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Enxaqueca: Anticorpos são a resposta de cura?


- Atualizado no dia 26 de março de 2019 -

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         Se você sofre com enxaqueca, você, definitivamente, não está sozinho. É estimado que 12-15% das pessoas são afetadas pelo problema a nível mundial, acometendo, aproximadamente, 20% das mulheres, 6% dos homens e 4-8% das crianças. Porém, estudos conduzidos por neurologistas apontam incidências tão altas quanto 27-48%, considerando variados graus do problema. As dores recorrentes tragas pela enxaqueca trazem grandes prejuízos para a qualidade de vida do indivíduo e há décadas os cientistas tentam, sem muito sucesso, encontrar tratamentos universais e eficazes que previnam as crises de enxaquecas.

        Recentemente, o FDA aprovou o primeiro medicamento eficaz baseado em anticorpos que previne os episódios de enxaqueca por uma via ainda não explorada no mercado, trazendo grande esperança para dezenas de milhões de pessoas ao redor do mundo que não conseguem bons resultados com as opções de tratamento hoje disponíveis. Aqui no Brasil, o medicamento já está sob análise da Anvisa, e os médicos esperam que ele seja liberado no país ainda no primeiro semestre de 2019.

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ATUALIZAÇÃO (26/03/19): A Anvisa aprovou esta semana o erenumab para ser usado na prevenção de enxaqueca (Ref.14). O medicamento deve chegar com um alto preço no Brasil, já que seu preço atual nos EUA está em torno de US$6900,00 (cerca de R$26000,00 pela cotação hoje do dólar). O fármaco injetável será comercializado no território Brasileiro pela Novartis, com o nome de Pasurta. Segundo Luíz Boechat, diretor da Novartis Brasil, 175 mil pacientes já fazem uso do medicamento. Após a aprovação da Anvisa, a droga agora espera uma definição de limite de preço por parte da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos). De acordo com Boechat, como é uma medicação imunobiológica, de fabricação complexa e manejo complexo, mas simples de usar, é de se esperar qu eo preço seja bem diferentes de uma medicação sintética.
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         OBS.: A parte inicial deste artigo revisa brevemente o tema. No tópico 'AIMOVIG' o novo medicamento aprovado é explorado.

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   ENXAQUECA

         A enxaqueca, também conhecida como migrânea, é uma doença que se caracteriza por crises repetidas de dor de cabeça que podem ocorrer com uma freqüência bastante variável: enquanto alguns pacientes apresentam poucas crises durante toda a vida, outros relatam diversos episódios a cada mês. Uma crise típica de enxaqueca é reconhecida pela dor pulsante que frequentemente envolve metade da cabeça, piora com qualquer atividade física, está geralmente associada ao desconforto com a exposição à luz, aos sons altos e com náuseas e vômitos, e pode durar até 72 h.

         Atingindo três vezes mais as mulheres do que os homens, algumas pessoas - cerca de 1/5 dos afetados - podem dizer quando elas estão prestes a ter um episódio de enxaqueca, porque conseguem ver clarões de luz, linhas em ziguezague ou até mesmo perda temporária de visão minutos antes da crise (conjunto de sintomas neurológicos conhecido pelo nome de 'aura'). Para os indivíduos com a condição, são muitos os gatilhos que podem ativar uma crise de enxaqueca, incluindo: ansiedade, estresse, falta de sono, exposição à luz forte, alimentos específicos e mudanças hormonais (nas mulheres). Estudos também já mostraram que a enxaqueca é um importante fator de risco para doenças cardiovasculares, especialmente em jovens mulheres que sofrem com crises acompanhadas por auras.

         A enxaqueca é a cefaleia que mais ganha foco no meio acadêmico, por causa da sua grande prevalência e devido ao seu grande impacto na qualidade de vida das pessoas, e já sendo descrita em detalhes pelo Grego Hipócrates no século V a.C. Durante boa parte do século XX, os médicos costumavam acreditar que as enxaquecas estavam ligadas à dilatação e à constrição dos vasos sanguíneos na cabeça, baseando-se no relato dos pacientes sobre a natureza 'pulsante' das dores. Porém, estudos iniciados a partir da década de 1990 derrubaram essa hipótese. Hoje, acredita-se que a causa está relacionada a genes que controlam a atividade de algumas células cerebrais.

         Estudos com gêmeos idênticos já mostraram que a enxaqueca é uma doença genética complexa, inter-relacionando fatores genéticos e ambientais, com uma causa hereditária estimada em ser tão alta quanto 65%. Porém, até hoje, os cientistas não conseguiram identificar os genes que podem estar diretamente relacionados com o problema. Um forte candidato encontrado a partir de estudos publicados em 2010 é o gene TRESK, o qual contém instruções para um canal de íon-potássio (canais de potássio são importantes na manutenção de células nervosas em descanso e mutações nos genes associados podem levar a uma super-atividade ligada a respostas diversas, incluindo sensação de dor).



