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Herança Soviética: A ilha mais temida do mundo


- Atualizado no dia 3 de outubro de 2021 - 

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          Na fronteira do Cazaquistão-Uzbequistão  e em meio ao que sobrou do Mar de Aral, parcialmente escondida do resto do mundo, existe uma ex-ilha conhecida como Ilha de Vozrozhdeniya. Uma vez lar de uma pacífica vila de pescadores e salpicada de límpidos e belos lagos, o local se transformou em um devastado cenário pós-apocalíptico infestado de pragas mortais após a ocupação soviética para testes de armas biológicas.


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     ILHA MALDITA

        Desde a década de 1970, a Ilha de Vozrozhdeniya esteve implicada em uma série de aterrorizantes acontecimentos. Em 1971, uma jovem cientista caiu doente depois de uma expedição para o local, e, apesar de não sucumbir à diagnosticada varíola, ela acabou infectando mais nove pessoas em sua cidade natal, onde três delas morreram, incluindo seu irmão mais novo. Dois anos mais tarde, os corpos de dois pescadores desaparecidos foram encontrados em um barco à deriva, e ambos tinham o sinal da praga.

         E enquanto ninguém sabia o que estava acontecendo, peixes começaram a surgir mortos aos montes e, em Maio de 1988, 50 mil antílopes caíram mortos em menos de 1 hora ao se alimentarem na região. Esses eventos se mantiveram isolados e abafados por um bom tempo, apesar de estarem sendo vigiados pelas redes de espionagem dos EUA. Apesar desses incidentes não terem uma comprovação de causa direta com a ilha, o histórico dessa área a torna uma grande suspeita e muito do que os Soviéticos lá fizeram permanece ainda um segredo.

          Desde que Vozrozhdeniya  foi abandonada no início da década de 1990, pouquíssimas pessoas se arriscaram a colocar os pés lá de volta e por causa do encolhimento do Mar de Aral há alguns anos o lugar não é mais uma ilha. Uma península acabou sendo criada com o afastamento das águas marinhas, enquanto a ex-ilha aumentou em 10 vezes seu território original. E, antes isolada geograficamente, hoje ela perigosamente está conectada com o continente.

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   SEGREDOS SOVIÉTICOS

           Em Abril de 1992, o Presidente Russo Boris Yeltsin acabou a admitindo que a União Soviética e a - recém restituída - Rússia tinham conduzido uma ofensiva altamente secreta envolvendo projetos de uma guerra biológica (Biological Warfare, BW) em grave violação da Convenção de Armas Tóxicas e Biológicas de 1972, a qual bane o desenvolvimento, produção, acumulação e transferência dessas armas. Nisso, Yeltsin declarou que se comprometeria a finalizar todos os programas de pesquisa microbiológica voltados para a manufatura de armas, apesar de muita coisa ter permanecido obscura.


        A rede de instalações soviéticas envolvendo o desenvolvimento de armas biológicas consistia de dois principais grupos: um sistema sob o controle militar datando do final da década de 1920 e um segundo programa - bem mais secreto - disfarçado de um projeto civil criado na década de 1970. O Exército Vermelho abriu os primeiros laboratórios para pesquisa sobre microrganismos patogênicos em 1928, e as instalações BW sob direto comando do Ministério de Defesa Soviético incluíram o Instituto Científico de Microbiologia em Kirov (agora Vyatka), O Centro para Problemas Técnico-Militares de Defesa Anti-Bacteriológica em Sverdlovsk (agora Yekaterinburg), e o Centro de Virologia em Zagorsk (agora Sergiyev Posad).

          Aliás, em 1942, durante a Segunda Guerra, os Soviéticos são suspeitos de terem usado cepas da bactéria Gram-negativa Francisella tularensis (causadora da tularemia) para infectar cerca de 100 mil soldados Germânicos em Stalingrado, afetando também soldados e civis Soviéticos. Um surto de Febre Q (causado pela bactéria Coxiella burnetii) entre soldados Germânicos na Crimeia, em 1943, também é suspeito de ter sido causado por armas biológicas Soviéticas (Ref.12).

