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Por que a esponja de cozinha é o paraíso das bactérias?


- Atualizado no dia 24 de outubro de 2022 -

            Sabe aquela esponja de lavar vasilhas na pia da sua cozinha? Um notável estudo publicado em 2017 no periódico Scientific Reports (Ref.1) foi o primeiro a mostrar quantitativamente e qualitativamente que esses utensílios são o lar de uma massiva e inacreditável quantidade e diversidade de bactérias. Aliás, um estudo mais recente mostrou que esses utensílios de limpeza são melhores do que sistemas em placas de Petri para o crescimento de uma comunidade bacteriana diversa! Mas precisamos entrar em pânico por causa disso? E qual o motivo de tanta bactéria e diversidade bacteriana nas esponjas? Seria apenas devido aos restos de comida que ficam ali presos e à alta capacidade de reter água? 

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     LAR DE BACTÉRIAS

             Em países industrializados, os humanos gastam acima de 90% do tempo em ambientes artificialmente construídos. Nesses ambientes, diversas bactérias também passaram a acomodar suas bagagens, ou evoluíram para se adaptar aos novos desafios ambientais, criando uma contínua e mútua relação com a nossa espécie. Por colonizarem todos os cantos das casas e edificações, suspeita-se que as mesmas possuem um significativo impacto na nossa saúde e bem estar que vai, provavelmente, além das clássicas infecções e doenças, apesar dessa íntima relação não ser totalmente conhecida. 

            Entre todos os ambientes domésticos, a cozinha e o banheiro possuem, de longe, o mais alto potencial incubador microbiano, devido à contínua inoculação de novas células microbianas oriundas principalmente dos alimentos e direto contato corporal com as superfícies domésticas, e grau de umidade e disponibilidade de nutrientes. Porém, apesar de ser uma alegação muito disseminada, o banheiro não é o local onde se encontra a maior quantidade de bactérias e, sim, a cozinha. E o principal contribuidor para isso, segundo apontam as evidências científicas até o momento acumuladas, é a sua esponja de lavar vasilhas!

            Vários estudos têm mostrado que as esponjas de cozinha são o maior reservatório de bactérias ativas em toda a casa, incluindo a segunda maior carga de coliformes no ambiente doméstico depois da caixa de esgoto. E não só isso. Podem também abrigar bactérias patogênicas como a Campylobacter spp., Enterobacter cloacae, Escherichia coli14, Klebsiella spp., Proteus spp., Salmonella spp., e Staphylococcus spp. Aliás, acredita-se que as esponjas de cozinha são uma das principais fontes de contaminação que resultam em infecções alimentares no ambiente doméstico, algo que a maioria das pessoas nem suspeita, já que as esponjas estão ligadas à ideia de limpeza. 
       
          No estudo de 2017, citado no início deste artigo, os pesquisadores analisaram 14 típicas esponjas usadas de cozinha e mostraram que a população bacteriana era muito maior do que se pensava, incluindo também a presença de biofilmes bacterianos.

          Usando um sofisticado sequenciamento genético 16S rRNA para revelar a real diversidade e união taxonômica, acessar a influência de fatores extrínsecos e intrínsecos na estrutura microbiana, e estimar o potencial patogênico dessa microbiota, pesquisadores na Alemanha mostraram que as esponjas quando compradas novas não possuem perceptível quantidade de bactérias, com a história mudando rapidamente quando esses utensílios começam a ser usados na cozinha. Após contínuo uso em diferentes atividades de limpeza, especialmente em pratos sujos e afins, o número de bactérias colonizando as diferentes partes da esponja passa a exceder as 1010 células de bactérias por cm3! Em locais mais contaminados na estrutura da esponja, o número geralmente chega a mais de 5x1010 por cm3! Para você ter uma ideia desse número, esse valor corresponde a sete  vezes o número de humanos hoje vivendo na Terra - e tudo em pequeno pedaço da sua esponja! Tal densidade bacteriana geralmente só é encontrada em fezes.


          Nesse sentido, as esponjas parecem atuar como poderosos coletores, incubadores e disseminadores de bactérias de vários locais da casa - principalmente das superfícies onde elas são esfregadas, como geladeiras, pratos, copos fogões e pia - e oriundas de pessoas e alimentos. Com isso, após manuseio, elas podem se espalhar para as pessoas no ambiente doméstico com muita facilidade por causa da quantidade enorme de bactérias incubadas, tanto de forma direta ou através dos alimentos.

            Entre potenciais preocupações levantadas pelo estudo, foram encontradas bactérias próximo-relacionadas daquelas que causam pneumonia, febre tifoide, infecção alimentar e meningite, e uma delas, a Moraxella osloensis, pode causar infecções em pessoas com o sistema imune fraco, além de mau odores - possivelmente explicando porque sua esponja desenvolve aquele cheiro nada agradável.