          Em relação à maior prevalência nas mulheres, resultados de um estudo publicado no periódico Frontiers in Molecular Biosciences (Ref.15) sugeriram que hormônios sexuais afetam células ao redor do nervo trigeminal e de vasos sanguíneos conectados no cérebro, com estrógenos - os quais estão em seu maior nível nas mulheres em idade reprodutiva - sendo particularmente importantes para sensibilizar essas células no sentido de engatilhar a enxaqueca.

          Ainda não existe uma cura para a enxaqueca, especialmente considerando que seus mecanismos fisiológicos ainda não são muito bem entendidos. Para o alívio das dores durante as crises, tradicionalmente utilizam-se os seguintes fármacos: Ácido acetilsalicílico, Paracetamol, Dipirona, AINEs, Ergotamina, DHE (di-hidroergotamina), Clonixilato de lisina, Indometacina, Clorpromazina, Dexametasona, Haloperidol, Noratriptano, Sumatriptano, Zomitriptano e Rizatriptano. Os triptanos mostram-se especialmente eficazes nessa função, acabando com um ataque migrâneo em cerca de 50-60% das pessoas que os utilizam, apesar de trazer um efeito indesejado compartilhado por muitos medicamentos para esse fim: se utilizado com frequência, as dores de cabeça tendem a se tornar mais frequentes e severas.

         Já para os tratamentos profiláticos (visando a prevenção das crises), existem poucas opções com boa eficácia, onde podemos citar especificamente a Toxina Botulínica, o Topiramato e os beta-bloqueadores. A toxina Botulínica A já mostrou ser bastante eficaz na prevenção de enxaquecas crônicas. Reeducação alimentar, atividades físicas e técnicas de relaxamento também podem ter um impacto importante na diminuição no número e severidades dos ataques de enxaqueca, assim como outras alternativas terapêuticas com limitadas evidências de efetividade. Identificar e evitar os fatores de gatilho também é uma boa estratégia de prevenção. Mulheres com enxaquecas disparadas pelo ciclo menstrual costumam ter bem menos ataques e menor severidade nesses últimos após a menopausa.

        Em todas essas vias terapêuticas, existem efeitos colaterais de curto ou longo prazo que muitas vezes acabam afastando os pacientes do tratamento ou não são recomendados para todos os pacientes devido ao balanço desfavorável de custos e benefícios (1).

(1) Sugestão de leitura:

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   CGRP

          A partir de estudos iniciados na década de 1990, os pesquisadores descobriram que um peptídeo de 37 aminoácidos chamado de 'peptídeo geneticamente relacionado à calcitonina' (CGRP na sigla em inglês - cacitonin gene-related peptide) era a única molécula proteica que aumentava em concentração no sangue em um amplo espectro de biomoléculas analisadas durante ataques de enxaqueca. O CGRP é um conhecido vasodilatador, mas fortes evidências nos últimos anos se acumularam sugerindo que esse peptídeo parece também atuar como uma espécie de neurotransmissor em áreas do cérebro associadas com o processamento de dor.

         Nesse sentido, muitos cientistas passaram a acreditar que era possível parar as enxaquecas na raiz do problema ao bloquear o CGRP. Isso levou diversos grupos de pesquisa e empresas farmacêuticas a investirem no desenvolvimento de bloqueadores para esse fim. Muitas substâncias, artificialmente arquitetadas ou não, foram testadas, mas todas acabaram mostrando ou baixa efetividade ou sérios efeitos colaterais. Então, surgiu a ideia de usar anticorpos para esse trabalho, os quais possuem alta especificidade.

        Testes clínicos iniciais com diferentes anticorpos bloqueadores de atividade do CGRP a partir de 2014 renderam excelentes resultados. Participantes com enxaqueca que recebiam as injeções com esses anticorpos mostravam grandes melhoras, e cerca de 15% deles experienciaram completo alívio a longo prazo (>6 meses). Cientistas começaram a falar sobre cura da enxaqueca, apesar de outros mostrarem um menor otimismo, lembrando que se o CGRP fosse o principal fator disparando uma enxaqueca, era para se esperar que uma maior parcela dos participantes fossem "curados". De qualquer forma, é inegável que o CGRP está envolvido nos ataques de enxaqueca.