       Quatro das principais instalações soviéticas de BW foram construídas na antiga parte da União Soviética, o Cazaquistão, e reportavam para diferentes autoridades centrais em Moscou. Entre elas temos o maior e mais visado campo de teste terrestre para agentes biológicos desenvolvidos pelo programa soviético, na Ilha Vozrozhdniya, e o qual respondia ao 15° Diretorado para Proteção Biológica. Assim como outros programas do tipo, esse também veio disfarçado na forma de instituições civis operando e desenvolvendo biotecnologia, em resposta hostil ao tratado assinado em 1972.

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   INSTALAÇÕES EM VOZROZHDENIYE

         O campo de teste em Vozrozhdeniya já era parte do antigo sistema BW soviético. Aparentemente, a ilha foi escolhida para testes de armas biológicas a céu aberto por causa da sua localização geográfica - isolada no meio do Mar de Aral, dificultando o trânsito de animais e pessoas para fora ou para dentro - e clima. Além do mar, ao redor da ilha situam-se grandes e pouco habitados desertos e semi-desertos, o que dificultava ainda mais o acesso não autorizado ao local. E com uma vegetação esparsa, clima quente e seco, e solos que podem alcançar temperaturas de 60°C no verão, as chances acabam sendo reduzidas de que microrganismos patogênicos escapem e consigam sobreviver e se espalhar. Aliás, de tão isolada ela era, a ilha só foi descoberta no século XIX.

         É válido também mencionar que a parte norte dessa ex-ilha está no território do Cazaquistão, mas dois terços da parte sul está no território da região autônoma do Uzbequistão, Karakalpak. Em 1936, o controle da região foi transferido para uso pelo Instituto Médico Científico do Exército Vermelho, e a primeira expedição soviética para lá envolveu 100 pessoas, lideradas pelo Professor Ivan Velikanov e sendo acompanhada por embarcações especiais e dois aviões. Os experimentos conduzidos nesse período envolveram a disseminação de tularemia (uma doença transmitida entre animais altamente contagiosa) e microrganismos relacionados. Porém, no Outono de 1937, a expedição foi evacuada da ilha por causa de problemas na segurança, incluindo a prisão de Velikanov e outros especialistas.

          Em 1952, o governo Soviético decidiu manter, de forma permanente, as ilhas do Mar de Aral como os locais de teste das armas biológicas sendo desenvolvidas pelo império Comunista. Um dos campos de teste oficiais, chamado de 'Aralsk-7', fo construído nas ilhas de Vozrozhdeniya e Komomolskiy no ano de 1954. Em seguida, o Laboratório de Pesquisa Científica de Campo (PNIL) foi instalado em Vozrozhdeniya para conduzir os experimentos principais. A unidade militar 25484, englobando várias centenas de pessoas, foi também levada para a ilha e reportava para uma unidade maior em Aralsk.

         O PNIL desenvolveu métodos de defesa biológica e descontaminação para as tropas Soviéticas. Alias, várias tecnologias militares de hardware, equipamentos em geral e roupas de proteção foram testadas em Vozrozhddeniya antes de serem produzidas em massa. Durante a intervenção Soviética no Afeganistão, por exemplo, vestimentas e acessórios de proteção desenvolvidas para as condições Afegãs - previstas - foram testadas pela PNIL.

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    DESENVOLVIMENTO EM MASSA DE ARMAS BIOLÓGICAS

          O campo de teste nas Ilha de Vozrozhddeniya foi dividido em um complexo de testes na parte sul da ilha e um assentamento militar na parte norte, onde, nesse último, oficiais (alguns com famílias) e soldados viviam. Esse assentamento era bastante completo, possuindo casas residenciais, uma escola elementar, uma creche, uma cafeteria, depósitos diversos e uma estação de energia. Para permanecerem com uma mínima segurança e comodidade na região, todo o pessoal era sujeito a imunizações regulares e benefícios pelas condições periculosas.


          Os laboratórios de pesquisa da PNIL, localizados próximos da área residencial, possuíam equipamentos atualizados e uma unidade de contenção de Biossegurança Nível-3. Também localizado na parte norte da ilha havia o Aeroporto de Barkhan - o qual fornecia transporte regular de aviões e helicópteros para o continente - e um porto na Baía de Udobnaya. Para proteger a ilha de invasores, embarcações especiais de patrulha faziam patrulhas de forma contínua.

