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É recomendado realizar a circuncisão?


- Atualizado no dia 18 de janeiro de 2023 -

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        A circuncisão é possivelmente a mais frequente cirurgia eletiva realizada nos homens ao redor do mundo. Basicamente, o procedimento pode ser descrito como a remoção do prepúcio (pele que recobre a glande do pênis), tanto para fins religiosos e culturais quanto para fins médicos. Geralmente, o procedimento é realizado já nos primeiros dias de vida do bebê após o consentimento dos pais. Nas últimas décadas, diversos estudos foram publicados sobre a questão, analisando o balanço de riscos e benefícios do procedimento para basear recomendações visando o interesse da saúde pública. Afinal, vale a pena realizar a circuncisão do pênis nos bebês recém-nascidos?

          No artigo abaixo serão explorados:
  • PREPÚCIO (Uma breve descrição da pele recobrindo a cabeça do pênis) 
  • HISTÓRIA (A história resumida por trás da origem e adoção da circuncisão por diferentes civilizações)
  • RISCOS E BENEFÍCIOS (Balanço dos riscos e benefícios trazidos com o procedimento)
  • OPOSITORES (Principais críticas contra a prática da circuncisão nos homens)
  • CONCLUSÃO

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   PREPÚCIO

        A pele cobrindo o corpo do pênis é alongada durante a 8° semana de gestação e o prepúcio começa a se desenvolver a partir dessa extensão ectodérmica. Inicialmente, existe uma aderência entre o epitélio escamoso da glande e a superfície interna do prepúcio, a qual geralmente continua no período pós-parto (fimose). O prepúcio pode ser retratado em apenas 4% dos recém-nascidos, mas a porcentagem aumenta para 90% aos três anos de idade e para 97-99% em homens não-circuncidados aos 17 anos de idade.


        A retração inicial do prepúcio envolve a separação do epitélio interior do prepúcio a partir da glande. A separação geralmente ocorre via descamação de células epiteliais, processo que forma uma estrutura branca chamada de 'esmegma'. Ereções noturnas também participam como ajudantes nesse processo. Quando a criança ou o bebê finalmente se livra da fimose, o prepúcio pode ser retraído à vontade, com isso ocorrendo automaticamente a partir de uma ereção.

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   HISTÓRIA DA CIRCUNCISÃO

          A circuncisão é um procedimento cirúrgico muito antigo, com evidências em múmias antigas e registros arqueológicos datando-o há cerca de 15 mil anos a partir da cultura Heliolítica, 5 mil anos na região sul Africana, e 3 mil anos no Oriente Médio. Aliás, a circuncisão é o procedimento cirúrgico documentado mais antigo (!). Praticada para rituais religiosos e provavelmente para propósitos médicos, a circuncisão parece ter emergido no Egito - talvez inspirada pela mitologia de Osíris - e adotada pelas tribos Semíticas do Ocidente. No período bíblico, o procedimento se tornou uma doutrina religiosa descrita no Contrato entre Deus e Abraão no livro do Gênesis, passando a fazer parte da cultura religiosa Judia e Muçulmana.


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(!) É o mais antigo procedimento cirúrgico documentado (ex.: registro em arte e escrita). Mas existem evidências arqueológicas de outros procedimentos cirúrgicos muito mais antigos. Exemplo notável: Revelada a mais antiga cirurgia de amputação conhecida: Há 31 mil anos uma criança teve parte da sua perna esquerda deliberadamente amputada
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        Muito provavelmente, a prática da circuncisão se consolidou como parte de uma rotina normal no Egito a partir de uma modificação da amputação peniana. O pênis, considerado um símbolo de poder dos homens, era muitas vezes amputado dos inimigos para tirar-lhes a masculinidade e impedi-los de engravidar as mulheres dos conquistadores (ou que simplesmente se reproduzissem). De acordo com inscrições no templo Karnak, estima-se que o Faraó Merneptá (1212 a.C.) coletou mais de 13240 pênis como troféus de guerra. Faraós e sultões, então, ficavam assegurados que suas esposas e amantes estivessem 'prevenidas' de se envolverem sexualmente com soldados derrotados trabalhando como escravos nos haréns reais.

