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O que são os Neutrinos?



- Atualizado no dia 30 de janeiro de 2024 -

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          Apesar de ser uma das mais abundantes partículas do Universo, o neutrino só começou a ganhar suspeita científica de existência na década de 1930, quando uma partícula extremamente leve e eletricamente neutra foi proposta para explicar a aparente violação de conservação de energia no decaimento de certos núcleos atômicos instáveis, como o trítio. Hoje, um dos maiores desafios enfrentados pelos Físicos é a determinação da quase inexistente massa dessa que é uma das mais elusivas partículas da Física Moderna.



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   BREVE HISTÓRIA

          O neutrino foi primeiro postulado em dezembro de 1930 pelo Físico Wolfgang Pauli para explicar o espectro de energia do decaimentos beta. Pauli teorizou que uma partícula não detectável estava levando embora a diferença de energia e momento angular entre as partículas iniciais e finais do sistema. Porém, devido à propriedade "fantasmagórica" do neutrino, a primeira detecção dessa partícula em um experimento laboratorial só ocorreu em 1956, quando Clyde Cowan, Frederick Reines, F. B. Harrison, H. W. Kruse, e A. D. McGuire publicaram o artigo "Detection of the Free Neutrino: a Confirmation" no periódico Science. Aliás, essa detecção resultou em um prêmio Nobel para o grupo de pesquisadores em 1995.

         Em 1962, Leon M. Lederman, Melvin Schwartz e Jack Steinberger mostraram que existia mais de um tipo de neutrino - além daquele associado ao elétron (ve) -, ao detectarem as interações de um 'neutrino-múon' (vμ). Em 1975, após a descoberta de um terceiro tipo de lépton, a partícula tau, via experimentos no Stanford Linear Accelerator, os Físicos teorizaram que existiria um neutrino também associado a essa partícula. De fato, em 2000, após análises do decaimento tau (análogo ao decaimento beta) no FermiLab, o 'neutrino-tau' (vT) foi revelado.

        Desde 1957, busca-se métodos para se determinar a massa do neutrino. Em 1967, uma formulação matemática foi desenvolvida mostrando oscilações associadas à massa dessa partícula no vácuo e, em 1985, ao interagir com a matéria. Porém, a massa exata do neutrino permanece um mistério.

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   NEUTRINO

          Os neutrinos estão em todos os lugares, em cada canto do Universo, atravessando você nesse exato momento em verdadeiras hordas de dezenas de milhares, e a velocidades próximas da luz. Mas, como verdadeiras partículas fantasmas, você não irá senti-los e praticamente não existem barreiras minimamente eficazes para barrá-los. De fato, a maioria deles irá atravessar todo o planeta Terra como se nada estivesse no caminho!

          Neutrinos são partículas subatômicas produzidas por reações nucleares nas estrelas ou no decaimento radioativo de elementos. A cada segundo, o Sol emite trilhões de neutrinos altamente energéticos atravessando cada um de nós. No início do Universo, largas quantidades de neutrinos também foram geradas antes mesmo do surgimento dos átomos. Essas partículas não possuem carga elétrica e carregam uma massa muito pequena, interagindo muito fracamente com a matéria - e apenas via força nuclear fraca (e que age a curta distância) e, naturalmente, gravidade. Os cientistas, para detectar apenas alguns deles, precisam utilizar detectores de várias toneladas. 

          De todas as partículas de alta energia, os neutrinos são as mais cobiçadas pelos astrônomos para a exploração do Universo. Viajando a velocidades próximas da luz e partindo de todos os pontos do Cosmo em enormes quantidades sem sofrerem interferência de campos eletromagnéticos e sendo pouco barradas, essas partículas transmitem cruciais informações de pontos hoje do Universo de difícil acesso ou inalcançáveis pelos métodos atuais de observação (tanto em termos de distância quanto em termos temporais). Os neutrinos podem viajar por bilhões de anos-luz vindos dos mais extremos ambientes do Universo até a Terra sem grandes impedimentos.

