como a cor da pele humana. Porém, reforçando, ele encarava as adaptações biológicas, em específico, como dádivas divinas.

          De qualquer forma, as permutações dos seres vivos descritas por pensadores na Antiguidade e no período Medieval não deixam de serem ideias evolutivas, já que envolvem ancestralidade comum e descendência com modificações. Isso ainda é mais válido para os acadêmicos Medievais Muçulmanos, já que estes, diferente dos Antigos Gregos, davam um caráter temporal às modificações dos seres vivos, descrevendo as mudanças e emergência de novos reinos/estágios vivos como um processo que consumiu bastante tempo, uma premissa evolutiva que corresponde à proposta teórica de Darwin.

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*O nome original da obra era On The Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life ("Da Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida"). Foi na sexta edição (1872) que o título mais popular se consolidou ("The Origin of Species").


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   EVOLUÇÃO BIOLÓGICA HOJE NO ISLÃ

          Entre os séculos XIX e XX, muitos filósofos Muçulmanos e figuras públicas, como Ahmed Medhat, chegaram a dar firme suporte à teoria evolutiva de Darwin, em meio às polêmicas que cercavam a Origem das Espécies. As primeiras traduções dos trabalhos de Darwin para o Árabe ocorreram em 1876 e os esforços na busca por evidências textuais (naqli) no Alcorão que dessem suporte à Teoria Evolutiva tiveram início na década de 1880 com a publicação da obra 'A Revelação dos Segredos Luminosos do Alcorão no qual são Discutidos Corpos Celestiais, a Terra, Animais, Plantas e Minerais'. Mesmo no início do século XX, grande parte dos acadêmicos Muçulmanos continuavam aceitando sem muita resistência a teoria evolutiva, contanto que esta se apresentasse de forma não-puramente materialística e não-ateísta, e abrisse certas exceções para a origem humana. Como o Alcorão não dá muitos detalhes teológicos de como ocorreu a emergência dos seres vivos - apenas que Allah é a causa de tudo -, ao contrário do que ocorre na Bíblia (Gênesis), a evolução Darwinista a princípio não necessariamente entra em conflito com o Islã dependo da interpretação.

          Na visão Islâmica, Allah (Deus) é o Poderoso Criador capaz de fazer tudo, incluindo o impossível. A evolução de uma espécie para outra espécie é geralmente vista como não impossível para muitos acadêmicos Muçulmanos, já que não contraria os ensinamentos no Alcorão. No entanto, a evolução da humanidade é geralmente vista como impossível, já que Allah explica em 38:71-76 do livro sagrado que a origem dos humanos ocorre a partir do Profeta Adão. O ser humano, nesse sentido, é a criatura mais especial do Universo, e não pode ser comparado com os outros animais. De qualquer forma, modificações de espécies não-humanas ao longo de várias gerações (dando origem às ramificações da árvore evolutiva) e a noção de uma Terra muito antiga (bilhões de anos) foram historicamente aceitas pelos acadêmicos Islâmicos mais abertos a uma visão mais científica do mundo.

          Porém, como a evolução biológica sempre foi um tema controverso em várias comunidades religiosas, a maior parte do mundo Islâmico acabou eventualmente abandonando as discussões evolutivas. Durante o século XX, a evolução acabou sendo fortemente associada com polêmicas ideias, como ateísmo, materialismo, colonialismo e imperialismo, levando os acadêmicos e comunidades Muçulmanas a rejeitá-la. Hoje, a rejeição do Darwinismo e do neo-Darwinismo é quase unânime no mundo Islâmico. Em contraste, ideias de um 'Criacionismo Islâmico', de forma similar ao Criacionismo Cristão, estão em ascensão nos últimos anos. Mesmo conceitos e mecanismos básicos da Teoria Evolutiva são rejeitados, como a Seleção Natural. Nesse caso, o conflito surge principalmente na aceitação de mutações aleatórias e de outros mecanismos evolutivos que foram descritos com os avanços na genética. Seleções naturais atuando sobre mutações aleatórias passou a não ser bem visto no Islã por contrariar a interpretação mais popular de que Allah como causa de tudo, interfere em tudo e determina tudo, decidindo conscientemente também o que será extinto e o que permanecerá.