        Como essas mutilações extremas certamente provocavam graves complicações e mortes entre os inimigos capturados, é inferido que os governantes do Egito passaram a adotar a circuncisão como uma forma menos invasiva de "amputação" peniana. Ou seja, o procedimento começou como uma punição simbólica e descriminatória. Em algum ponto da história Egípcia, os sacerdotes começaram a adotar o procedimento como um rito religioso. Na história mitológica do Egito, Seth, seu irmão e inimigo, cortou o Deus em 14 partes e as jogou no rio Nilo. A esposa de Osíris, Ísis, então, coletou as partes, costurou-as juntas, e embalsamou o corpo reconstruído para um enterro apropriado. No entanto, Ísis não conseguiu encontrar uma parte: justamente o pênis, o qual teria sido comido por um peixe mítico do Nilo, Medjed. Ela, então, ordenou que uma réplica de ouro fosse feita para completar o marido.



        Nesse sentido, os sacerdotes, aproveitando o procedimento de amputação simbólica praticada nos inimigos, resolveram praticar em si mesmos a circuncisão e a promovê-la como uma forma de adoração e demonstração de fidelidade ao Deus Osíris. Além disso, em outro mito Egípcio, dois Deuses de menor importância, Shu e Tefnut, teriam emergido das gotas de sangue derramadas quando Rá, o Deus Sol, circuncidou a si mesmo. Assim, não demorou muito para a circuncisão ser altamente valorizado pela aristocracia, e pelo ano de 450 a.C. já era uma prática muito popular na cultura do Egito. Aliás, Pitágoras (571-490 a.C.), o famoso filósofo e matemático Grego, teve que se submeter a uma circuncisão antes de poder entrar na grande Biblioteca de Alexandria.




         Nessa época, os sacerdotes Egípcios começaram a impor que a circuncisão era obrigatória de ser realizada antes que um faraó pudesse ascender ao trono. No entanto, ao desafiar a autoridade e a supremacia das autoridades religiosas, Amenhotep IV se opôs a todos os rituais celebrados pelos sacerdotes, incluindo a circuncisão. O ato foi parte de uma revolução religiosa durante o reinado de Amenhotep IV, a qual provavelmente iniciou uma nova reversão no status social da circuncisão. Já pela época do Êxodos Bíblico, eram os escravos com exclusividade que estavam, novamente, sendo circuncidados no Egito.

         Finalmente, os Judeus adotaram a circuncisão dos Egípcios através, alegadamente, do Profeta Moisés, o qual deixou o Egito com os escravos Hebreus. Moisés, o qual pode ser considerado o 'pai' da tradição, lei, rituais e autoridade administrativa Judias, não era circuncidado, mas exigia que todos os seus seguidores o fossem. A prática acabou se tornando algo crucial nos ritos religiosos Judeus. A tradição da circuncisão entre os Judeus foi desafiada quando Alexandre o Grande conquistou as terras desse povo entre 334 a.C. e 331 a.C., e, como resultado, a cultura Grega acabou se proliferando pelas comunidades Judias. Como para os Gregos o corpo humano em sua natural forma não deveria ser violado - de fato, como já mencionado, eles repudiavam a circuncisão -, muitos jovens Judeus passaram a oferecer resistência à prática para não serem vistos com maus olhos pelos estrangeiros. Isso enfureceu bastante os rabinos Judeus, os quais passaram, então, a argumentar veemente que o prepúcio era uma imperfeição que precisava ser cortada em ordem de revelar a correta forma do homem. Nos séculos seguintes, passando pela Idade Média, os oficiais Judeus continuaram a ser frequentemente pressionados a justificar a tradição da circuncisão em diferentes contextos.


          De acordo com a Bíblia, Abraão, além de circuncidar a si mesmo em uma idade avançada de 99 anos, também circuncidou seus filhos e seus escravos, obedecendo ao comando de Deus. Jesus, sendo um Judeu, também foi circuncidado no 8° dia da sua vida. Aliás, o 1° dia de Janeiro (8° dia após o Natal) era celebrado como a Festa da Circuncisão até o segundo conselho do Vaticano o redefinir como a Solenidade de Maria, a Mãe de Deus. Porém, apesar da sua própria circuncisão, Jesus não insistia nesse procedimento: "Para Jesus Cristo, nem a circuncisão nem a não-circuncisão contam para nada (Gálatas 5:6)." Nesse sentido, no Cristianismo, o ritual da circuncisão foi substituído pelo batismo, e, enquanto a Igreja Católica é neutra quanto à questão, setores como a Igreja Ortodoxa Oriental fortemente condenam a prática.

