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Quantas e quais são as personalidades segundo a ciência?


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          É possível classificar as pessoas de acordo com diferentes tipos de personalidade? Estudos nas últimas décadas sugeriam que não, mas pesquisadores da Universidade de Northwestern, ao analisarem mais de 1,5 milhões de questionários encontraram, no mínimo, quatro tipos de personalidade: average (médio), reserved (reservado), self-centered (auto-centrado) e role model (modelo exemplar). O achado foi publicado em 2018 na Nature Human Behaviour (Ref.1) e pode ser de grande interesse na contratação de gerentes e no desenvolvimento de serviços voltados para a saúde mental.

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   HISTÓRIA E CONTROVÉRSIA

          Acadêmicos e pessoas do público em geral vêm tentando classificar tipos de personalidades desde o tempo de Hipócrates (460-377 a.C.), na Grécia Antiga, onde antigos filósofos tentavam capturar e organizar diferenças individuais em termos de comportamento e de emoção para o melhor entendimento da personalidade humana. Porém, na literatura acadêmica, o tema é bastante controverso e inconclusivo. O conceito que envolve a suposta existência de 'tipos' de personalidade não possui uma base construída sobre sólidas evidências científicas, e mesmo quando resultados surgem para esclarecer a questão, eles se mostram não replicáveis. Tipos de personalidade existem apenas na literatura popular de auto-ajuda, não na psicologia científica.

          O termo 'personalidade' geralmente se refere aos padrões comportamentais e de atitude que são típicos de um determinado indivíduo, representando traços distintos que se manteriam constantes e estáveis em cada pessoa. Nesse sentido, a personalidade seria um conjunto de características de um indivíduo que o torna único e que se desenvolve ao longo da sua vida. Nas últimas décadas, um consenso emergiu no meio acadêmico em relação à estrutura básica da personalidade na forma do Big-5, também conhecido como 'Modelo dos Cinco Grandes Fatores' (FFM, na sigla em inglês; 'Five-Factor Model'). O FFM conjectura a existência de cinco traços - neuroticismo, socialização, realização e abertura -  que capturam os principais domínios da personalidade humana, e é basicamente uma versão moderna da Teoria do Traço, que se originou através de um acúmulo de pesquisas sobre personalidade na área da psicologia.



          Os cinco traços englobados pelo FFM possuem amplo suporte científico, empírico e teórico, sendo já identificados em numerosos estudos clínicos e observacionais ao longo de diferentes linguagens e culturas, e mostram serem ótimas referências para a predição de padrões de comportamento, como bem-estar e saúde mental, performance profissional e relações matrimoniais. No campo da saúde mental, o FFM possui diversas aplicações práticas, como, por exemplo, ferramenta de auxílio no diagnóstico de transtornos de personalidade.

          Apesar de todo apoio e consenso científico estruturando a base existencial dos traços de personalidade, a existência de tipos de personalidade continua muito controversa. Apesar da literatura popular e não-acadêmica, especialmente de auto-ajuda, extensivamente afirmar a existência de vários tipos de personalidade, a única descrição com razoável suporte científico  de tipos de personalidade é a assim chamada 'ARC' - nomeada em homenagem aos seus três autores principais (Robins et al., Caspi et al., e Asendorpf et al.) -, a qual engloba três distintas categorias: 'resiliente', 'super-controlado' e 'sub-controlado'. O ARC é baseado em grande parte sobre uma extensão da Teoria Freudiana do ego. No entanto, essa classificação têm sido amplamente questionada em estudos estatísticos que tentam aplicar o ARC na prática. Além disso, mesmo estudos que corroboram a validade do ARC mostram substancial variabilidade entre si. Para piorar, todos esses estudos ainda englobam relativos pequenos grupos de indivíduos analisados.

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   QUATRO TIPOS DE PERSONALIDADE

          Pesquisadores da Universidade de Northwestern, EUA, liderados por Luís Amaral - da Escola de Engenharia McCormick -, utilizaram um modelamento computacional para analisar os dados de quatro questionários respondidos por mais de 1,5 milhões de pessoas ao redor do mundo, os quais incluem o IPIP e o NEO da John Johnson com 120 e 300 itens, respectivamente, o projeto myPersonality e a BBC Big Personality Test. Esses questionários (testes de personalidade) foram desenvolvidos pela comunidade acadêmica ao longo das últimas décadas e possuem entre 44 e 300 questões. Nesse sentido, diversas pessoas voluntariamente se comprometeram a respondê-los ao longo dos anos interessadas em descobrirem mais sobre suas personalidades.

