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Síndrome de Havana: Arma Sônica ou Histeria Coletiva?


- Atualizado em 11 de setembro de 2023 -

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        Três anos depois dos EUA e Cuba anunciarem a restauração diplomática entre os dois países - durante a administração Obama - a atmosfera de cooperação declinou de forma preocupante. Em junho de 2017, o polêmico Presidente Donald Trump chegou a anunciar que iria reverter a aproximação entre as duas nações e em novembro do mesmo ano sua administração instaurou regras que limitaram a viagem dos EUA para Cuba e que restringiram onde cidadãos Norte-Americanos podiam gastar dinheiro na ilha. Somando-se a isso, em outubro de 2017 tivemos o fechamento do consulado Norte-Americano, significando que os Cubanos passaram a precisar viajar para um terceiro país para aplicarem por um visa dos EUA.

        E toda essa situação acabou sendo fomentada por um incidente que mais parece um caso do Arquivo X do que uma história real. Desde o final de 2016 até as ações da administração Trump em 2017, no mínimo 22 diplomatas dos EUA foram supostamente atacados com algum tipo de arma sônica em Cuba, em meio a reportes de problemas de saúde compartilhados por todos eles, englobando traumas no cérebro, surdez, tontura, dificuldade cognitivas e náuseas - caracterizando um quadro eventualmente chamado de Síndrome de Havana. Trump, na época, culpou o governo Cubano, e o Departamento de Estado dos EUA culpou o governo Cubano por não ter feito o suficiente para proteger seus diplomatas, Cuba respondeu que não tinha nada a ver com a história, e cientistas Cubanos negaram um ataque.

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           Independente de quem está com a razão, o fato é que desde esses incidentes em Cuba, a cada poucos meses, se não semanas, outro misterioso ataque atingindo um agente Norte-Americano diplomático ou de inteligência é reportado. Ao longo dos últimos 5 anos, pelo menos 1000 desses casos foram reportados em várias partes do mundo, envolvendo inclusive diplomatas Canadenses. E todos tipicamente manifestando, como sintomas comuns, dores de cabeça e náusea seguindo de forma imediata os sons de um alto zumbido, clique ou estouro. Está na hora de chamar os agentes Mulder e Scully?


   CRISE EM HAVANA

         Na segunda-feira do dia 16 de outubro de 2017, o Presidente Donald Trump culpou o governo Cubano por uma misteriosa série de supostos ataques visando diplomatas dos EUA ocupando postos em Havana. Esses ataques alegadamente teriam sido causados por algum tipo de arma sônica. "Eu acredito que o governo de Cuba é o responsável", Trump disse na época em resposta aos repórteres em uma conferência em Rose Garden. "É um ataque muito estranho, você sabe." O jeito como ele falou deixou ambíguo se estava acusando Cuba de diretamente ter arquitetado um ataque ou se culpava o governo Cubano por ter falhado em proteger os diplomatas.

         Apesar das indiretas de Trump, oficiais Norte-Americanos apenas se limitaram a declarar que Cuba tinha negligenciado seu dever de proteger os diplomatas estrangeiros, sem culpar diretamente o governo Cubano pelo alegados ataques. Nesse sentido, autoridades nos EUA continuaram cooperando com Havana para encontrar os responsáveis (onde se trabalhava também com a possibilidade de um terceiro país estar envolvido). Porém, independentemente das investigações paralelas, no final de 2017 providências foram tomadas pela administração Trump para que mais da metade dos funcionários Norte-Americanos retornassem para casa e para que 17 Cubanos fossem expulsos de Washington, criando uma grande tensão entre os dois países.

