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O submarino onde toda a tripulação morreu sem reação ou danos visíveis


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        Primeiro submarino de sucesso na história, o H.L. Hunley levou grande alegria para os norte-americanos no lado Confederado da Guerra Civil, para, pouco tempo depois, levar bastante pesar e mistério. Nunca mais sendo visto fora do oceano até ser recuperado em 2000, algo sinistro repousava em seu interior: o esqueleto de todos os tripulantes estavam posicionados em suas respectivas posições de batalha, sem registrarem nenhuma reação de tentativa de escape! E mais: nenhum dano no submarino. Era como se, de repente, todos tivessem morrido ao mesmo tempo de forma sobrenatural. Esse sombrio mistério continuou persistindo por anos e anos, até que este ano uma equipe de cientistas finalmente conseguiu explicar o que de fato ocorreu no fatídico ano de 1864.

         OBS.: Caso você queira apenas saber a resposta para o mistério - ignorando a história por trás dos eventos -, pule para o final do artigo, na seção MISTÉRIO DECIFRADO.

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     ERA UMA VEZ UM SUBMARINO...

           Em 17 de Fevereiro de 1864, em meio à sangrenta Guerra Civil norte-americana, o submarino Confederado H. L. Hunley embarcou em uma missão histórica e que o deixaria famoso para sempre na memória dos EUA. Sete homens liderados pelo Tenente George Dixon entraram no submarino experimental, o qual se tornaria o primeiro veículo marítimo de guerra do tipo a ter sucesso na História, ou seja, conseguiu destruir um navio inimigo em combate. Para marcar sua estreia com chave de ouro, naquela mesma noite o Hunley atingiu com o seu torpedo o navio de bloqueio da União, USS Housatonic, e o afundou.

           Porém, minutos depois da sua histórica conquista, o H. L. Hunley e a sua tripulação desapareceram dentro do mar sem deixar vestígios.


   
           Em 1995, o novelista Clive Cussler localizou o submarino próximo do cais em Charleston Harbor, a cerca de 4 milhas da Ilha Sullivans, SC. Então, em 8 de Agosto de 2000, após dois anos de intensa análise geotécnica e planejamento de engenharia, o submarino foi finalmente recuperado. Uma vez resgatado do mar, o submarino foi trago para o Centro de Conservação Warren Lasch, em Charleston, na Carolina do Sul. Com a ajuda de financiamento do Tesouro através do Save America e do American Battlefield Protection Program, o Hunley garantiu sua preservação histórica e arqueológica para as gerações futuras. O submarino que marcou história durante a Guerra Civil ficou aberto para visitas do público e contínua examinação por cientistas. A jornada do H. L. Hunley finalmente teve fim... Ou não.

Hunley recuperado

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    ATAQUE FANTASMA

            A causa do afundamento do H. L. Hunley permaneceu um mistério por mais de 150 anos. Após o processo de recuperação, os cientistas finalmente tiveram acesso, em 2002, ao interior completo do submarino. A grande surpresa veio quando os esqueletos dos tripulantes foram encontrados sentados em suas respectivas estações, sem nenhum ferida física ou aparente tentativa de escape. As torres montadas, as quais formavam o único local de saída, estavam fechadas e a torre à popa seguramente trancada. As bombas inferiores não estavam posicionadas para o bombeamento de água para fora. Os pesos de lastro, os quais poderiam ser liberados de dentro da embarcação, permaneceram firmemente presos.

           Quando primeiro o submarino foi recuperado, dois grandes buracos foram descobertos na sua estrutura, mas análises posteriores mostraram que ambos tiveram sua origem após o afundamento do Hunley, não sendo sua causa. Uma combinação de corrosão galvânica, erosões de correntes oceânicas e outros estresses no solo marinho foi a responsável pelos buracos. E, mesmo se fossem a causa do afundamento, não explicariam o fato de todos os tripulantes terem permanecidos paralisados durante a morte. Parecia até que os tripulantes foram atingidos por uma investida fantasmagórica.

           Nisso, o pesquisador Lance R. M., da Universidade de Duke, no Departamento de Engenharia Biomédica, interessou-se pelo assunto e resolveu investigar e esclarecer esse mistério, publicando três artigos sobre seus achados, com a ajuda de diferentes times de pesquisa.

            O primeiro estudo, publicado na Forensic Science International em 2016 (Ref.3), explorou a hipótese que apostava em um sufocamento dentro do submarino. Em uma 'cápsula' fechada dentro do mar, a tripulação poderia ter sofrido com uma falta de oxigênio e ter sido sufocada atá a morte. O estudo estimou os efeitos da hipoxia e hipercapnia sobre a tripulação basado no volume de gás e dinâmica respiratória dos ocupantes internos. Os cálculos mostraram que a tripulação do Hunley tinha um mínimo de 10 minutos entre o surgimento de desconfortáveis sintomas da hipercapnia e perigosa perda de consciência oriunda da hipoxia. Baseado nesses resultados e a localização da tripulação quando descoberta, essa hipótese do sufocamento não satisfazia o cenário.

             O segundo estudo, publicado no começo deste ano também na Forensic Science International (Ref.4), explorou a popular hipótese do "tiro de sorte". Nessa suposição, pequenos disparos da tripulação do navio Houstonic contra o submarino atacante teriam sido suficientes para causar danos cruciais ao Hunley e afundá-lo. Porém, experimentos balísticos com peças de ferro (material base revestindo o submarino), análises de experimentos históricos de projéteis do período da Guerra Civil em superfícies de ferro, e cálculo das correntes de maré e trajetória de afundamento do submarino indicaram que essa hipótese não era provável de ser correta.