          Pelo que sabemos até hoje, a maioria dos neutrinos viajando ao nosso redor foram criados há cerca de 15 bilhões de anos, pouco tempo depois do nascimento do Universo. Desde essa época, o Universo continuou expandindo e esfriando (1), com os neutrinos sendo produzidos sem folga. Teoreticamente, existem tantos neutrino hoje que eles constituem uma radiação de fundo cósmica por si só e cuja temperatura é de 1,9 K (-271,2°C). Além do processo inicial de formação do Universo, outras fontes de neutrinos incluem estações nucleares de energia, aceleradores de partículas, bombas nucleares, fenômenos atmosféricos (2), e durante o nascimento, colisões, e morte de estrelas, particularmente a explosão de supernovas.         


          E até onde sabemos, existem três tipos (flavors) de neutrinos, cada um deles relacionado com uma partícula carregada, como mostrado na tabela abaixo. Eles possuem ínfimas diferenças de massas entre si, algo inferido pelas diferentes oscilações de ondas mecânico-quânticas que essas partículas produzem.



          Os cientistas hoje sabem com alta confiança que a massa entre os três tipos neutrinos é, no mínimo, equivalente a 0,05 eV (1eV ~ 1,602 x 10-19 joules) e, no máximo, igual a 2 eV - lembre-se que massa é equivalente a energia, segundo a mecânica relativística (3). Porém, não se sabe quem é o mais e quem é o menos massivo, e, claro, não se sabe ainda qual é a massa exata de nenhum dos três. Atualmente existem vários projetos científicos que visam determinar com alta precisão a massa do neutrino, como o experimento na Alemanha conhecido como KATRIN (Karlsruhe Tritium Neutrino). O KATRIN estuda o decaimento beta de trítio dentro de uma grande câmara metálica de vácuo de 23 metros de comprimento e quase 10 metros de largura, na qual bilhões de elétrons por segundo, sob um campo magnético 70 mil vezes maior do que o da Terra, são analisados por sensíveis detectores.



           Aliás, experimentos mais recentes no KATRIN descritos em um estudo publicado no periódico Nature Physics (Ref.11) determinou um limite máximo de massa para o neutrino igual a <0,8 eV. Com base nesse novo trabalho e em experimentos prévios, a massa dessa partícula agora fica entre 0,02 eV e  0,8 eV. Para se ter uma ideia, esse novo valor máximo é cerca de 1/750000 da massa de um elétron! Conhecer a massa de repouso do neutrino é extremamente importante, porque permitirá aos cientistas responder questões fundamentais na cosmologia, astrofísica e na área de física de partículas, como quais físicas existem além do Modelo Padrão e como o Universo evoluiu.

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   DETECÇÃO DOS NEUTRINOS

          Como interagem muito fracamente com a matéria, imensos e engenhosos instrumentos são necessários para permitir que um número suficiente de neutrinos sejam capturados e estudados.

          Os neutrinos podem interagir via corrente neutra (envolvendo a troca de um bóson Z) ou via corrente carregada (envolvendo a troca de um bóson W). Esses bósons são partículas elementares mediadores da interação fraca (ou força fraca), e como possuem meia vida de apenas cerca de 3 x 10-25 segundos, essas mediações só ocorrem a curtas distâncias. O bóson Z é eletricamente neutro e é a sua própria antipartícula.

- Em uma interação de corrente neutra, o neutrino deixa o detector após ter transferido parte da sua energia e momento para uma partícula alvo. Todos os três tipos de neutrinos podem participar independentemente da energia associada. No entanto, nenhuma informação do tipo do neutrino é deixada para trás.