        Cronologicamente, temos:

- Final de 2016: Funcionários da embaixada dos EUA e pelo menos um Canadense começam a notar sintomas

- Maio de 2017: EUA expulsa dois diplomatas cubanos por causa da suposta falha de Cuba em proteger seus diplomatas

- Agosto: EUA afirmam que 16 funcionários foram tratados, mas parecia que os supostos ataques tinha parado

- Início de Setembro: EUA afirmam que os ataques ainda estavam ocorrendo e que 19 funcionários agora estavam com danos de saúde

- 29 de setembro: Washington retira seus diplomatas de Cuba, alerta os cidadãos Norte-Americanos para não visitarem a ilha e afira que o número de vítimas dos supostos ataques alcançou 21 funcionários

- 3 de outubro: EUA expulsa dois terços dos diplomatas cubanos em Washington



        Como resultado das ações, houve grande pronunciamento de irritação por parte do governo Cubano. "Os EUA estão sendo irresponsáveis e impulsivos," disse em dezembro de 2017 o ainda Ministro do Exterior de Cuba Bruno Rodriguez em discurso. "Até agora nenhuma evidência dos alegados ataques foram disponibilizadas pelos Norte-Americanos". Oficiais dos EUA, de fato, confessaram total desconhecimento dos meios, métodos ou como os supostos ataques teriam sido executados, caso esse fosse o real cenário.        

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           Até o final de 2017, pelo menos 24 diplomatas norte-americanos e, alegadamente, cinco famílias canadenses disseram terem sofrido danos em suas residências ou em dois hotéis de Cuba.

    INVESTIGAÇÕES

         Em uma clara demonstração de cooperação em meio à crescente crise, Cuba chegou a autorizar que agentes do FBI tivessem acesso ao país para investigar a situação. Os agentes da agência federal visitaram as casas dos diplomatas Norte-Americanos procurando por pistas, mas nada de suspeito foi detectado. O FBI também revisou vídeos de segurança das casas e também não encontraram nada fora do normal. Em laboratório, os agentes também não conseguiram replicar os sintomas que os diplomatas reportaram. Nesse ponto de envolvimento do FBI, a situação havia, de fato, alcançado o patamar "Arquivo-X".

         Até o início de outubro de 2017, das 22-24 pessoas afetadas, 17 eram empregados governamentais e 4 eram cônjuges. Três dos cônjuges trabalhavam na embaixada. Para alguns, os danos se tornaram crônicos, com persistentes sintomas incluindo perda auditiva, tontura, zumbidos, problemas visuais e de balanço corporal, dores de cabeça, fatiga, problemas cognitivos, lapsos de memória e dificuldade de dormir. Mas apesar da intensa investigação realizada pelo FBI, a causa e os culpados pelos supostos ataques permaneceram - e ainda permanecem - um mistério.

         Alguns dos afetados reportaram ter ouvido estranhos barulhos em certos cômodos das suas casas, algo que levou alguns especialistas a especularem que algum tipo de arma sônica ou algum outro tipo de dispositivo sonoro foi o responsáveis pelos incidentes.

        "Apenas de olhar para os sintomas, isso parece algo como se eles todos tiveram traumáticos danos cerebrais, como uma concussão ou uma série de pequenas feridas na cabeça, mesmo nós sabendo que eles não possuem tal coisa", disse o Dr. Martin Gizzi, um neurologista em Portland, Ore, e membro da Academia Americana de Neurologia, durante uma entrevista em dezembro de 2017 para o The New York Times. Ainda segundo Gizzi, nenhuma ultrassônica ou subsônica onda é conhecida de produzir tais danos de forma sub-reptícia. Entre outras possibilidades para o médico, estão vírus, veneno ou radiação.         

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           Na mesma época, cientistas Cubanos propuseram uma hipótese alternativa que, segundo eles, explicava perfeitamente os sintomas experienciados pelos afetados.

   ESTRESSE?

        Após 9 meses de análises dificultadas pela "atitude fria" do governo Trump contra Cuba e falta de acesso a registros médicos, um painel de cientistas Cubanos declaram no dia 5 de dezembro que os diplomatas dos EUA provavelmente sofreram de um "transtorno psicogênico coletivo", e não um 'ataque deliberado'. Essa conclusão veio também ao encontro de conclusões similares por parte de alguns cientistas Norte-Americanos.