           No Islã, a circuncisão foi adotada como um ritual religioso sob o Profeta Maomé (Mohammad, 570-632 d.C.), mas, diferente do que muitos pensam, ela não é uma prática obrigatória para todos os Muçulmanos. Entre as 6 principais escolas das leis Islâmicas (Sharia), apenas a Shafi‘i torna a circuncisão mandatória, enquanto as outras 5 apenas a recomendam. E apesar da sua universalidade entre os Muçulmanos, a circuncisão (Khitan) não é mencionada no Alcorão (Quran). As escolas Islâmicas defendem esse aparente paradoxo dizendo que a prática é tão comum que não precisa ser descrita, assim como beber água. Nesse sentido, a circuncisão é encarada pleos Muçulmanos como uma tradição profética (sunnah) sancionada no Hádice (registro de palavras, ações e aprovações silenciosas de Maomé).



         No século XVIII, a circuncisão se tornou amplamente praticada independentemente do fator religioso. Médicos da Era Vitoriana usavam o procedimento para o tratamento de doenças diversas como tuberculose, masturbação excessiva, dor na bacia, paralisias e neurastenia. A lista era grande de doenças que supostamente poderiam ser tratadas com a retirada do prepúcio. Após a derrubada desses mitos, a circuncisão passou a ser comumente indicada para casos de fimose, onde existe uma inabilidade de retração do prepúcio. Assim, um alto número de circuncisões começou a ser realizada ano após ano, até que, em 1949, o médico Douglas Gairdner encontrou que a não-retractilidade do prepúcio é fisiológica no nascimento, sendo poucos os casos onde ela persiste em idades mais avançadas (adolescência e fase adulta). A partir desse momento, muitos na comunidade médica passaram a ver o procedimento como desnecessário nos recém-nascidos, com isso até mesmo fomentando movimentos anti-circuncisão, os quais taxam a prática como uma 'mutilação genital'.

        Nas últimas décadas, porém, investigações científicas descobriram que a circuncisão traz, sim, certos benefícios à saúde, especialmente em relação à transmissão da Aids (vírus HIV). Isso levou a uma ampla campanha de circuncisão pelas agências de saúde internacionais na África Subsaariana, região no mundo mais afetada, de longe, pela Aids. Porém, o debate ainda continua fervoroso sobre sua real necessidade em termos de balanço de riscos e benefícios em outras partes do mundo, principalmente entre as nações desenvolvidas, apesar de muitas importantes agências de saúde serem relativamente favoráveis ao procedimento.

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   BENEFÍCIOS E RISCOS

         Estima-se que 37-39% dos homens no mundo são, atualmente, circuncidados, taxa a qual varia bastante entre diferentes regiões devido, obviamente, ao aspecto religioso (aproximadamente 2/3 dos circundados são Muçulmanos). O procedimento é bem simples e geralmente realizado sob anestesia local. Quanto mais cedo feita a circuncisão, menores são os riscos de complicação. Nos recém-nascidos, as taxas de complicação são bem baixas, entre 0,2% e 0,5%, e a maioria delas são de baixa gravidade e facilmente tratadas. Entre as complicações mais comuns podemos citar hemorragia (35%), infecções de ferida (10%), meatite (8-20%) e infecções do trato urinário (2%). Abertura da ferida, insuficiente remoção do prepúcio, sepse, amputação da glande, entre outras complicações mais graves são muito raramente vistas. Claro, se o procedimento não fosse muito seguro, não teria milhares de anos de história e vasta aceptabilidade entre diferentes povos e culturas.


        Existem várias alegações infundadas de que a circuncisão gera prejuízos para as funções sexuais e de sensibilidade do pênis e para satisfação sexual do homem. Não existe suporte científico para tais alegações, e um pênis circuncidado mostra ter o mesmo potencial sexual e funcional daquele não-circuncidado. Aliás, homens com fimose que se submetem à cirurgia de circuncisão reportam melhorar substancialmente a vida sexual (Ref.38).