- Em uma interação de corrente carregada, o neutrino se transforma no seu lépton associado (elétron, múon ou tau). No entanto, se o neutrino não possui suficiente energia para a criação da massa do lépton (3), a interação via corrente carregada se torna indisponível. Neutrinos criados no Sol ou em reatores nucleares possuem energia suficiente para a conversão em elétrons. A maioria dos aceleradores baseados em lasers conseguem também criar múons e alguns poucos conseguem criar taus. Um detector que consegue distinguir entre esses léptons pode revelar o tipo de neutrino incidente interagindo via corrente carregada. Devido ao fato da interação envolver a troca de um bóson carregado, a partícula alvo também muda seu tipo (por exemplo, um nêutron se transforma em um próton).

          Nesse sentido, detectores podem aproveitar esses dois mecanismos para apontar quantitativamente e/ou qualitativamente neutrinos atravessando seus domínios.

          Hoje, o mais notável sistema de detectores é o IceCube Neutrino Observatory, um observatório de neutrinos construído na Estação Polo Sul Amundsen-Scott, na Antártida, enterrado a mais de 1,5 km abaixo da superfície de gelo e constituído de 5160 sensores. Seus milhares de sensores estão distribuídos por um quilômetro cúbico de volume sob o gelo Antártico, detectando um neutrino a cada poucos minutos (com a maioria sendo de baixa energia e gerados por fenômenos mais comuns, como a interação de raios cósmicos com a atmosfera terrestre. Ali, descobertas astronômicas fantásticas estão sendo feitas e recentemente até mesmo a Relatividade Especial de Einstein pôde ser, mais uma vez, reafirmada pela análise dos neutrinos.

 
   RELATIVIDADE ESPECIAL

          Segundo o princípio da covariância de Lorentz, as leis da Física são independentes da velocidade e orientação do quadro de referência do experimentador, e essa premissa serve como fundação matemática para a Teoria da Relatividade Especial de Einstein. Porém, apesar da maioria dos Físicos considerarem como verdade absoluta esse princípio, a partir da década de 1990 alguns acadêmicos começaram a sistematicamente desafiá-lo, especialmente após a ascensão de novas teorias visando a unificação da Física fundamental, como a teoria das cordas (4), as quais permitem a violação dessa covariância/simetria de Lorentz ao introduzir novas estruturas espaço-tempo na escala quântica gravitacional. Nesse sentido, nas últimas décadas, os cientistas começaram a testar o princípio em objetos diversos, indo de fótons até a Lua.


           O IceCube também ajudou a esclarecer o debate ao utilizar os neutrinos para testar a covariância de Lorentz, trazendo resultados que corroboram a Relatividade Especial (Ref.4). Para isso, foram utilizados neutrinos de moderada-alta energia produzidos na atmosfera terrestre quando esta interage com partículas carregadas altamente energéticas dos raios cósmicos (na maioria, neutrinos múons). 

          Neutrinos gerados na atmosfera ao redor do globo viajam livremente para o Polo Sul, mas podem mudar de tipo ao longo do caminho. Tais mudanças ocorrem pelo fato de que os três tipos de neutrinos (associados ao elétron, tau ou ao múon) não são partículas 'normais'. Na verdade, eles são combinações quânticas de três 'reais' partículas - v1, v2 e v3 - que possuem diferenças quase imperceptíveis de massa entre si.

          Nesse sentido, a criação de um neutrino-múon na atmosfera pode ser pensada como a produção simultânea de duas ondas mecânico-quânticas: uma para a v2 e uma para a v3. Essas ondas são observadas como um múon-neutrino porque elas estão em fase, o que significa que o pico das duas ondas são vistos ao mesmo tempo. Em oposto, um neutrino-tau resulta de ondas fora de fase, onde o pico de uma chega com o vale da outra.



          Se os neutrinos não tivessem massa e a covariância de Lorentz se mantivesse verídica, as duas ondas simplesmente viajariam em sincronia, sempre mantendo o estado múon-neutrino em fase. No entanto, pequenas diferentes de massa entre v2 e v3, ou falha na covariância de Lorentz, poderiam fazer com que as ondas viajassem em velocidades levemente diferentes entre si, levando a um gradual deslocamento do estado múon-neutrino para um estado fora de fase neutrino-tau. Tais transições são conhecidas como 'oscilações de neutrino' e permitem que o detector IceCube aponte potenciais violações da covariância de Lorentz. No caso de oscilações resultantes das diferenças de massas entre os neutrinos, isso é algo considerado negligível, já que o neutrino quase não possui massa e diferenças de massa entre seus três tipos são praticamente nulas em certas análises (no caso, em relação à escala de energia das oscilações).