        Frente à conclusão do painel, o Departamento de Estado dos EUA resolveu não comentar sobre a proposta. "Nós continuamos cooperando com os Cubanos sobre a situação dentro de canais apropriados," disse na época um porta-voz do departamento, fazendo também referência ao trabalho investigativo ainda sendo carregado pelo FBI. "Nós não temos respostas definitivas sobre a fonte ou causa dos ataques."

       "Quando eu primeiro ouvi sobre os ataques, isso soou algo como um episódio de Arquivo-X", disse Manuel Jorge Villar Kuscevic, um especialista em ouvido, nariz e garganta no Hospital Enrique Cabrera, em uma entrevista para a Science, em 2017 (Ref.1). Em março de 2017, Kuscevic foi convidado a se juntar a um comitê de 20 médicos, neurologistas, cientistas acústicos, físicos e psicólogos para a resolução do mistério.

        "Nós começamos presumindo que algo aconteceu, ou seja, que não foi uma pura invenção", disse um dos membros do painel para a Science, Mitchell Valdés-Sosa, diretor do Centro Cubano de Neurociência. Mas o trabalho investigativo não foi fácil, porque os oficiais norte-americanos não compartilharam dados médicos detalhados, com a justificativa de proteção à privacidade dos diplomatas. "Isso foi uma infeliz situação," completou Mark  Rasenick, um neurocientistas na Universidade de Illinois, na Faculdade de Medicina, em Chicago. "A recusa de compartilhamento de dados freou o progresso para achar a solução do mistério".

        Para contornar esse problema, os cientistas Cubanos conduziram testes audiométricos nos vizinhos dos diplomatas afetados e trabalhadores domésticos nas casas desses diplomatas, os quais poderiam ter sido expostos às supostas ondas acústicas danosas. Três das 20 pessoas testadas apresentaram anormalidades no tímpano, ouvido interno e na cóclea, mas todos esses danos mostraram-se deficiências auditivas pré-existentes.

       Para dar algum substancial suporte para os cientistas Cubanos, oficiais dos EUA forneceram gravações de sons que estariam ligadas ao evento - possivelmente feitas pelos diplomatas ou membros familiares dentro e fora das suas casas. Para comparar os sons das gravações, Carlos Barcelo Pérez, um físico ambiental no Instituto Nacional de Higiene, Epidemiologia e Microbiologia, gravou diversos barulhos ao redor das residências. Entre os barulhos registrados, os maiores eram de insetos, e Pérez encontrou que o Grilo-Preto (Gryllus assimilis) emite sons em uma frequência que combina com as gravações e a qual atinge os 74,6 decibéis - não alto o suficiente para causar danos auditivos. Teria sido um grilo causando toda essa suspeita em cima de armas acústicas?




        Sobre as alegações de danos cerebrais - algo não corroborado na época por muitos especialistas -, os cientistas disseram que, mesmo se isso fosse verdade, isso acabaria enfraquecendo a hipótese de um ataque acústico. Em procedimentos médicos, ultrassom é usado para destruir tumores cerebrais, mas perde rápido sua força com o aumento de distância. Além disso, segundo os cientistas Cubanos, os sintomas que estavam sendo alegados pintavam um cenário de mais sérios traumas cerebrais do que estava sendo reportado. Alguns cientistas Norte-Americanos chegaram a concordar. "A combinação de um súbito quadro de perda auditiva, zumbido, dores de cabeça, vertigem, náusea, insônia, ansiedade e problemas de memória estariam relacionados com múltiplas lesões em ambos os hemisférios do cérebro," disse o neurologista Alberto Espay da Universidade de Cincinnati, em Ohio, comentando o reporte do painel cubano. "Baseado no que foi dito pelo Departamento de Estado, esse não foi o caso."