         Dentro da ilha, todo tipo de teste foi realizado com o único objetivo de criar os mais mortais patógenos já testemunhados no planeta e estudá-los a exaustão. O campo de testes à céu aberto na ilha foi usado para estudar os padrões de disseminação dos agentes patogênicos através de aerossóis e métodos de detectá-los, e o alcance efetivo de bombas de aerossol contendo esses agentes de diferentes tipos. Os locais de teste eram equipados com uma sistemática disposição de polos telefônics com detectores instalados neles e espaçados por intervalos de 1 km. Pesquisas também focavam no desenvolvimento de vacinas eficientes contra os patógenos sendo selecionados ou otimizados.

         Os agentes biológicos testados na ilha foram desenvolvidos nas instalações científicas do projeto Soviético BW localizadas em Kirov, Sverdlovsk, Zagorsk e no centro de Biopreparo em Stepnogorsk, e incluíam patógenos responsáveis pelo antrax, tularemia, brucelose, praga (!), tifo, febre Q, varíola, toxina do botulismo e encefalite equídea Venezuelana. Os experimentos de campo foram conduzidos em cavalos, macacos, ovelhas e burros. Já os experimentos laboratoriais foram conduzidos em animais como ratos brancos, porcos da guineia e hamsters.

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         No começo, os agentes patogênicos eram obtidos a partir do meio selvagem, após serem cultivados em massivas quantidades e selecionados. Nisso buscava-se os mais infecciosos e letais. Ao decorrer da década de 1970 - coincidindo com o tratado de banimento das armas biológicas - começou a entrar em cena o jovem campo de estudo de genética molecular, abrindo caminho para a criação de bioarmas, não apenas sua cultivação. Uma dessas criações foi a mortal cepa de antrax conhecida como STI. Além de resistente a uma vasta gama de antibióticos, os cientistas incorporaram à essa cepa genes do Bacillus cereus, os quais possuem a função de gerar toxinas que rompem as células vermelhas e apodrecem tecido humano. Isso sem contar que essas cepas eram produzidas em acumulados de partículas finamente maceradas para facilitar ao máximo a inalação pelas vias aéreas.


          Além das cepas comuns de agentes patogênicos, foram testadas na ilha cepas especiais desenvolvidas para propósitos militares. Estimulantes bacterianos também foram usados para estudar a disseminação de partículas de aerossol na atmosfera. Todos os experimentos eram carregados de modo a evitar a contaminação das áreas residenciais da ilha e locais de transporte, aproveitando-se os padrões de ventos da região e a ação de um serviço especial de monitoramento. Mesmo assim, muitas contaminações acidentais provavelmente ocorreram, envolvendo a possível morte em massa de animais diversos e casos de contaminação de pessoas que entravam em contato com a ilha durante as décadas que seguiram os experimentos.

          Múltiplas fontes confiáveis, incluindo documentos desclassificados, implicam a elite militar da inteligência Soviética para a existência de tantas cepas de letais vírus transformadas em armas biológicas ao longo da história (Ref.13)

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    ABANDONO E ENCOLHIMENTO DO MAR DE ARAL

          Por causa do desvio de água do Mar de Aral desde a década de 1960 para projetos de irrigação de plantações de algodão da URSS, já no início da década de 1990 acumulou-se um enorme recuo das aguas marinhas cercando a Ilha de Vozrozhdeniya, fazendo esta aumentar sua área inicial em torno de 200 km2 para 2000 km2. Isso começou a dificultar o prosseguimento dos projetos biotecnológicos na região, aumentando bastante os os gastos, especialmente o custo de itens de importação e transporte a partir dos portos (estes tinham sido relocados dezenas de quilômetros longe do assentamento).


          Após a crescente perda de interesse no local e aumento das visitas das autoridades do Cazaquistão na região para verificar o que estava ocorrendo de fato por lá (especialmente após a queda do regime Soviético e a aquisição de independência do país), iniciou-se a evacuação das forças militares da ilha em 1991, após a saída dos especialistas da PNIL e a desativação das instalações científicas.

            Seguindo a vontade emitida pelo Presidente Boris Yeltsin, os programas de armas biológicas foram finalizados e o governo russo declarou que Vozrozhdeniya seria fechada, suas estruturas especiais seriam desmanteladas e dentro de dois ou três anos a ilha seria descontaminada e transferida para o controle do Cazaquistão e do Uzbequistão. Em 1995, especialistas do Departamento de Defesa dos EUA visitaram a ilha e confirmaram que os laboratórios tinham sido desativados, a infraestrutura destruída e o assentamento militar abandonado. Explorações científicas posteriores, porém, descobriram que existiam esporos viáveis de antrax na região. Além disso, é incerto acreditar nos reportes oficiais Russos de que os programas de armas biológicas foram realmente interrompidos desde o colapso da União Soviética.