          Os dados gerados pelas detecções de neutrinos no IceCube - acumulados por um período de 2 anos (envolvendo quase 35 mil eventos de detecção) - não apontaram sinais de oscilações, implicando que os picos das ondas associadas (v2-v3) não se deslocaram de forma significativa mesmo após viajarem a uma distância correspondendo ao diâmetro da Terra. Consequentemente, as velocidades das ondas não diferiram mais do que algumas partes por 1028 - um resultado que representa uma das mais precisas comparações de velocidade da história! A covariância de Lorentz, pelo menos a partir desse experimento, foi reafirmada, assim como, mais uma vez, a Relatividade Especial.

          Dois fatores tornaram o novo teste de prova da Relatividade Especial realizado pelo IceCube o mais exigente entre testes similares com neutrinos:

1. Aproveitando que os neutrinos conseguem facilmente viajar de um ponto a outro do globo terrestre (sendo barrados apenas raramente ao atravessarem o interior do planeta), essas partículas produzidas na atmosfera e detectados no lado oposto da Terra pelo IceCube cobrem distâncias de quase 13 mil quilômetros antes de serem detectadas, maximizando a possibilidade de potenciais oscilações ocorrerem.

2. O enorme tamanho do detector do IceCube (englobando 1 bilhão de toneladas de gelo sendo monitorado pelos milhares de sensores) permite que neutrinos com uma energia muito maior sejam observados em comparação com outros experimentos similares. Quanto maior a energia, menor o comprimento de onda associado - no caso dos neutrinos, comprimentos menores do que 1 bilionésimo da extensão de um átomo. Isso significa apontar diferenças de fase entre essas ondas extremamente diminutas.

          Apesar da extrema precisão e rigor do experimento, o foco desse último limitou-se a procurar violações que são independentes da direção de propagação do neutrino, negligenciando possíveis violações dependentes da direção que podem emergir de forma mais geral. Outros experimentos futuros mais ambiciosos certamente irão cobrir essa limitação. De qualquer forma, o resultado encontrado se junta a diversos outros experimentos que também corroboraram a validade da Teoria da Relatividade Especial e Geral (5).


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   ORIGEM DOS NEUTRINOS ASTROFÍSICOS

           Desde que foram primeiro detectadas há mais de cem anos, os raios cósmicos - formados por partículas altamente energéticas de até absurdos 1020 elétron-volts e que viajam por bilhões da anos-luz no espaço - trouxeram um persistente mistério: o que cria e lança essas partículas ao longo de distâncias tão grandes no Universo? E de onde elas vêm?

          Como as partículas constituintes dos raios cósmicos são carregadas, o caminho delas não pode ser traçado de volta à sua origem devido aos poderosos campos magnéticos permeando o Universo, os quais desviam essas partículas eletromagnéticas. Porém, o violento processo que cria esses raios cósmicos também gera uma enorme quantidade de neutrinos astrofísicos - associados a altas energias (> ~100 TeV)  -, os quais não são afetados por esses campos magnéticos. 

          Em julho de 2018, um time internacional de cientistas encontrou a primeira evidência de uma fonte cósmica de neutrinos altamente energéticos, a partir de observações no IceCube. A detecção foi confirmada por outros telescópios ao redor do mundo (nesse caso, via ondas eletromagnéticas associadas ao processo) após serem guiados pelo IceCube. Descrita em dois artigos publicados no periódico Science (Ref.2-3), a detecção forneceu pela primeira vez evidência para um blazar conhecido como a fonte de neutrinos de alta energia. Esse blazar, denominado pelos astrônomos como TXS 0506+056, foi primeiro notado seguindo um alerta de neutrino enviado pelo IceCube em 22 de setembro de 2017. Esse blazar está há cerca de 4 bilhões de anos-luz da Terra, na constelação de Órion, e, de acordo com as análises acumuladas pelas observações do IceCube e dos outros telescópios ao redor do mundo, parece ser um dos objetos de maior luminosidade no Universo conhecido.
          