        O painel Cubano também chegou a avaliar outras possibilidades que explicassem os sintomas. Aproveitando que o governo Norte-Americano levantou suspeitas nos inseticidas usados para fazer uma fumigação aérea com o fim de matar mosquitos transmissores de doenças no país, os pesquisadores resolveram investigar essa hipótese. O inseticida de escolha em Cuba é a permetrina, a qual em doses excessivas pode causar náusea, dores de cabeça e respiração curta. O time do painel não encontrou nenhuma evidência de uso excessivo da substância. "Nós devotamos meses nesse trabalho investigativo, mas não conseguimos encontrar quaisquer evidências que poderiam basear as alegações do governo norte-americano," disse um membro do painel para a Science, Antônio Paz Cordovéz, presidente da Sociedade Cubana de Otorrinolaringologia.


        Foi nesse momento que veio a ideia de um fenômeno psicogênico de estresse em massa, caracterizando um transtorno psicogênico coletivo. Na época que os primeiro diplomatas Norte-Americanos ficaram doentes, a embaixada dos EUA foi atingida por uma nuvem de surpresas e dúvidas quando o Trump venceu as eleições, candidato este que tinha prometido frear ou reverter as relações diplomáticas com Cuba firmadas por Obama. "Esse tipo de situação leva você a se sentir ameaçado", disse à Science um dos dos membros do painel, Dionisio Zaldívar Pérez, um psicólogo da Universidade de Havana.




        Além disso, Pérez chegou a afirmar que o governo Norte-Americano fomentou ansiedade nos seus funcionários trabalhando em Cuba  ao taxar os sintomas reportados como um ataque. Em uma comunidade de falantes de inglês bem próximos entre si em meio a um país com cultura e língua totalmente diferente e até recentemente isolados do mundo, pode levar um quadro de estresse a escalar rapidamente. Tudo isso pode levar aos sintomas reportados e essa foi a conclusão final do painel, pelo menos até que novas evidências contrárias fossem apresentadas.

  • Artigo recomendado sobre uma famosa e ainda insolúvel série de casos históricos envolvendo histeria em massa: A Misteriosa Praga da Dança


   EVIDÊNCIAS CONFLITANTES

            Porém, apesar da conclusão favorável dos cientistas Cubanos a um cenário de psicogenia em massa, um estudo publicado em 2018 no JAMA (The Journal of the American Medical Association) (Ref.10), após análise de 21 dos diplomatas suspeitos de terem sido vítimas do misterioso evento em Havana, sugeriu uma causa física para o problema. Segundo os autores do estudo, as vítimas teriam sido expostas a um gatilho que disparou uma constelação de sintomas neurológicos (persistentes disfunções oculomotoras, vestibulares e cognitivas, assim como problemas de sono e dores de cabeça) consistentes com uma concussão, nesse caso, uma concussão sem um clássico impacto, mas causado por uma exposição direta a fenômenos audíveis e/ou sensoriais de natureza incerta. A análise indicou que as vítimas tinham danos espalhados pelas redes neurais sem a existência de um histórico de traumas associados. Para os pesquisadores, um transtorno psicogênico de massa teria sido algo pouco provável. 

          E a situação se tornou mais complexa com reportes de eventos similares em outros países. Ainda em 2017, um trabalhador na embaixada Norte-Americana do Uzbequistão, e sua mulher, foram evacuados após reportarem problemas de saúde coincidentes com um misterioso som. Em meados de 2018, o Departamento de Estado evacuou pelo menos 11 Norte-Americanos da China após reportes de sons e sintomas similares nos consulados de Guangzhou, Shanghai e Pequim. Em fevereiro de 2019, vários diplomatas Canadenses e seus familiares também reportaram sintomas e sons enquanto estavam em Havana. 