          Com base nesse enorme banco de dados, o time de pesquisadores usou os cinco traços do FFM junto com novos e complexos algoritmos para encontrar padrões similares de pontuação nos questionários. Dessa robusta análise, quatro grupos surgiram:

- Médio: Pessoas médias possuem alta pontuação em neuroticismo e extroversão, e baixa pontuação em abertura. Tendem a ser pessoas típicas, e as mulheres são mais prováveis de caírem nesse tipo de personalidade do que os homens.

- Reservado: O tipo reservado é emocionalmente estável, mas não aberto ou neurótico. Eles não são particularmente extrovertidos, mas são razoavelmente amáveis e conscientes. É o único que não parece ser afetado - em termos de representatividade - pela idade e pelo gênero.

- Modelo Exemplar: Esse tipo é marcado por baixa pontuação em neuroticismo e alta em todos os outros traços. A probabilidade de que alguém seja um modelo exemplar aumenta dramaticamente com a idade, especialmente após os 40 anos. São pessoas dependentes e abertas a novas ideias, com o potencial de serem muito efetivas em cargos de liderança. A vida de outras pessoas pode ser facilitada ao lidar com os modelos exemplares, e mais mulheres do que homens caem nesse grupo. Aliás, mulheres com idade acima de 60 anos representam a maior fração dentro desse grupo.

- Auto-Centrado: Pessoas auto-centradas pontuam muito alto na extroversão e abaixo da média em abertura, socialização e realização. São pessoas difíceis de serem lidadas e que podem trazer prejuízos para pessoas em relação próxima. O número de auto-centrados diminui dramaticamente com a idade, tanto entre homens quanto em mulheres.




          Para reforçar o resultado das análises, os pesquisadores resolveram testar a validade dos novos tipos de personalidade em um notável grupo de auto-centrados: garotos adolescentes. Adolescentes do sexo masculino até os 15 anos se comportam de forma geralmente auto-centrada, e, se o sistema de classificação dos quatro tipos de personalidade estiver acurado, esse grupo de indivíduos estará sendo englobado de forma excessiva no auto-centrado.  De fato, jovens adolescentes do sexo masculino mostraram-se super-representados no grupo Auto-Centrado, enquanto as adolescentes (sexo feminino) acima dos 15 anos são pouco representadas. De acordo com os autores do estudo, as mulheres parecem fazer essa transição de auto-centrado para outros tipos de forma mais rápida.

          Além de fornecer uma ferramenta que pode ajudar profissionais de saúde mental a definir os tipos de personalidades com traços extremos, os resultados do estudo podem ser de grande ajuda na contratação de gerentes e escolha de líderes. O novo modelo de tipos de personalidade pode também ajudar pessoas que estão lidando com desafios comuns na vida social, como a busca de um parceiro amoroso que melhor se encaixe com seu tipo. Também é importante mencionar que os quatro novos tipos de personalidade basicamente complementam o ARC com o tipo 'médio', sendo que os outros três, em ambos os modelos descritivos, são bem similares entre si. Nesse sentido, o ARC provavelmente mostrava tantas falhas por não ter conseguido filtrar o tipo médio.

          O novo estudo também reforça que os traços de personalidade, e consequentemente o tipo de personalidade, sofrem mudanças com o passar dos anos, ou seja, tendem a evoluir com o tempo. Por isso, caso você caia no grupo menos desejado do auto-centrado, isso não significa uma sentença vitalícia. Para exemplificar, o tipo 'médio' irá ser expresso pela maioria das pessoas durante algum momento das suas vidas, segundo conclusão dos pesquisadores.

          Ainda segundo os pesquisadores, o que tornou esse estudo possível foi o amplo acesso à internet ao redor do mundo. Décadas atrás seria impossível reunir uma quantidade tão grande de dados oriundos de tantas localidades ao redor do globo. Agora, novos estudos serão necessários com o objetivo de replicar os resultados obtidos e investigar se esses quatro tipos são universais ou se existem outros.                               



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.nature.com/articles/s41562-018-0419-z
  2. https://news.northwestern.edu/for-journalists/press-kits/scientists-determine-four-personality-types-based-on-new-data?
  3. http://www.scielo.org.co/pdf/dpp/v12n1/v12n1a08.pdf
  4. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-00862012000100009
  5. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2014000300003
  6. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722012000300004
  7. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712011000100006