          Hoje, já existe uma península ligando a ilha com a porção continental, o que traz significativa preocupação de biossegurança. Apesar das tentativas de total descontaminação da área, esta pode ficar contaminada ainda por muitos anos com microrganismos patogênicos, alguns dos quais são cepas militares resistentes aos antibióticos padrões. Esporos de Antrax podem sobreviver no solo por décadas, criando uma persistente fonte de contaminação. Além disso, animais roedores como ratos e marmotas são hospedeiros naturais da praga e outros patógenos, os quais podem agora migrar facilmente por longas distância da área e espalhar doenças infecciosas. Outra grande preocupação são as pessoas que vão ao local vez ou outra para saquear itens laboratoriais e militares abandonados.


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    ATUALMENTE

         Das poucas expedições que se atrevem a pisar no local - fora alguns saqueadores curiosos e irresponsáveis, a maioria explorações científicas -, os envolvidos geralmente tomam várias precauções, utilizando previamente antibióticos e vestindo máscaras com filtros de alta tecnologia, grossas botas de borracha e roupas forenses completas desde o momento de primeiro contato com a ex-ilha.

         Hoje a região parece uma cidade fantasma, cheia de edificações danificadas, laboratórios destruídos, livros de Marx e Lenin espalhados aqui e ali, tanques enferrujados. Pesquisadores que vão lá reportam que o lugar é muito silencioso, e é difícil ouvir um som de um pássaro sequer.

         Nas instalações PNIL, Os prédios encontram-se altamente bagunçados, com tanques de substâncias perigosas jogados por todo canto, pedaços de vidros laboratoriais cobrindo inteiramente o chão e equipamentos diversos também espalhados para todo lado. O ar dentro desses locais é pesadamente carregado de solventes e outras substâncias, impedindo até a entrada dos saqueadores mais atrevidos. Máscaras de proteção não conseguem durar nem 15 minutos nesses ambientes.

        Apesar de tudo isso, nenhum acidente foi reportado na área em volta da ilha ou dos saqueadores. Obviamente, o local é pouquíssimo visitado, o que diminui os riscos.

       A palavra 'Vozrozhdeniya' significa 'Renascimento', mas vamos torcer para que nenhum dos aterrorizantes patógenos lá desenvolvidos e testados não sejam revividos ou incomodados.


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REFERÊNCIAS 
  1. http://www.nytimes.com/2003/01/12/magazine/anthrax-island.html
  2. http://russian.cornell.edu/bio/cfm/video.cfm?RecNum=360&Lang=E&AccessCode=2000300040005000&Bandwidth=small
  3. http://jrtph.jcu.edu.au/vol/v01whish.pdf?_sm_au_=iVVvs2v1WPs2ttRM
  4. http://www.jfir.or.jp/e/publication/pdf/081001.pdf
  5. http://scholarship.law.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1174&context=scholar
  6. http://www.nonproliferation.org/the-1971-smallpox-epidemic-in-aralsk-kazakhstan-and-the-soviet-biological-warfare-program-commentaries/
  7. http://www.nti.org/media/pdfs/kazakhstan_biological.pdf?_=1316466791
  8. http://www.nti.org/learn/facilities/815/
  9. http://nsarchive2.gwu.edu//NunnLugar/2015/49.%201999-06-00%20Former%20Soviet%20Biological%20Weapons%20Facilities%20in%20Kazakhstan.Past%20Present%20and%20Future%20(from%20Web).pdf
  10. https://eospso.gsfc.nasa.gov/files/ocp/pdf/Page_324_new.pdf
  11. https://eospso.gsfc.nasa.gov/files/ocp/pdf/Page_320_new.pdf
  12. Ristanovic, E. (2018). Ethical Aspects of Bioterrorism and Biodefence. NATO Science for Peace and Security Series A: Chemistry and Biology, 255–270. https://doi.org/10.1007/978-94-024-1263-5_19 
  13. Hilary Ugwu (2020). Covert Military Operations, Bioengineering and the Weaponization of Viruses: An Iguebuikediscourse. urnal of Applied Philosophy. Vol. 18. No. 7, ISSN: 1597-0779. https://doi.org/10.13140/RG.2.2.26612.50563