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          Um estudo publicado em 2019 no periódico Journal of the Royal Society of Medicine (Ref.11), analisando as evidências e reportes médicos previamente acumulados, voltou a apoiar a hipótese da psicogenia em massa, sugerindo que os sintomas dos diplomatas em Cuba se assemelhavam a traumas de guerra. Os autores do estudo questionaram: "O que é mais provável, que os diplomatas foram alvos de uma misteriosa nova arma para a qual não existe concreta evidência e cujo uso desafia as leis da física, ou que eles sofreram de sintomas psicogênicos gerados por estresse?" Ainda segundo os autores, continuar sugerindo que lesões cerebrais ocorreram nos afetados pela condição provavelmente iria prolongar a recuperação devido ao efeito nocebo (!).


          Em paralelo, ainda em 2019, o Departamento de Estado dos EUA pediu à Academia Nacional de Ciências para examinar a possível causa do misterioso fenômeno. Ao final de 2020, após investigar os alegados ataques em Cuba, a Academia concluiu ser altamente plausível um ataque com energia de rádio frequência (RF) direcionada, especificamente através de efeitos biológicos impactados por RF modulada (Ref.12). A Academia citou que efeitos de RF modulada no sistema nervoso pode incluir mudanças na cognição, comportamento, vestibular, EEG durante o sono, e efeitos no sistema auditório; nesse último ponto, foi mencionado que exposição de RF modulada na faixa de GHz pode induzir sensação auditiva interna (Efeito Frey, atuando no sistema nervoso central) ou detecção auditiva externa (via excitação de materiais no ambiente) de sons de "clique", similar aos reportes dos afetados.

          Examinando evidências de possíveis causas toxicológicas (ex.: inseticidas) e infecciosas (ex.: Zika vírus, durante a epidemia Cubana de 2016-2017), a Academia conclui que essas propostas seriam pouco plausíveis. Examinando evidências de possíveis causas psicológicas (ex.: psicogenia em massa) e fatores sociais, a Academia concluiu que existem evidências positivas para esse cenário (causa ou contribuição sintomática). Porém, nessa última conclusão, devido à variabilidade e heterogeneidade clínica da doença, a Academia sugeriu a possibilidade de múltiplos fatores causais a nível populacional e individual dos casos.

          A ênfase dada pela Academia Nacional de Ciências à hipótese de uma "arma de HF" e dúvida ou pouca convicção colocada sobre a hipótese da psicogenia em massa levantou pesadas críticas de alguns cientistas (Ref.13), estes os quais reafirmaram que a mais provável e lógica explicação para a Síndrome de Havana é suportada por fatores psicogênicos.

            O fato é que, nos últimos cinco anos, pelo menos 1000 funcionários Norte-Americanos em cargos diplomáticos e de inteligência reportaram sintomas da Síndrome de Havana em lugares diversos do mundo, incluindo Guangzhou, Pequim, Londres, Moscou, Viena e até mesmo em Washington. Os indivíduos afetados continuam reportando sons localizados acima ou atrás da cabeça como sintoma inicial. 

          Em um comentário publicado no final de 2021 no periódico IEEE Microwave Maganize (Ref.14), o pesquisador James Lin, da Universidade de Illinois, Chicago, também defendeu a hipótese de um ataque direcionado via rádio frequência. Lin argumentou que a absorção de pulsos curtos de energia RF pelos tecidos do cérebro cria uma rápida expansão da matéria cerebral e lança uma onda acústica de pressão (onda sonora) que viaja dentro da cabeça até a cóclea do ouvido interno, gerando os barulhos característicos de "clique" - e acompanhando outros danos sintomáticos no cérebro. Lin também citou que um número crescente de pesquisadores e membros governamentais acreditam que um tipo de arma de RF esteja envolvida na Síndrome de Havana, e que pesquisa nesse tipo de tecnologia vem de fato ocorrendo em vários países, com equipamentos comercialmente disponíveis em muitos países desenvolvidos para uso não-letal de curta distância.   

