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Podemos ver nossa História através da luz do nosso passado?



          Essa é uma pergunta interessante e com um imenso potencial de fascínio. O que muitos de nós não dariam para vislumbrar como realmente era o planeta há centenas, milhares, milhões ou bilhões de anos? E essa pergunta ganha um grande corpo de realidade quando percebemos que todo o nosso céu estrelado representa estrelas em um passado bem distante, já que a luz das mesmas demoram enormes intervalos de tempo para chegar até nós, como eu expliquei no artigo Por que olhar para as estrelas é vislumbrar o passado?. Mas, infelizmente, essa maravilhosa suposição não encontra uma base sólida de sustentação no nosso Universo, apesar de existir uma brecha de possibilidade caso uma certa ficção científica de hoje se torne realidade no futuro.

           A ideia por trás do interessante conceito de ver o passado da Terra através da luz refletida por ela viajando pelo Espaço nasce do conceito de um Universo curvo, fechado e finito. Assim, os fótons que compõem essa luz viajariam e, depois de um tempo, retornariam ao seu ponto de partida. Bastaria portanto um telescópio super sofisticado para vermos a Terra no passado. Bem, o problema é que as observações e cálculos astronômicos nas últimas décadas mostram que o Universo é, na verdade, um plano, pelo menos extrapolando os dados do Universo visível, ou seja, aquele onde o espectro eletromagnético (incluindo a luz visível) pode ser detectado. A geometria do Universo só seria curva, fechada e finita caso sua densidade fosse maior do que a densidade crítica (1). Se a densidade for igual à densidade crítica, o Universo é plano. Para termos uma geometria plana, a Teoria da Inflação precisa estar correta (2) e as observações astronômicas mais recentes confirmam cada vez mais essa teoria e os cálculos mostram que a densidade é bem próxima da crítica. Além disso, a Teoria da Inflação completa de forma magnífica a Teoria do Big Bang.

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           Com um Universo plano e, portanto, aberto e infinito, a luz partiria de um ponto e seguiria infinitamente por uma linha reta, nunca retornando para nós. Mas para não destruir os seus sonhos apenas com uma punhalada, vamos considerar que a Teoria de Inflação não estaria agindo junto com o Big Bang para explicar o nosso Universo. Ok, nesse cenário poderíamos ter o nosso espaço cosmológico curvo, fechado e finito. Porém, se lembrarmos bem do nosso amigo Einstein e suas genialidades Relativísticas, a luz possui uma velocidade finita de 300 000 km/s. Sim, é algo além da nossa imaginação, mas apenas o nosso Universo observável é imenso demais. Mesmo se a luz do nosso passado estiver vindo ao nosso encontro, isso poderia levar um tempo absurdo para acontecer. Provavelmente não existiria nenhum resquício de nós no planeta e provavelmente nosso planeta nem existir mais existiria. Exceto, claro, se já estivéssemos colonizando outros planetas e sistemas dentro da nossa galáxia e ficássemos esperando a luz retornar para o ponto onde existia uma Terra. Bem, se eu fosse largaria esse suspiro, porque a expansão do Universo acabou de entrar como intruso na festa.

         Sim, o Universo está se expandindo (2) em um taxa de velocidade bem grande. Galáxias estão se afastando de outras em velocidades até maiores do que a da luz (velocidade de expansão do espaço entre elas, não velocidades intrínsecas a elas)! De acordo com os antigos modelos físicos consensuais, a expansão do Universo foi determinada como sendo acelerada e possuindo uma constante de 66,53 (+/- 0,62) km/s/Mpc (3), sendo  que cálculos recentes feitos pela NASA a partir de observações do Telescópio Espacial Hubble colocam esse valor ainda maior do que o previsto (4). Já em um Universo fechado, finito e curvo, o qual não faz sentido com a dinâmica do nosso Espaço atual (mas estamos fazendo uma suposição bem forçada), essa expansão não estaria se acelerando e, sim, freando, parando completamente depois de um tempo. Porém, a expansão continuaria mesmo em desaceleração, aumentando ainda mais o espaço pelo qual a luz teria que percorrer até chegar até nós novamente. E nesse Universo hipotético, a tendência seria ele entrar em colapso com o tempo (´Big Crunch´, o oposto do Big Bang) (2). É muito mais provável que esse colapso seria finalizado antes da "fotografia" do nosso passado chegar até a gente em algum lugar da nossa galáxia. E mesmo antes desse colapso, a nossa galáxia vizinha, Andrômeda, irá colidir com a Via Láctea daqui a cerca de 4 bilhões de anos! Ela está se aproximando de nós a uma velocidade próxima de 110 km/s! As duas Galáxias irão se fundir em um violento impacto!