        São consideradas indicações absolutas para a circuncisão a balanite xerótica e as balanopostites recorrentes, que afetam aproximadamente 2% das crianças.

        Mesmo existindo baixos riscos associados ao procedimento - risco de complicação por qualquer causa e em qualquer grau de gravidade inferior a 4% (Ref.40) - , especialmente entre os recém-nascidos, e nenhum prejuízo futuro cientificamente comprovado para a funcionalidade do pênis, será que existem benefícios médicos além dos ritos religiosos que tornem a circuncisão algo minimamente recomendável do ponto de vista da saúde pública, excluindo-se as situações médicas obrigatórias? A resposta é sim, mas existem controvérsias. Segundo conclusão da Academia Americana de Pediatria (AAP), em agosto de 2012 (Ref.26):

1. Os benefícios de uma circuncisão em bebês recém-nascidos do sexo masculino excedem os riscos, mas tais benefícios não são grandes o suficiente para suportar uma recomendação universal do procedimento.

2. Pais deveriam receber informações corretas e não tendenciosas sobre a circuncisão antes da concepção ou no início da gravidez.

3. Acesso à circuncisão deveria ser fornecido de forma rotineira para aquelas famílias que escolhem o procedimento.

4. Treino e educação deveriam ser fornecidos para os médicos para otimizar suas competências no procedimento.

5. A circuncisão deveria ser realizada por profissionais treinados e competentes, usando técnicas estéreis e de efetivo controle de dor.

6. Os benefícios preventivos e para a saúde pública justificam o reembolso de terceira parte (financiamento público).

7. A decisão final de circuncisão deve ainda ser deixada para os pais fazerem em um contexto das suas crenças religiosas, éticas e culturais.

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IMPORTANTE: Fora de um ambiente hospitalar adequado para a cirurgia, e na ausência de profissionais médicos qualificados, o risco de sérias complicações aumenta substancialmente. Por exemplo, circuncisão ritualística complicada por gangrena é uma das principais causas de perda peniana em homens jovens na África do Sul (Ref.45). Existe também a mais do que irresponsável e perigosa prática de auto-circuncisão, onde indivíduos compram produtos vendidos na internet - e não aprovados por agências médicas e regulatórias - com o propósito de removerem por conta própria a pele do prepúcio (Ref.46).
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         Segundo diversos estudos epidemiológicos, randomized clinical trials, e revisões sistemáticas e meta-análises da literatura acadêmica, podemos citar os seguintes benefícios oriundos da circuncisão do pênis:

1. Infecções do Trato Urinário (ITUs): Entre bebês do sexo masculino com menos de 1 ano de idade, as ITUs afetam 1-2% daqueles não-circuncidados comparado com 0,1-0,2% entre os circuncidados. Após essa idade, a proteção diminui, mas continua considerável, onde estudos recentes sugerem que 1 em cada 12 homens circuncidados experienciam uma ITU ao longo da vida, em comparação com 1 em cada 3 entre os não-circuncidados. Apesar dessas infecções não serem comuns nos homens (~1%) e serem tratáveis com antibióticos, a atual e crescente crise de resistência bacteriana que temos enfrentado torna as ITU potencialmente perigosas, além do uso excessivo de antibióticos ser o principal fator para o surgimento de superbactérias (1).


2. Fimose:
A fimose é uma condição onde o prepúcio não pode ser retraído parcialmente ou completamente, e pode ser dividida em dois tipos: fisiológica ('natural') ou patológica. No caso da fisiológica, a adesão do prepúcio à glande é normal, como já mencionado, sendo resolvida naturalmente ao longo da vida da criança. No caso patológico, a fimose é adquirida através de tecido cicatrizado oriundo de diversas fontes, como infecções por vírus e bactérias, problemas cutâneos ou mesmo acidentes mecânicos. Na pequena porcentagem de adolescentes e adultos (1-3%) que possuem uma fimose persistente, a circuncisão pode ser uma opção definitiva para se resolver o problema - e considerada o mais efetivo tratamento para a fimose -, apesar de existirem outros tratamentos também efetivos e talvez melhor indicados dependendo da causa e situação da fimose, como a utilização de cremes tópicos esteroides. 