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> Um blazar é um núcleo galáctico ativo que emite um jato relativístico altamente energético (um jato composto de matéria ionizada viajando a velocidades próximas da luz) direcionado muito próximo do sentido da Terra. É um tipo de quasar (!) muito poderoso. Outro jato também é emitido, só que no sentido oposto ao da Terra. Esse núcleo galáctico é suportado por um supermassivo buraco negro responsável por fomentar o jato relativístico - este o qual segue seu eixo de rotação -, onde matéria é acelerada e dilacerada pelo seu disco de acreção, gerando uma enorme quantidade de energia. As emissões energéticas dos blazares são intensas em todo o espectro de ondas eletromagnéticas, incluindo raios gama.

(!) Os quasares são núcleos ativos de galáxias constituídos de supermassivos buracos negros com massas bilhões de vezes maior do que aquela do Sol. Quasares visíveis em energias na faixa de raios gama são todos classificados como blazares.
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          Até essa detecção pelo IceCube, apenas existiam especulações de quais poderiam ser as fontes de raios cósmicos no Universo - os quais não são gerados dentro da Via Láctea. Entre as suspeitas tínhamos os mais violentos objetos no cosmo, como remanescentes de supernovas, galáxias em colisão e núcleos ativos de galáxias fomentadas por supermassivos buracos negros (como um blazar). Agora, sabemos que os blazares são uma das fontes. E, mais recentemente, astrônomos revelaram que algumas das mais energéticas partículas produzidas na Via Láctea têm origem de matéria expelida por um buraco negro (microquasar SS 433) associado ao um sistema estelar binário na Nebulosa Vaca-Marinha. Através de jatos relativísticos colimados produzidos pelo SS 433, elétrons são acelerados a velocidades próximas da luz no vácuo (~300 000 km/s) (Ref.).

          E como os neutrinos são formados via interações de prótons, os astrônomos ganharam a primeira evidência definitiva de aceleração de prótons por um buraco negro.

          Posteriormente, um estudo publicado em 2020 no periódico The Astrophysical Journal (Ref.8) concluiu que a origem de neutrinos de ultra-alta-energia - a 200 trilhões de elétron-volts (TeV) ou mais - é o centro de quasares que emitem largas quantidades de rádio, quando prótons são acelerados a velocidades muito próximas da luz - provavelmente durante interações próton-fóton no disco de acreção ou ao seu redor. Um estudo subsequente, conduzido por cientistas Russos no IceCube e publicado em 2021 também no The Astrophysical Journal (Ref.9) concluiu que todos os neutrinos com energia acima de 1 TeV são criados nos quasares. 

          Por fim, um estudo mais recente publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters (Ref.12), pesquisadores concluíram que os neutrinos astrofísicos (ou extragaláticos) são produzidos exclusivamente envolvendo aceleração de raios cósmicos, estes os quais são jatos de energia produzidos em blazares PEVatron, ou seja, associados a energias na faixa de PeV (1 PeV equivale a 1015 elétron-volts). Segundo os cálculos dos pesquisadores, a chance de erro nessa afirmação é inferior a 1 em 1 milhão. O achado, por sua vez, fornece evidência observacional não apenas de que os blazares são "fábricas astrofísicas" de neutrinos como também são aceleradores extragalácticos dos misteriosos raios cósmicos