           Por outro lado, apesar de 5 das 10 mais abundantes bactérias presentes nas esponjas serem de espécies com próxima relação genética com os gêneros patogênicos como o Acinetobacter, Moraxella e Chryseobacterium - e estando englobadas no RG2 (Grupo de Risco 2, ou seja, bactérias que podem causar doenças em certas circunstâncias) -, tal proximidade é apenas um fraco indicador de potencial risco patogênico. Por exemplo, os pesquisadores encontraram grandes quantidades da cepa Acinetobacter, a qual pode causar sérias infecções, mas somente se penetrarem profundamente no corpo, como em feridas infeccionadas ou queimaduras.

           Em um subsequente, publicado em 2019 no periódico Italian Journal of Food Safety (Ref.7), pesquisadores analisaram 100 esponjas de cozinha em uso na cidade de Milão, Itália, e encontraram várias cepas de enterobactérias oportunísticas ou patogênicas, como Enterobacter cloacae, Citrobacter freundii e Cronobacter sakazakii, em grande parte das amostras; em uma esponja foi identificada a espécie Listeria monocytogenes (capaz de causar meningite). Várias das bactérias também eram capazes de produzir a proteínas ESBLs (β-lactamases de espectro estendido), associadas a resistência bacteriana. Em 16 esponjas, foram encontradas a espécie C. sakazakii, a qual pode causar enterocolite necrosante, bacteremia e meningite em crianças e bebês, com taxa de mortalidade de 40-80%, além de diarreia e infecções do trato urinário (!) em pessoas de todas as idades, especialmente em indivíduos muito novos, com idade avançada, grávidas e imunossuprimidos.


          Outro estudo publicado em 2020 no periódico BMJ Public Health (Ref.8), analisando 50 esponjas de cozinha de dormitórios na Universidade de Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos, identificou um número de bactérias patogênicas da família  Enterobacteriaceae, com as espécies Enterobacter cloacae e Klebsiella oxytoca as mais abundantes. A E. cloacae pode causar infecção oportunística, como meningite. A K. oxytoca pode causar septicemia, pneumonia e infecção do trato urinário. Além disso, isolados da E. cloacae mostraram resistência aos antibióticos amoxicilina, cefalotina, cefuroxima, cefoxitina, cefuroxima e cefpodoxima.

          Além de bactérias, análises metagenômicas têm revelado uma pequena mas significativa quantidade de outros microrganismos nas esponjas (~2% da comunidade microbiana), incluindo procariontes Archaea, vírus e eucariontes (Ref.8-10). Em relação aos vírus, a maioria parece ser representada por bacteriófagos - ou seja, infectam bactérias -, como o gênero Microvirus ou a ordem Caudovirales; de fato, bacteriófagos são um das entidades biológicas mais comuns e são encontrados em todo lugar onde bactérias possam crescer, e, nesse sentido, são esperados em grande quantidade nas esponjas. Eucariontes e Archaea são encontrados em menor abundância e diversidade (<1%), incluindo em especial fungos (leveduras e mofos), algumas algas e amebas, e procariontes do gênero Methanosarcina (mais tolerantes em ambientes oxigenados) e espécies da classe Halobacteria.


   LIMPEZA DAS ESPONJAS

              Para a higienização das esponjas, existem recomendações que incluem uso diário de aquecimento por fervura ou micro-ondas para a redução da carga bacteriana. Porém, os resultados desses métodos são contraditórios na literatura científica, os quais podem até mostrar efeitos de esterilização de quase 100% em simulações de laboratório mas não em esponjas usadas. Somando-se a isso, nenhum método sozinho parece ser capaz de reduzir a carga bacteriana em mais de 60%. A formação de biofilmes bacterianos pode ajudar a explicar essa resistência a ações de limpeza.  



          Usar água fervente e micro-ondas realmente diminui muito a carga bacteriana nas espojas, mas apenas a curto prazo. Aliás, no estudo de 2017 os pesquisadores mostraram que dois gêneros do grupo das RG2 - Moraxella e Chryseobacterium - até retornavam em maior quantidade após os procedimentos de limpeza, em um processo similar ao que acontece com a microbiota de uma pessoa após o uso de antibióticos, onde existe o perigo do medicamente matar grande quantidade das bactérias benéficas e inofensivas e deixar o caminho livre para outras mais perigosas e resistentes (O que são as superbactérias e a resistência bacteriana?). A recomendação é que as pessoas troquem semanalmente as esponjas de cozinha, para diminuir o constante acúmulo de bactérias.


    QUAL É O REAL RISCO?

            Apesar da presença de bactérias patogênicas, a maior parte das bactérias nas esponjas de cozinha são inofensivas ou apenas potencialmente patogênicas, sendo ainda incerto o real risco à saúde associado a esses utensílios domésticos. 

