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Tripofobia é um medo ou um nojo?


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         Se você chegou a este artigo, dando de cara com a imagem acima e, imediatamente, sentiu uma agonia e desconforto inexplicáveis, é provável que a tripofobia seja a responsável. Reconhecida popularmente como um 'medo de buracos', a tripofobia só em anos recentes está sendo melhor caracterizada e estudada, e as evidências acumuladas até o momento indicam que ela é bem mais comum do que se imagina e parece ter uma origem evolucionária. Mas será que essa condição é um real 'medo'?

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   TRIPOFOBIA

         A tripofobia é a resposta aversiva ou expressão de sensações desagradáveis - e frequentemente respostas somáticas (ex.: arrepios) - induzidas pela observação de um aglomerado de buracos, relevos ou outras configurações específicas de frequências espaciais inofensivas de alto contraste - onde arranjos com texturas de buracos ou poros são os mais comuns aglomerados tripofóbicos reconhecidos. Apesar de ser algo bastante reportado por diversas pessoas, a tripofobia ainda não é listada oficialmente em classificações psiquiátricas, como na Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (American Psychiatric Association). Um estudo de 2013 (Ref.1), envolvendo 91 homens e 195 mulheres, sugere que cerca de 15% da população em geral é sensitiva às imagens associadas com a tripofobia. Aliás, esse foi o primeiro estudo peer-reviewed (revisado por pares) a analisar essa condição. Abaixo, imagens comuns em objetos do dia-a-dia que disparam a tripofobia.


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        Tal aversão possui diferentes graus de intensidades em seus portadores, como reportado em um estudo de 2015 (Ref.2), onde pesquisadores produziram uma escala baseada em vários tipos de sintomas e de características das imagens de exposição - Trypophobia Questionnaire (TQ). Esses sintomas podem cobrir um amplo espectro, indo de cognitivos (ex.: sentir-se desconfortável) e psicológicos ligados à ansiedade (ex.: ter dificuldade para respirar) até aqueles afetando a pele (ex.: coceira). Os tipos de imagens tripofóbicas também influenciam nesses sintomas dependendo dos arranjos nelas presentes, e quando os padrões ocorrem na pele a aversão parece aumentar de intensidade (como pode ser visto na imagem abaixo). Algumas pessoas são tão intensamente incomodadas pela visão desses padrões que acabam não conseguindo ficar perto deles.



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> A imagem acima foi censurada por causar forte efeito em pessoas com tripofobia. Para ver a imagem, acesse: Flor-de-Lótus sobre uma pele
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          Ainda não se sabe o porquê de algumas pessoas desenvolverem a tripofobia e outras não, sendo esse um problema comum na explicação de fobias (por exemplo, algumas pessoas que não sofreram mordidas de cães podem se tornar fóbicas de cães, enquanto outras que já foram mordidas podem não desenvolver tal fobia). De um ponto de vista evolucionário, a tripofobia pode ser uma extensão de uma aversão intrínseca de cicatrizes, feridas, infecções de pele por parasitas e animais peçonhentos que apresentam padrões tripofóbicos (como no corpo de cobras ou aranhas), ajudando-nos a evitar doenças e envenenamento. Ou seja, pode ser uma herança evolucionária de algo que nos ajudava a evitar o perigo - seja no Homo sapiens ou em nossos ancestrais.


          Existe mais evidência de suporte para o cenário evolucionário onde a tripofobia emergiu como uma resposta aversiva a doenças virulentas e mortais, marcadas por desenvolvimento de agrupamentos de pústulas ou formas mais arredondadas na pele humana (de fato, muitas doenças patogênicas apresentam esse tipo de manifestação clínica, talvez o exemplo mais notável a varíola). Aliás, a imagem frequentemente reportada como a mais perturbadora para indivíduos tripofóbicos é justamente a montagem de uma flor de lótus sobe a pele humana, mencionada anteriormente.

         Somando-se a isso, é interessante mencionar que um estudo de 2016 (Ref.3) relacionou a tripofobia com a síndrome da ansiedade social - o medo de uma situação social que pode envolver o julgamento negativo de outras pessoas (prevalência estimada de 10-15% entre a população global). Estudos prévios já tinham revelado que as pessoas sofrendo com essa síndrome psiquiátrica possuem um medo de contato visual (olho com olho) ou de serem encaradas. No novo estudo, os pesquisadores mostraram - através de uma seleção de imagens de rostos e olhos aglomerados - que a ansiedade social tinha um efeito indireto significativo no desconforto associado com a aglomeração de olhos e faces (essa última em menor intensidade) e que esse efeito era mediado pela tripofobia. Isso sugere que tanto a ansiedade social quanto a tripofobia contribuem para a indução de desconforto quando um indivíduo é encarado por várias pessoas, além de mostrar que o espectro da tripofobia ser mais amplo do que era imaginado em relação aos gatilhos de exposição.