          Sem tratamento, a fimose persistente na fase adulta pode, em alguns casos, gerar dor durante a ereção ou durante a relação sexual, além de dificultar a limpeza da cabeça do pênis (facilitando a infecção por bactérias ou fungos na região). Os pais nunca devem forçar o prepúcio a sair durante infância ou adolescência, porque isso pode levar a danos no pênis ou mesmo uma rara e perigosa condição onde o prepúcio retrai mas não volta mais à sua posição original (parafimose), o que pode levar à morte do tecido da glande.

3. Inflamação: Inflamação da glande (balanite) ou do prepúcio é também comum em homens não-circuncidados e pode contribuir para uma fimose secundária. A circuncisão parece diminuir drasticamente esse tipo de inflamação (obviamente, de forma definitiva nos casos onde o prepúcio é acometido).

4. Higiene: Em um pênis circuncidado, a limpeza da cabeça (glande) do pênis é facilitada, tanto ativamente na hora do banho quanto ao dificultar o acúmulo de sujeira, o que pode diminuir os casos de irritação e inflamação cutâneas, e de infecções diversas.

5. Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs): Diversos estudos clínicos e de revisão têm mostrado que certas DSTs são mais prevalentes em homens heterossexuais não-circuncidados, principalmente as infecções pelo papilomavírus humano (HPV) e pela Aids (ambos apenas no caso de infecção mulher-para-homem durante o sexo vaginal). Isso é corroborado pelo CDC (Centro de Controle e Doenças dos EUA) (Ref.13, 35). Outras DSTs também parecem ganhar uma inconclusiva proteção com a circuncisão, como a sífilis, cancroide, doença genital ulcerosa, e infecções causadas pelos Trichomonas vaginalis e Mycoplasma genitalium. Evidências mais recentes também sugerem que a circuncisão também protege homens homossexuais da infecção pelo HIV (23% menor risco) e possivelmente do HPV e do vírus da herpes (Ref.36). Porém, é preciso lembrar sempre que a melhor forma de prevenção contra as DSTs, de longe, é o uso de camisinhas.



          Até o final de 2018, é estimado um total de 23 milhões de homens foram circuncidados na África como parte de programas (Circuncisão Médica Voluntária nos Homens) implementados em 15 países prioritários a partir de 2008. Durante esse período, é reportado um declínio de 36% nos casos de infecção por HIV no sul e no leste do continente (Ref.37). A causa biológica para a circuncisão proteger contra a infecção por certos vírus é baseada em estudos imunohistológicos e histopatológicos que têm encontrado uma maior densidade de células suscetíveis ao ataque viral na mucosa interna da pele do prepúcio.         

6. Câncer de pênis: Os mais importantes fatores de risco para o desenvolvimento de um câncer no pênis é a presença do prepúcio (geralmente o tumor se desenvolve sobre essa pele ou na cabeça do pênis), de fimose (cerca de 90% dos pacientes com esse câncer possui um histórico de fimose), baixa higiene no pênis, e a infecção pelo HPV (30-80% dos casos possuem uma associação), o que explica o porquê da circuncisão ser um fator de proteção contra essa doença junto com a vacina contra o HPV, especialmente se realizada em recém-nascidos. De fato, Israel é o país com a menor taxa de câncer de pênis no mundo (0,1 para cada 100 mil homens). Outros fatores de risco incluem estar com mais de 50 anos de idade e ser fumante e piores condições socioeconômicas. Esse último fator de risco provavelmente se relaciona a alguns fatores, como a demora em buscar atendimento médico, o estigma da doença, o medo do tratamento e a falta de conhecimento sobre o diagnóstico. Evidências acumuladas também apontam infecção com o HIV como um relevante fator de risco (Ref.48), também ajudando a explicar a circuncisão como fator de proteção contra esse tipo de câncer. 

           Em geral, o CP apresenta-se como uma lesão palpável, visível e indolor no pênis. Não obstante, os pacientes podem se queixar de dor, corrimento, sangramento ou mal odor, especialmente se houver demora em procurar tratamento médico. Aproximadamente 95% dos casos originam nas células epiteliais escamosas e podem ser classificados como carcinoma de células escamosas ou neoplasia intraepitelial peniana.          