           Em qualquer situação, seja em um Espaço Plano ou Esférico, a nossa única esperança é se conseguíssemos usar os supostos Buracos de Minhoca para ir de um ponto a outro do Universo em instantes sem nos preocuparmos muito com o tempo. Assim, conseguiríamos ter condições de sair da nossa Galáxia e começar a explorar, de verdade, o Cosmo. Bem, nessa situação, bastaria tentar interceptar a luz viajando da Terra em algum lugar do Universo. Ou poderíamos pensar em uma situação inversa: já que o nosso passado está viajando pelo Espaço, uma civilização alienígena poderia interceptá-lo com um super-ultra-telescópio, guardar a parte capturada e vir entregar para nós usando a avançada tecnologia de transporte nos Buracos de Minhoca, caso eles conseguissem nos achar! 

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            Bem, o conceito de apanhar o nosso passado viajando pelo Universo é bacana, mas as opções para tal feito divino tendem a fazer mais parte dos nossos sonhos do que da realidade prática. É melhor nos contentarmos com a possibilidade de uma civilização alienígena capturar o nosso passado com suas lentes ultra-avançadas e tê-las guardadas como lembrança de nós...:)

(1) Ou seja, a densidade teórica de um Universo plano. Essa densidade seria representada seria a relação entre toda a massa/energia do universo - Matéria Escura, Energia Escura e Matéria/Energia Normal - e o seu espaço total.

(2) Entenda mais sobre o assunto no artigo O que é a Expansão do Universo?

(3) ´1 Km/s/Mpc´ - 1 quilomêtro por segundo a cada Megaparsec, onde 1 Megaparsec equivale a 3,26 milhões de anos-luz). Para uma melhor noção dessa distância, em termos astronômicos, confira o artigo Por que olhar para as estrelas é vislumbrar o passado?

(4) Agora a constante possui um valor de 73,24 (+/- 1,74) km/s/Mpc, com uma incerteza de apenas 2,4%. Isso significa que as predições de Max Planck estavam erradas, significando que ou a Teoria da Relatividade de Einstein não está completa ou a Energia Escura pode ter comportamentos ainda mais intensos, podendo até precisar de complementos como a recente sugestão da ´Radiação Escura´. O estudo foi publicado pela NASA em junho deste ano (Ref.1).

Obs.: Sim, a luz do nosso passado estaria viajando pelo Universo, mas como nós ou os alienígenas conseguiriam filtrá-la de várias outras vindo ao nosso encontro, isso seria outra história. Bem, tecnologias do ´futuro´...

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REFERÊNCIAS CIENTÍFCAS
  1. https://www.nasa.gov/feature/goddard/2016/nasa-s-hubble-finds-universe-is-expanding-faster-than-expected
  2. http://news.berkeley.edu/2016/06/02/universe-expanding-faster-than-expected/
  3. https://map.gsfc.nasa.gov/universe/uni_shape.html
  4. http://curious.astro.cornell.edu/physics/103-the-universe/cosmology-and-the-big-bang/geometry-of-space-time/1061-if-spacetime-is-curved-is-it-possible-for-us-to-look-into-space-and-see-light-from-earth-from-long-ago-intermediate
  5. http://link.springer.com/article/10.1140/epjh/e2013-40037-6
  6. http://www.astro.ucla.edu/~wright/cosmo_03.htm