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   AIMOVIG

          Em 2018, o FDA (Administração de Drogas e Alimentos dos EUA) aprovou o primeiro medicamento da classe pertencente aos anticorpos que bloqueiam a atividade do CGRP (Ref.7). Chamado de Aimovig (erenumab-aooe), ele é baseado em um anticorpo monoclonal que bloqueia os receptores do CGRP, visando prevenir os ataques de enxaqueca em adultos a partir de uma auto-injeção mensal.


         A efetividade o Aimovig para a prevenção de enxaquecas foi avaliada em três testes clínicos pelo FDA. O primeiro estudo incluiu 955 participantes com um histórico de enxaquecas episódicas, comparando um grupo sob tratamento com o Aimovig e outro sob um placebo. Aqueles que tomaram as injeções de Aimovig experienciaram, na média, de 1 a 2 dias mensais a menos sem enxaqueca do que o grupo sob placebo. Já o segundo estudo incluiu 577 pacientes com um histórico de enxaquecas episódicas, relatando, na média, 1 dia mensal a menos de enxaqueca quando comparado com um placebo. O terceiro estudo avaliou 667 pacientes com enxaqueca crônica, relatando uma média de 2,5 dias mensais a menos de enxaquecas quando comparado com um placebo. O primeiro estudo teve uma duração de 6 meses, e os outros dois uma duração de 3 meses.

         Entre os pacientes tratados com sucesso no terceiro teste clínico - envolvendo indivíduos com enxaquecas crônicas, caracterizadas por, no mínimo, 15 dias mensais sofrendo com as crises de dor -, muitos pacientes relataram um corte médio em torno de metade dos dias mensais com enxaqueca.

         Os únicos efeitos colaterais reportados foram algumas reações adversas no local das injeções (não relacionadas ao conteúdo das injeções) e casos isolados de constipação.

         No entanto, segundo uma análise do Institute for Clinical and Economic Review (Ref.10) - uma instituição internacional sem fins lucrativos -, quando se considera os custos e benefícios da nova classe de drogas da qual o Aimovig faz parte, as evidências suportando o uso de erenumb é insuficiente em pacientes com enxaquecas crônicas e episódicas que ainda não experimentaram outros tratamentos. Por outro lado, para aqueles pacientes que não encontraram bons benefícios nos tratamentos alternativos, o erenumb é uma opção válida.

        Já uma recente revisão publicada no JAMA (Ref.11) considera que a nova classe de drogas (anticorpos monoclonais) é um progresso, mas não uma cura universal. Além disso, mais estudos a longo prazo são necessários para avaliar possíveis efeitos colaterais e efetividade após anos de tratamento.

         As empresas que já estão comercializando o Aimovig são a Novartis e a Amgen, com ambas detendo o direito de venda nos EUA. No território Norte-Americano, as injeções mensais estão custando cerca de U$ 600 (~ R$ 2230). No resto do mundo, a Novartis possui exclusividade de venda, com exceção do Japão, onde a Amgen deterá o monopólio.

         A Norvatis espera que a Agência de Medicina Europeia aprove o medicamento nos próximos meses. Aqui no Brasil, o medicamento deve ser liberado pela Anvisa no primeiro semestre de 2019.
       

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   CONCLUSÃO

         Para pessoas que sofrem com enxaquecas e não encontram boa eficácia nos tratamentos hoje disponíveis no mercado - ou que não toleram seus efeitos colaterais - surge uma nova alternativa bastante eficaz de tratamento para a enxaqueca, além de extremamente segura e com efeitos colaterais quase que desprezíveis, pelo menos com base nos estudos clínicos conduzidos até o momento. Mas o mais importante é que isso marca o início do fomento para a otimização dos bloqueadores de CGRP e um passo a mais na corrida pela cura da mais problemática entre as cefaleias.



REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://medlineplus.gov/migraine.html 
  2. http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n2/v65n2a23.pdf 
  3. https://www.ninds.nih.gov/Disorders/All-Disorders/Migraine-Information-Page
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmedhealth/PMHT0024778/ 
  5. http://europepmc.org/abstract/med/28247836
  6. http://www.sciencemag.org/news/2018/05/will-antibodies-finally-put-end-migraines
  7. https://www.fda.gov/NewsEvents/Newsroom/PressAnnouncements/ucm608120.htm
  8. https://www.bmj.com/content/361/bmj.k2228.full
  9. https://www.nature.com/articles/nbt0318-207
  10. https://icer-review.org/wp-content/uploads/2017/11/ICER_Migraine_Draft_Report_041118.pdf
  11. https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2681173
  12. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/brb3.950
  13. https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2018/10/droga-injetavel-e-nova-esperanca-contra-as-crises-de-enxaqueca.shtml
  14. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2019/03/anvisa-aprova-medicamento-para-prevencao-de-enxaqueca.shtml
  15. https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmolb.2018.00073/full