           Em um relatório de 2022 da comunidade de inteligência dos EUA (Ref.15), especialistas afirmaram que os sintomas da Síndrome de Havana são "genuínos e convincentes" e que podem ter sido, em alguns casos, causados por um dispositivo escondido (arma?). Foram analisados mais de mil documentos classificados e entrevista de testemunhas, e examinadas a plausibilidade de cinco potenciais causas: sinais acústicos, agentes químicos e biológicos, radiação ionizante, fatores naturais e ambientais, e exposição a radiações eletromagnéticas. 

           Considerando os sintomas característicos principais da síndrome - incluindo percepção súbita de um som ou pressão sonora no ouvido ou em um lado da cabeça, vertigem, perda de balanço corporal, dor no ouvido, e um "forte senso de localidade ou direcionalidade" -, os especialistas da inteligência Norte-Americana concluíram que fatores sociais ou psicológicos não eram capazes de explicar os sintomas, mas que poderiam ter contribuído para alguns dos problemas experienciados pelos afetados. Eles também não encontram evidência de suporte para os outros fatores propostos. Os especialistas apontaram no sentido de um "estímulo externo" ou uma fonte, provavelmente através de energia eletromagnética pulsada, e particularmente na faixa de frequência do rádio. Isso suporta a hipótese da arma de RF. 

           Um estudo de revisão mais recente, publicado no periódico Reviews on Environmental Health (Ref.18), concluiu que as evidências suportando hipóteses de fatores causais para a síndrome de Havana são muito fracas e limitadas, e caracterizou a condição como uma doença neurológica inespecífica com fator/es causal/is não-identificados, exibindo uma fase aguda de sintomas auditórios-vestibulares e uma fase crônica de sintomas neurocomportamentais inespecíficos. O autor do estudo realçou também que a síndrome deveria ser investigada como uma preocupação de saúde pública, e não como uma questão política.

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   PLOT PARA DESTRUIR A RELAÇÃO EUA-CUBA?

        Em 2014, após décadas de relações congelados em meio à Guerra Fria, o Presidente Barack Obama reverteu essa situação ao alcançar um acordo com o Presidente Raúl Castro de Cuba, dando início à abertura das embaixadas em ambos os países, o fomento ao turismo e a formação de futuros fortes laços econômicos.


        Porém, essa reaproximação foi profundamente impopular entre um poderoso segmento de refugiados políticos na Flórida, e o Trump, em sua campanha, tinha prometido reverter o acordo diplomático feito por Obama, em algo que ele chamou de "terrível e mal planejado". Uma vez no poder, Trump chegou a desfazer cruciais partes da política de Obama, mas manteve outras que também eram bastante populares, como permitir voos e cruzeiros diretos entre os EUA e Cuba, e regras que facilitavam os negócios de companhias norte-americanas em território cubano.

       Após os incidentes com os diplomatas, o Senador Marco Rubio, um Republicano da Flórida, e o qual também fervorosamente se opôs à decisão de Obama em reconciliar com Cuba, questionou, via Twitter, a decisão de não punir Cuba com mais firmeza e rapidez pelos supostos ataques.

       Em resposta, o Senador Patrick J. Leahy, um Democrata de Vermont, disse que medidas punitivas deveriam apenas agir contra os supostos autores do ataque. "Seja quem for que está fazendo isso obviamente está tentando destruir o processo de normalização entre os EUA e Cuba," Leahy disse. "Alguém ou algum governo está tentando reverter esse processo."

         Houve também denúncias de acadêmicos de que a recomendação do Departamento de Estado alertando os cidadãos norte-americanos de evitarem a ilha era apenas um cínico golpe para desfazer os últimos vestígios do esforço da administração Obama na reaproximação com Cuba. "O fato permanece de que Cuba é o lugar mais seguro na América Latina para estrangeiros visitarem," disse Eric Zolov em entrevista ao The New York Times, um especialista cubano na Universidade de Stony Brook. "A criminalidade é excepcionalmente baixa e o turismo é coberto de forma muito segura pelo governo."