          Existe evidência também de que a tripofobia tende a ser experienciada de forma mais por pessoas que vivem em áreas mais urbanas (Ref.7). Como é pensado que tripofobia pode ser uma reação de aversão a infecções e animais peçonhentos, é sugerido que pessoas em áreas menos urbanas são menos sensíveis a imagens tripofóbicas, mesmo possuindo tripofobia, porque estão mais expostas a esses dois elementos desde a infância.

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   MEDO OU NOJO?

         Uma fobia pode ser definida como um medo marcado e persistente de um objetivo ou situação específicos que invariavelmente provoca ansiedade. Além disso, o indivíduo pode reconhecer que o medo é excessivo e irracional. As causas para tais medos são geralmente difíceis de serem decifradas, podendo ser baseadas em princípios evolucionários, condicionamentos clássicos e pelo papel de pensamentos e crenças sobre objetos e situações. As mais proeminentes teorias que são oferecidas e que possuem potencial de explicar isoladamente todas as fobias envolvem ou o aprendizado ou, de forma mais aceita, os mecanismos evolucionários inatos.

         De qualquer forma, apesar da tripofobia ser retratada como uma fobia/medo, estudos mais recentes têm ligado a condição mais como uma resposta psicológica associada com uma repulsão/nojo do que com o medo. E um estudo publicado nesta semana no PeerJ (Ref.5) vem para reforçar esse cenário.

       Como dito, a tripofobia parece estar ligada a uma herança evolucionária, talvez de aversão à animais peçonhentos que expressam padrões tripofóbicos pelo corpo (como as cobras) ou de outras formas espaciais (como as aranhas que mostram padrões de grande contraste entre suas pernas negras contra uma superfície clara). É bem estabelecido que ver imagens de animais ameaçadores geralmente ativa uma reação de medo nos observadores, associada com o sistema nervoso simpático. Os ritmos cardíaco e respiratório aumentam e as pupilas dilatam. Essa hiperexcitação frente a um potencial perigo é conhecida como 'resposta lute-ou-fuja'.

         Nesse sentido, os pesquisadores resolveram testar se essas mesmas reações-reposta eram ativadas durante um evento de tripofobia. Usando tecnologia de rastreamento ocular que mede mudanças no tamanho da pupila para diferenciar as respostas dos participantes às imagens de aglomerados tripofóbicos, animais ameaçadores e imagens neutras (controle), dois experimentos foram carregados para analisar os diferentes tipos de aversão envolvidos nas exposições visuais.



         Ao contrário das imagens de cobras e aranhas, as imagens tripofóbicas (no caso, envolvendo aglomerados de buracos) ativaram uma maior constrição das pupilas - uma resposta associada com o sistema nervoso parassimpático e sentimentos de nojo. Ao contrário de uma resposta 'fuja-ou-lute', uma resposta parassimpática diminui a taxa de batimentos cardíacos e de respiração, e contrai as pupilas. Isso é uma sinalização para que o indivíduos seja cuidadoso e que também limita suas ações corporais para diminuir a exposição a algo que pode ser prejudicial.

        Com base nesses resultados, os autores defenderam a hipótese de que a tripofobia pode ser parte de uma ferramenta evolucionária criada para alertar sobre uma contaminação ou uma doença - pistas visuais de comida podre ou mofada, ou uma pele afetada por uma infecção -, e não como algo para preparar o corpo contra animais peçonhentos. De fato, existe mais evidência de suporte para doenças afetando a pele como causa primordial da tripofobia.

         Porém, aparentemente existem exceções. Um estudo Brasileiro publicado também em 2017 no periódico Brazilian Journal of Psychiatry (Ref.8), analisando 195 indivíduos com tripofobia, encontrou que a maioria (60,5%) reportava mais sintomas de nojo do que de medo, 11,8% apenas nojo, 5,1% em maior parte medo, 1% reportou apenas medo, e 21% experienciava a mesma quantidade de medo e de nojo. Ou seja, apesar do 'nojo' caracterizar melhor a tripofobia, existe também o componente de medo associado.

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   MEDO E NOJO?

           Nesse ponto da discussão, é válido mencionar um caso reportado em 2018 no periódico frontiers in Psychiatry (Ref.9) envolvendo uma paciente de 12 anos de idade, a qual demonstrou expressar tanto medo quanto nojo de superfícies e objetos com padrões tripofóbicos. Previamente, a menina, aos 9 anos de idade, havia sido acompanhada por um psiquiatra devido a um quadro de transtorno de ansiedade engatilhado pela separação dos pais. Na época, ela foi tratada com 50 mg de sertralina oral diária, resultando em uma resposta positiva.