          Um recente estudo clínico randomizado englobando quase 2,2 mil homens sexualmente ativos com idades de 18 a 24 anos na região de Kisumu, no Quênia, encontrou que o procedimento de circuncisão diminuiu significativamente o risco de infecção pelo HPV, de reinfecção e o tempo para eliminação de uma infecção ativa nas glandes (Ref.41). Enquanto que a prevalência de HPV era de 50% para ambos os grupos no início (circuncidados e não-circuncidados), após 24 meses de acompanhamento a prevalência diminuiu para 23,7% no grupo circuncidado e para 41% no grupo não circuncidado. 

        É importante realçar que o câncer de pênis é raro, afetando, por exemplo, menos de 620 homens no Reino Unido e 0,9-1 em cada 100 mil homens nos EUA, anualmente. Aqui no Brasil, afeta cerca de 2% dos pacientes com câncer, principalmente na região Norte e Nordeste, com 402 mortes em 2015 de acordo com o INCA (Instituto Nacional de Câncer); a taxa de ~400 mortes/ano tem se mantido estável nos últimos anos. A taxa alcança 6,1/100 mil casos entre os habitantes do sexo masculino do estado do Maranhão, sugerindo que esse estado da Região Nordeste pode ter a mais elevada taxa de incidência de câncer de pênis no mundo (Ref.47).

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   OPOSITORES

        Apesar dos comprovados benefícios, o debate no meio médico sobre a necessidade da circuncisão, especialmente como procedimento de rotina, é ainda bastante controverso. Muitos especialistas apontam que os benefícios são bastante limitados, não dando suporte para se recomendar uma cirurgia visando a total remoção do prepúcio sem uma explícita urgência e ignorar os riscos associados (apesar desses últimos serem mínimos). É apontado também que boa parte dos procedimentos ainda são realizados sob a justificativa da fimose, independentemente se na grande maioria dos casos a fimose naturalmente será resolvida pelo próprio corpo. Sobre a questão de prevenção de cânceres de pênis e de ITU nos homens, é lembrado que essas são doenças raras.

          No caso da Aids, as críticas são voltadas para o fato de que estudos de grande peso só foram realizados em sua maioria na África Subsaariana, algo que pode não ser reproduzido em países desenvolvidos, onde a incidência dessa doença é bem menor, onde a transmissão da doença possui importante contribuição da prática homossexual  e onde o investimento em campanhas de uso da camisinha provavelmente dariam melhores resultados. 

          Existe também uma preocupação 'legal' sobre o procedimento, onde uma parte saudável do corpo está sendo retirada sem o consentimento do indivíduo, o que pode caracterizar uma mutilação, assim como as mutilações genitais que visam as mulheres (2). Nesse sentido, é sugerido que a circuncisão só deveria ser feita após a idade legal de maioridade (apesar dos maiores riscos de complicações cirúrgicas nessa idade).

          Outra alegada preocupação seria a suposta "compensação do risco de HIV", onde a proteção contra a doença oferecida pela circuncisão poderia aumentar comportamentos de risco (ex.: sexo sem preservativo) entre os homens devido a uma falsa sensação de segurança, aumentando inclusive o risco para outras doenças infecciosas (Ref.43). Porém, uma robusta e recente revisão sistemática e meta-análise publicada no periódico The Lancet Global Health (Ref.44) concluiu que a promoção de circuncisão como uma medida de prevenção ao HIV não parece aumentar comportamentos sexuais de maior risco em homens heterossexuais, mas que programas de educação sexual precisam ser mantidos como componentes complementares vitais. 

         Por fim, alguns especialistas apontam que não existem estudos suficientes sobre todo o espectro de funções do prepúcio para o pênis, sendo, portanto, imprudente sair retirando-o por causa de benefícios mínimos e/ou para satisfazer orientações culturais e religiosas.

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(2) Existem também procedimentos de 'circuncisão' feminina, mas que não possuem benefícios ou propósitos médicos, e que são considerados um crime grave em diversos países. A FGM/C (Mutilação ou Corte da Genitália Feminina, na tradução do inglês) engloba as práticas de furar, cortar, remover ou costurar junto toda ou parte da genitália externa feminina (vulva e clitóris) sem nenhuma razão médica. Estudos estimam que em torno de 140 milhões de mulheres e garotas ao redor do mundo estão vivendo hoje com algum tipo de FGM/C, prática a qual é frequentemente parte da cultura de vários países. Diversos órgãos de saúde e autoridades governamentais tentam banir de vez a prática, a qual, além de não possuir benefícios médicos, pode causar problemas de saúde a longo prazo.
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   CONCLUSÃO

        A circuncisão é um dos procedimentos cirúrgicos mais relatados na história da cirurgia. Realiza-se esse procedimento entre os homens por três motivos principais: como uma prática religiosa ou cultural, como medida profilática, ou para tratar doenças. No Brasil, raramente se faz circuncisão profilática ou por motivo religioso, e nunca pelo sistema público de saúde.