          Mais recentemente, alguns pesquisadores têm também criticado o gasto de milhões de dólares por parte do governo Norte-Americano para investigar a etiologia da Síndrome de Havana - argumentando que a doença é claramente um fenômeno psicogênico - e o pesado custo da contínua publicidade negativa sobre Cuba com perda de dezenas de milhões de dólares em potencial turístico.

           Aliás, um relatório de 2018 do JASON - um grupo independente de cientistas que assessora o governo dos EUA em matérias referentes a ciência e tecnologia - chegou a concluir que as lesões nos diplomatas eram altamente improváveis de terem sido resultantes de armas de micro-ondas ou ultrassom, mas, sim, causas naturais ou efeitos psicogênicos de massa. Porém, esse relatório só veio a público após o jornalista Dan Vergano, do BuzzFeed News, obtê-lo em setembro de 2021 através de requerimento garantido pelo Freedom of Information Act, um direito fundamental da constituição Norte-Americana que dá acesso ao público a certas informações protegidas por autoridades governamentais (Ref.17).

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   CONCLUSÃO

         Em mais um capítulo da extraordinária história entre Cuba e EUA, onde podemos destacar a explosão do Navio de Batalha Norte-Americano Maine no Porto de Havana (1898), a Baía dos Porcos (1961) e a Crise dos Mísseis Cubanos (1962), temos mais um marcante e estranho evento envolvendo os dois países, e, até o momento, sem solução. Seria apenas um caso de histeria epidêmica ou será que existe um real cenário de filme hollywoodiano estrelando uma maléfica arma sônica? Existe envolvimento do governo Cubano nesses alegados ataques? Ou será que o ventríloquo por trás é o governo Norte-Americano? Como explicar que o fenômeno tenha se espalhado para outras capitais ao redor do mundo, envolvendo inclusive diplomatas Canadenses? The Truth is Out There, mas Trust No One...


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REFERÊNCIAS
  1. http://www.sciencemag.org/news/2017/12/stressful-conditions-not-sonic-weapon-sickened-us-diplomats-cuba-panel-asserts
  2. https://www.theguardian.com/world/2017/oct/16/trump-says-cuba-responsible-for-alleged-sonic-attacks-but-offers-no-evidence
  3. http://www.latimes.com/politics/washington/la-na-pol-essential-washington-updates-trump-blames-cuba-for-attacks-on-u-s-1508177745-htmlstory.html
  4. http://www.bbc.com/news/world-us-canada-41490357
  5. http://www.bbc.com/news/world-latin-america-41792593
  6. https://www.nytimes.com/2017/09/29/us/politics/us-embassy-cuba-attacks.html
  7. http://science.sciencemag.org/content/358/6367/1115
  8. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12814329
  9. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC543940/
  10. https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2673168
  11. Bartholomew & Baloh (2019). Challenging the diagnosis of ‘Havana Syndrome’ as a novel clinical entity. Journal of the Royal Society of Medicine, Vol. 113, Issue 1. https://doi.org/10.1177%2F0141076819877553
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  14. Lin, James C. (2021). "The Havana Syndrome and Microwave Weapons [Health Matters]," in IEEE Microwave Magazine, vol. 22, no. 11, pp. 13-14. https://doi.org/10.1109/MMM.2021.3102201
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  16. Baloh & Bartholomew (2020). Chasing Ghosts in Cuba. In: Havana Syndrome. Copernicus, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-030-40746-9_1
  17. Hernández, T.K. (2023). Wrong Conclusions from Incomplete Science: Dr. Mitchell Valdés-Sosa Discusses the NASEM Report on the “Havana Syndrome”. In: The Cuba Interviews. Palgrave Macmillan, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-031-30203-9_32
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