              Então, no final de Agosto deste ano, o terceiro estudo, publicado na PlOS ONE (Ref.5), finalmente decifrou o mistério.

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   ONDAS MORTAIS

             O Hunley afundou o Housatonic, matando cinco soldados a bordo, ao disparar um torpedo contra o casco do navio. Com dimensões modestas, o comandante do submarino podia ver acima da superfície do mar através de uma das torres montadas e era responsável pela navegação, enquanto o restante da tripulação impulsionava o veículo do seu interior usando uma manivela de mão. Ao final da outra ponta, uma dobradiça com uma antena de 5 metros de comprimento carregava um torpedo de cobre (design comum Singer) preenchido com 61,2 kg de pólvora e acionado com um gatilho sensível à pressão.



           Para entender o que ocorreu com a tripulação após o disparo do torpedo, três fatos precisam ficar bem esclarecidos:

Velocidade do som: Na água, as ondas sonoras possuem maior densidade e velocidade, e as ondas de pressão e choque resultantes de explosões nesse meio viajam de forma mais eficiente e cobrem uma maior distância do que no ar.

Pólvora: É um explosivo de relativo baixo poder, sendo uma mistura de carvão triturado, enxofre e nitrato de sódio ou potássio. Ao contrário de poderosos explosivos, os quais possuem velocidades de queima mais rápidas do que a velocidade do som, a pólvora deflagra ao invés de detonar. Variáveis como o tamanho das suas partículas (superfície de contato), densidade e até mesmo o tipo de madeira utilizada para a produção do carvão possuem significativos efeitos na performance da pólvora por causa do sua cinética reativa. Mesmo sendo categorizada como um fraco explosivo, a pólvora pode gerar fortes ondas de pressão em certas condições de confinamento e qualidade de preparo.

Danos via explosão: Explosões convencionais podem causar traumas através de três mecanismos genéricos, sendo um deles a pressão gerada pela explosão por si. Esses traumas predominantemente afetam os órgãos preenchidos com ar, muito frequentemente causando graves danos pulmonares como hemorragias, mas também podem se apresentar como traumas no cérebro. Esses danos não seriam evidentes a partir da análise de um esqueleto ou restos altamente decompostos de um corpo. 

           Com essas três bases, e diversos cálculos e análise de parâmetros (históricos e contemporâneos), Lance e seu time de pesquisa conseguiram mostrar que a carga explosiva usada para disparar o torpedo do Hunley poderia transmitir suficientes níveis de ondas de impacto para dentro do submarino para causar um alto risco de trauma e fatalidade entre a tripulação, independentemente do ângulo de exposição das ondas de propagação. Para ser mais preciso, as chances para cada um ali dentro do submarino sair vivo dessas ondas mortais, segundo o cálculo dos pesquisadores, era de apenas 16%, tornando essa, com desprezível chance de erro, a real causa da misteriosa morte em conjunto da tripulação na noite de 17 de Fevereiro de 1864.

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    MISTÉRIO DECIFRADO 

        Um engano muito comum entre as pessoas é o de que indivíduos expostos a ondas mortais de impacto são sempre fisicamente empurradas pela explosão (especialmente por verem isso sempre ocorrendo em filmes e séries). Porém, ondas de impacto muito fracas para mover ou transladar um corpo humano a distâncias notáveis são ainda frequentemente intensas o suficiente para causar traumas pulmonares letais. No caso do Hunley, desde que o interior do submarino foi exposto de todas as direções radiais simultaneamente - de acordo com os cálculos de transmissão - e acompanhado pela movimentação do próprio submarino, pode não existir uma direção clara de movimento mesmo se a pressão de onda de fato transladou a tripulação. Traumas pulmonares provenientes da explosão são, portanto, consistentes com a falta de danos nos esqueletos e posição preservada da tripulação em suas posições de operação.

            Também é válido lembrar que a agonia respiratória é uma das principais características dos traumas pulmonares causados por ondas de pressão. Mesmo se a tripulação tivesse sobrevivido ao impacto inicial, eles provavelmente ainda estariam carregando consideráveis danos e experienciariam sintomas como respiração curta, hemoptise (expectoração sanguínea), taquipneia e hipoxia. Portanto, mesmo se um dos tripulantes tivesse escapado inicialmente com vida à primeira onda de choque, as chances seriam bem altas de que seu corpo estivesse incapaz de funcionar propriamente em termos de respiração e estaria fisicamente incapaz de movimentar a manivela de mão para mover o submarino. Por outro lado, se alguém tivesse realmente sobrevivido, poderia haver indícios de tentativa de fuga, os quais inexistem.

           Na época, em 1864, algumas testemunhas chegaram a reportar que viram uma luz azul na água após o ataque, em um símbolo supostamente disparado pelo Hunley para indicar vitória. No entanto, testemunhas oculares são geralmente pouco confiáveis, ainda mais considerando um cenário de batalha, como pode ser evidenciado pela inabilidade da tripulação sobrevivente do Housatonic de se decidir sobre qual o nível da maré ou a direção da corrente na hora do ataque.

          Baseado nas análises conclusivas do novo estudo, a tripulação do notório Hunley morreu instantaneamente devido a traumas provocados pelas ondas de impacto da explosão gerada para impulsionar o torpedo.




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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://soundwaves.usgs.gov/2000/09/
  2. https://www.nps.gov/articles/save-america-s-treasure-grant-h-l-hunley-submarine.htm
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26821202
  4. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27936425
  5. http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0182244