         Devido à parcial e limitada proteção conferida pelo procedimento na prevenção da Aids, a OMS (Organização Mundial de Saúde) junto com a UNAIDS pesadamente vêm promovendo a circuncisão de homens na África Subsaariana, onde a prevalência da doença é muito alta. Entre 2007 e 2016, quase 15 milhões de circuncisões foram realizadas nessa região, e a UNAIDS já estabeleceu a meta de ter 90% dos homens entre idades de 15 e 29 anos circundados até 2021 (sob uma base voluntária), apesar de certas controvérsias (!). Fora do contexto Africano, a questão da circuncisão ainda continua bastante debatida, com alguns médicos ainda vendo a prática como desnecessária na grande maioria dos casos, apesar de outros advogarem a favor.

> (!) Leitura recomendada: Campanhas de circuncisão na África são uma forma de racismo sistêmico e de 'Neocolonialismo', argumenta estudo

          No geral, a circuncisão é um procedimento cirúrgico bem seguro e que comprovadamente traz alguns benefícios. Por outro lado, ainda é um procedimento cirúrgico, e estará associado a não-desprezíveis riscos mesmo quando realizado por profissionais bem capacidades e em ambiente hospitalar. Os pais precisam conversar com o médico responsável antes de decidirem sob a questão, e preferencialmente antes do parto ou da gravidez, já que o procedimento é preferencialmente carregado nos primeiros dias de vida do bebê e é mais seguramente realizado nessa fase.


             

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IMPORTANTE: As mulheres podem ter um problema similar aos homens em termos de adesão do prepúcio. A glande clitoriana é coberta também por uma pele prepucial que normalmente se move sobre a superfície da glande e pode ser retraída além da corona. Adesões clitorianas, indo de suaves a severas, ocorrem quando a pele do prepúcio adere ao tecido da glande. Nesse cenário de compartimento fechado, o espaço sob o prepúcio aderido e o clitóris pode se tornar irritado, eritematoso, ou infectado, devido ao acúmulo de células escamosas e esmegma, resultando em possível disfunção sexual. Em um estudo de 2018, publicado no periódico Sexual Medicine (Ref.34), os pesquisadores encontraram uma prevalência de 23% de adesão prepucial entre as mulheres (grupo analisado de 1261 mulheres), com 22% desses casos classificados como severos. Portanto, o problema parece ser bem comum, colocando um grande número de mulheres sob alto risco de desenvolverem disfunções sexuais. Especialistas aconselham que mulheres apresentando sintomas de disfunção sexual (dor sexual, infecção do trato urinário, transtorno genital de excitamento, trauma genital, entre outros) se submetam a exames físicos clitorianos rotineiros para verificar o estado de adesão prepucial.
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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16402509
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11155508
  3. https://www.jpedsurg.org/article/S0022-3468(18)30184-2/fulltext
  4. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022346818301842
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8380060
  6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3684945/
  7. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2878423/
  8. https://medlineplus.gov/circumcision.html
  9. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4364150/
  10. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5478224/
  11. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5296634/
  12. https://www.womenshealth.gov/pregnancy/getting-ready-baby/circumcision
  13. https://wwwn.cdc.gov/hivrisk/decreased_risk/male_circumcision.html
  14. https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/14767058.2017.1319931
  15. https://jme.bmj.com/content/unethical-not-recommend-circumcision
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  21. https://www.cancer.gov/types/penile/patient/penile-treatment-pdq
  22. http://www.scielo.br/pdf/eins/v10n3/v10n3a15.pdf
  23. http://www.blog.saude.gov.br/index.php/promocao-da-saude/53061-falta-de-higiene-pode-causar-cancer-de-penis
  24. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0365-05962011000600004
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