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> Em agosto de 2021, a NASA – através de observatórios terrestres e instalações espaciais – detectou a segunda fonte conhecida de um neutrino de alta energia (registrado no IceCube em 2019), rastreando-o até um buraco negro “estraçalhando” uma estrela (evento AT2019dsg), uma rara ocorrência cataclísmica chamada de evento disruptivo de maré (Ref.10). O evento ocorreu a cerca de 690 milhões de anos-luz, em uma galáxia chamada de 2MASX J20570298+1412165, localizada na constelação de Delfim. Quando uma estrela chega muito perto de um buraco negro, as forças gravitacionais desse último geram “marés” que rasgam a estrela, criando um fluxo de gás em direção ao buraco negro (formação de um disco de acreção). Partículas nesse gás podem ser aceleradas a velocidades próximas da luz, podendo criar também jatos muito energéticos associados com a liberação de neutrinos de alta energia.
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   MAPA GALÁCTICO

            Pela primeira vez, astrônomos observaram nossa galáxia através de um meio outro que a luz (radiação eletromagnética, fótons): neutrinos. O feito foi descrito e reportado recentemente no periódico Science Advances (Ref.13).

Composição artística do plano da Via Láctea vista através de neutrinos (azul).

          Os dados para essa observação vieram justamente do observatório IceCube, através de detecções de neutrinos de alta energia oriundos de várias partes da Via Láctea e acumuladas ao longo de 10 anos. Com esses dados, os astrônomos conseguiram produzir um mapa da nossa galáxia. O próximo passo é o desenvolvimento de sistemas mais sensíveis de detecção ao redor do globo capazes de captar de forma mais efetiva neutrinos de baixa a alta energia, permitindo observações astronômicas ainda mais precisas com essas partículas (Ref.14).

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   CONCLUSÃO

          Os neutrinos, junto com as ondas eletromagnéticas e as ondas gravitacionais (6), marcam uma nova era da Astronomia e da Física em geral. Temos agora três janelas para a observação do Universo e para a contínua construção dos pilares da Física Moderna. E, em breve, um marco histórico e revolucionário é esperado de ser alcançado: a determinação da bendita massa desse enigmático fantasma.



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://icecube.wisc.edu/info/neutrinos 
  2. https://www.science.org/doi/full/10.1126/science.aat1378
  3. https://www.science.org/doi/full/10.1126/science.aat2890
  4. https://www.nature.com/articles/d41586-018-05931-2 
  5. https://www.nature.com/articles/s41567-018-0172-2
  6. http://www.sciencemag.org/news/2017/06/weighing-universes-most-elusive-particle
  7. https://www.washington.edu/news/2019/09/16/katrin-neutrino-mass-estimate-in-half/
  8. https://iopscience.iop.org/article/10.3847/1538-4357/ab86bd
  9. Plavin et al. (2021). Directional Association of TeV to PeV Astrophysical Neutrinos with Radio Blazars. The Astrophysical Journal, Volume 908, No. 2. https://doi.org/10.3847/1538-4357/abceb8
  10. https://www.nasa.gov/feature/goddard/2021/nasa-s-swift-helps-tie-neutrino-to-star-shredding-black-hole
  11. The KATRIN Collaboration (2022). Direct neutrino-mass measurement with sub-electronvolt sensitivity. Nature Physics 18, 160–166. https://doi.org/10.1038/s41567-021-01463-1
  12. Buson et al. (2022). Beginning a Journey Across the Universe: The Discovery of Extragalactic Neutrino Factories. The Astrophysical Journal Letters, Volume 933, No. 2. https://doi.org/10.3847/2041-8213/ac7d5b
  13. IceCube Collaboration et al. (2023). Observation of high-energy neutrinos from the Galactic plane. Science, Vol. 380, Issue 6652, pp. 1338-1343. https://doi.org/10.1126/science.adc9818
  14. https://www.nature.com/articles/d41586-023-02427-6
  15. H.E.S.S Collaboration (2024). Acceleration and transport of relativistic electrons in the jets of the microquasar SS 433. Science, Vol. 383, Issue 6681, pp. 402-406. https://doi.org/10.1126/science.adi2048