          Os sintomas de tripofobia da paciente - agora com 12 anos de idade - começaram 3 meses antes da sua consulta médica. Esses sintomas incluíam medos intensos, desproporcionais e incontroláveis, os quais estavam associados com a visão de objetos pontilhados, buracos ou elementos sobressalentes particularmente claros ou evidentes. Tal estado de medo estava sempre associado com sintomas neurovegetativos (ex.: taxas cardíaca e respiratória aumentadas, sufocamento, náusea, palidez, boca seca, suor e agitação). A paciente descrevia a si mesmo experienciando medo mesmo durante atividades diárias (ex.: ao olhar uma fatia de pão, ou quando este estava coberto com sementes). 

            Quando tentou determinar o início dos sintomas da filha, a mãe reportou um episódio durante o qual a paciente desesperadamente escapou do banheiro, logo após olhar as paredes de concreto perfurado (figura abaixo), sem conseguir explicar a situação ou a súbita reação. A mãe também reportou um evento quando a paciente viu a foto de uma colmeia de abelha vazia, deflagrando um repentino choro e angústia, mesmo nunca tendo expressado medo de abelhas antes. Após um ano de acompanhamento, o psiquiatra responsável determinou que o medo da paciente era engatilhado por objetos com padrões repetitivos (quadro de tripofobia). Outros sintomas expressados pela paciente (ex: forte pessimismo) justificaram também o diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG).

  

             Após diagnóstico, a paciente foi submetida a uma terapia com 25 mg de sertralina oral diária em dose única pela manhã, aumentando para 50 mg após uma semana, junto com terapia cognitiva comportamental. Após 1 semana, a paciente reportou melhora de 20% nos sintomas de tripofobia, demonstrando ainda medo por padrões tripofóbicos mas sem sintomas neurovegetativos. Após 9 meses, a intensidade da fobia diminuiu 50%, com a paciente alcançando controle adequado do seu medo e encarando-o de maneira mais adequada.

            E aqui vem a parte mais interessante. Em uma das consultas de acompanhamento ao psiquiatra, a mãe relatou que desde que a paciente tinha 4 anos de idade, ela se recusava a comer certos tipos de alimentos, lançando-os com raiva quando forçada a comê-los. A paciente em si descreveu que não sentia medo nessas situações, mas nojo por certos tipos de alimentos. Em suas próprias palavras: "Eu não conseguia comer pães com buracos, sopa de letrinhas, ou beber suco de framboesa, porque a textura das sementes geravam nojo em mim, e eu ainda sinto arrepios quando eu lembro disso." A paciente reportou sempre ter evitado comer morangos por sentir nojo do seu aspecto (também tripofóbico), e no consultório, quando a imagem de um morango foi progressivamente amplificada, a paciente manifestou ansiedade e eventualmente medo, e não mais nojo como antes acontecia. 

            Após completar o tratamento psiquiátrico, a paciente passou a reportar que estava experienciando mais nojo de padrões tripofóbicos do que medo desses padrões.

            Esse último reporte, somado a evidências de estudos prévios, levou os pesquisadores a propor que a tripofobia pode se manifestar primeiro como um nojo, e evoluir com o tempo para uma aversão mais forte engatilhando medo e subsequentemente para uma fobia. No caso da paciente, a manifestação da tripofobia pode ter evoluído por causa do TAG. Isso sugere que a tripofobia é essencialmente um nojo, e transtornos de ansiedade podem atuar em conjunto para engatilhar medo ou uma real fobia. 

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   CONCLUSÃO

         A relação entre medo e nojo é debatida há muito tempo, desde Darwin. Apesar de ambas as emoções fornecerem respostas defensivas e possuírem um claro valor adaptativo para os organismos, evidências científicas acumuladas ao longo dos anos sugerem que as duas são marcados por perfis comportamentais e impressões psicológicas bem distintos. Medo é considerado uma resposta para o perigo percebido, com ativação do sistema nervoso simpático. Já o nojo/repulsa é considerado uma reação a contaminação e é comumente associado com uma ativação do sistema nervoso parassimpático. Aracnofobia e ofidiofobia possuem firmes raízes no medo, enquanto a fobia de feridas relacionadas a sangue e injeções e a síndrome obsessiva-compulsiva são mais fortemente associadas com o nojo.

        Nesse sentido, a tripofobia parece estar mais associada com o nojo do que com o medo propriamente dito. Portanto, o popular termo 'medo de buracos' talvez seria melhor definido como 'nojo de buracos'. Por outro lado, existe substancial evidência de que a condição está também fortemente associada com o medo em muitos casos, e em algumas circunstâncias pode se manifestar como uma real fobia.


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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23982244
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25635930
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4860305/
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5005243/
  5. https://peerj.com/articles/4185/
  6. http://esciencecommons.blogspot.com/2018/01/aversion-to-holes-driven-by-disgust-not.html
  7. https://peerj.com/articles/8837/
  8. https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-44462017005009102&script=sci_abstract
  9. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29479321/