           A evolução biológica é tão polêmica e um tema tão sensível hoje entre os Muçulmanos que até mesmo fatwas (opiniões legais ou decretos estabelecidos por um líder religioso Islâmico) são emitidos para lidar com o tema. Isso explica em grande parte porque os pensadores Muçulmanos pré-Darwin que abordaram ideias evolutivas permaneceram por tanto tempo esquecidos tanto no Oriente quanto no Ocidente, já que os próprios Muçulmanos pós-século XX tentaram apagá-los da História do Islã. Isso se une com a tendência histórica do Ocidente de minimizar ou de ignorar as contribuições científicas e o conhecimento em geral oriundos do Oriente. Podemos citar inclusive um dos mais respeitados Biólogos Ocidentais da era moderna, Ernst Mayr, onde em sua obra sobre a história da Biologia (The Growth of Biological Thought, 1982), ele afirma explicitamente que os Árabes, até onde ele sabia, não tinham feito contribuições importantes para a Biologia.

          É importante ressaltar, no entanto, que embora a grande maioria dos Muçulmanos continue rejeitando fervorosamente a evolução biológica devido ao conflito religioso, muitos deles, particularmente jovens estudantes e profissionais na área científica, tendem a aceitar a evolução como um mecanismo para a emergência de todas as espécies com exceção dos humanos. Aqueles poucos que aceitam a evolução humana geralmente estão inclinados a reinterpretar os textos Islâmicos para reconciliar a teoria evolutiva com suas crenças religiosas, espelhando os Cristãos que aceitam a emergência humana como fruto de um processo evolutivo.

          Nesse último caso, existem também acadêmicos Muçulmanos que veem Allah como uma entidade divina que criou este Universo do mesmo modo que um relojoeiro: arquitetou o Universo e todas as suas regras no começo da sua existência e deixou esse Universo progredir ao seu próprio destino, sem mais interferências; nesse sistema, evolução biológica e a vida naturalmente emergiram, e seguem rigidamente a lógica científica (Ref.5). Para esses acadêmicos, portanto, existe mínimo conflito religioso com a ciência, porque o Deus criador atuou apenas na criação do Universo. Obviamente, esses acadêmicos sofrem pesados ataques críticos de outros Muçulmanos (acadêmicos e não acadêmicos), estes os quais os acusam de estarem a um passo do ateísmo e de não entenderem a real essência e poder de Allah (Ref.6).

          Em termos de aplicabilidade, e de irrefutabilidade, microevolução - mudança na frequência de alelos a nível populacional após poucas gerações - geralmente ainda é aceito pela maioria dos acadêmicos Muçulmanos. Forte rejeição tende a focar no caráter macroevolutivo da teoria e do fenômeno evolutivo, apesar dessa rejeição seletiva, do ponto de vista científico e da teoria evolutiva, não fazer sentido, já que ambas (macroevolução e microevolução) operam pelos mesmos mecanismos evolutivos, incluindo seleção natural e mutações, e com a única diferença sendo o fator temporal.

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   CONCLUSÃO

          Durante a Era de Ouro Islâmica (700-1400), muitos acadêmicos Muçulmanos, bem antes de Darwin, já discutiam sobre ideias evolucionárias, apesar destas se misturarem com premissas religiosas e enfatizarem que as transformações dos seres vivos seguem a vontade de Deus. Nesse sentido, as obras desses pensadores possuíam um caráter mais filosófico e religioso do que científico, e estão longe de representarem uma teoria evolutiva. Se essas ideias influenciaram significativamente ou não cientistas do século XIX, é incerto. O primeiro a formular uma robusta teoria evolutiva, incluindo Seleção Natural e Sexual,  foi Darwin, cuja proposta teórica trazia uma abundante quantidade de evidências científicas e cientificamente explicava como a diversidade da vida na Terra foi estabelecida pela evolução biológica. A emergência e avanço da genética posteriormente consolidaram a evolução biológica como um fenômeno factual. Infelizmente, hoje no mundo Islâmico a evolução biológica e sua teoria são fortemente rejeitadas devido ao conflito religioso, apesar de ainda existirem notáveis exceções entre os acadêmicos Muçulmanos.


REFERÊNCIAS
  1. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47577118
  2. Malik, A. H., Ziermann, J. M., & Diogo, R. (2017). An untold story in biology: the historical continuity of evolutionary ideas of Muslim scholars from the 8th century to Darwin’s time. Journal of Biological Education, 52(1), 3–17.
  3. Varisco. Darwin and Dunya: Muslim Responses to Darwinian Evolution.. Journal of International & Global Studies . 2018, Vol. 9 Issue 2, p14-39. 26p.
  4. https://ejournal.um.edu.my/index.php/RIS/article/view/9877/6975
  5. https://www.nature.com/news/why-i-teach-evolution-to-muslim-students-1.17364
  6. http://pu.edu.pk/images/journal/uoc/PDF-FILES/(11)%20Dr.%20Sultan%20Shah_86_2.pdf
  7. https://link.springer.com/referenceworkentry/10.1007%2F978-3-642-27833-4_5187-1