           Nosso próprio corpo abriga também uma quantidade absurda de bactérias, tanto internamente quanto externamente, em especial no intestino e na pele. Aliás, algumas das bactérias dominantes encontradas nas esponjas de cozinha estão relacionadas com aquelas também geralmente encontradas na nossa pele (ex.: Moraxella). O ambiente ao nosso redor está pesadamente impregnado de bactérias, e estamos a todo momento interagindo intimamente com esses microrganismos sem que essa interação, necessariamente, represente um perigo. 

           Por outro lado, em ambientes de cozinha com baixa higiene ou exposição a patógenos perigosos, as esponjas talvez possam potencializar de forma robusta o risco de infecções. Nesse sentido, as esponjas podem espelhar o perfil bacteriano da sua cozinha e amplificar o potencial patogênico associado com consequências deletérias, mas faltam análises científicas de grande porte e mais compreensivas para melhor esclarecer  essa questão. 

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   ESPONJAS INCUBADORAS

             A típica atividade de esfregar objetos e superfícies na cozinha com a esponja seguindo a preparação de alimentos levam à absorção de resíduos de comida e microrganismos. Uma vez contaminada, o ambiente constantemente úmido e enriquecido com nutrientes oferece condições ideais para o crescimento microbiano dentro da esponja, somado com a alta área superficial em razão do volume (devido ao interior poroso). Porém, esses não parecem ser os únicos fatores responsáveis pela carga bacteriana tão alta nas esponjas.

           Um estudo publicado recentemente no periódico Nature Chemical Biology (Ref.12) mostrou que aspectos estruturais de particionamento nas esponjas tornam estas mais eficientes do que meios laboratoriais de crescimento microbiológico diverso. Os pesquisadores usaram modelos teóricos e experimentos quantitativos com comunidades microbianas simples e complexas, mostrando que as dinâmicas das populações de bactérias eram moduladas pelo grau de particionamento espacial favorecendo ou desfavorecendo grupos exibindo interações negativas (bactérias que melhor crescem isoladas) ou positivas (bactérias que crescem melhor associadas a outras bactérias). Particionamento (divisão estrutural) promove a persistência de populações com interações negativas mas suprime aquelas com interações positivas. Para uma comunidade consistindo de populações com interações positivas e negativas, um nível intermediário de particionamento maximiza a manutenção de diversidade da comunidade. O solo é um exemplo desse tipo de ambiente otimizado (nível intermediário de particionamento).

          As esponjas exibem diferentes graus de separação encontrados em solos saudáveis, fornecendo diferentes camadas de separação combinadas com diferentes tamanhos de espaços comunitários. No estudo, os pesquisadores demonstram experimentalmente esse ponto com amostras de esponja, encontrando que o material é até um melhor incubador de diversidade microbiana do que qualquer outro equipamento laboratorial testado.    


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REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.nature.com/articles/s41598-017-06055-9 
  2. http://www.sciencemag.org/news/2017/07/your-kitchen-sponge-harbors-zillions-microbes-cleaning-it-could-make-things-worse 
  3. http://www.nhs.uk/news/2017/08August/Pages/Kitchen-sponges-may-be-a-bacteria-hotspot-but-no-need-to-worry.aspx 
  4. https://www.ars.usda.gov/news-events/news/research-news/2007/best-ways-to-clean-kitchen-sponges/
  5. https://www.anl.gov/sites/anl.gov/files/128725.pdf
  6. https://www.cdc.gov/ounceofprevention/docs/oop_brochure_eng.pdf
  7. Marotta et al. (2019). Study on microbial communities in domestic kitchen sponges: Evidence of Cronobacter sakazakii and Extended Spectrum Beta Lactamase (ESBL) producing bacteria. Italian Journal of Food Safety, 7(4): 7672. https://doi.org/10.4081%2Fijfs.2018.7672
  8. Osaili et al. (2020). Microbiological quality of kitchens sponges used in university student dormitories. BMC Public Health 20, 1322. https://doi.org/10.1186/s12889-020-09452-4
  9. Schnell et al. (2020). Metagenomic Analysis of Regularly Microwave-Treated and Untreated Domestic Kitchen Sponges. Microorganisms 8(5), 736. https://doi.org/10.3390/microorganisms8050736
  10. Brandau et al. (2022). Minority report: small-scale metagenomic analysis of the non-bacterial kitchen sponge microbiota. Arch Microbiol 204, 363.  https://doi.org/10.1007/s00203-022-02969-9
  11. Møretrø et al. (2022). Bacterial levels and diversity in kitchen sponges and dishwashing brushes used by consumers. Applied Microbiology International, Volume 133, Issue 3, Pages 1378-1391. https://doi.org/10.1111/jam.15621
  12. Wu et al. (2022). Modulation of microbial community dynamics by spatial partitioning. Nature Chemical Biology 18, 394–402. https://doi.org/10.1038/s41589-021-00961-w